tag:blogger.com,1999:blog-36582603209359288322024-03-14T08:20:51.357+00:007 leitoresTiago Carvalhohttp://www.blogger.com/profile/11026578151380776598noreply@blogger.comBlogger589125tag:blogger.com,1999:blog-3658260320935928832.post-91591757920294099792017-06-25T15:28:00.000+01:002017-06-25T15:28:38.332+01:00Não se deixe enganar<div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on">
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
</div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 115%; margin-top: 12.0pt; text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://3.bp.blogspot.com/-Vo27jlnnP6U/WU_H1Tx_VkI/AAAAAAAAAsY/YAYVyXTLQTcbsAg5HGKjJV8I9fqNtTlnQCLcBGAs/s1600/320x.jpeg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="501" data-original-width="320" height="320" src="https://3.bp.blogspot.com/-Vo27jlnnP6U/WU_H1Tx_VkI/AAAAAAAAAsY/YAYVyXTLQTcbsAg5HGKjJV8I9fqNtTlnQCLcBGAs/s320/320x.jpeg" width="204" /></a></div>
<span lang="PT" style="font-size: 12.0pt; line-height: 115%; mso-ansi-language: PT;"><br /></span>
<span lang="PT" style="font-size: 12.0pt; line-height: 115%; mso-ansi-language: PT;">“Não se deixe enganar” de Diana Barbosa,
João Lourenço Monteiro, Leonor Abrantes e Marco Filipe é um livro extremamente
útil e bem conseguido. Combater a ignorância e a desinformação é possivelmente
uma das tarefas sociais mais urgentes dos cientistas, pensadores, professores e
cidadãos de boa vontade. Os autores deste livro têm sido particularmente activos
na promoção da cultura científica no
contexto da COMCEPT,<span style="mso-spacerun: yes;"> a </span>Comunidade Céptica
Portuguesa. O objectivo da COMCEPT tem sido o de promover discussões e debates que visam fundamentalmente
esclarecer questões que envolvam matérias de natureza científica e sobre as
quais o essencial é se ter conhecimento dos factos. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 115%; margin-top: 12.0pt; text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span lang="PT" style="font-size: 12.0pt; line-height: 115%; mso-ansi-language: PT;">No momento histórico particular que vivemos,
parece-nos fundamental sinalizar a importância da cultural científica e o seu
papel estruturante enquanto suporte factual do conhecimento e como elemento
metodológico central de qualquer processo decisório.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 115%; margin-top: 12.0pt; text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span lang="PT" style="font-size: 12.0pt; line-height: 115%; mso-ansi-language: PT;">De facto, a ignorância e a desinformação, infelizmente, já contaminam uma fracão não desprezável dos cidadãos das sociedades modernas. Segundo o
Washington Post, 7%, ou seja, 16 milhões de norte-americanos pensam que o leite
achocolatado vem das vacas castanhas. Na Califórnia, 3 em 10 crianças não sabia
que o queijo é feito a partir do leite. Em 2016, 84% dos norte-americanos
entrevistados eram favoráveis à rotulagem dos organismos geneticamente
modificados, mas 80% eram da mesma opinião relativamente aos alimentos com ADN! <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 115%; margin-top: 12.0pt; text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span lang="PT" style="font-size: 12.0pt; line-height: 115%; mso-ansi-language: PT;">Já é um dado adquirido do nosso tempo o
estilo truculento e a arrepiante ignorância do presidente dos Estados Unidos da
América. Ouvimos que Donald Trump defende que o aquecimento global é uma fraude
criada pela China; que manifestou desconfiança sobre a segurança das vacinas; e
durante muitos anos propagou a teoria de que o registo de nascimento de Barack
Obama era falso e que ele teria nascido na Quénia. </span><br />
<span lang="PT" style="font-size: 12.0pt; line-height: 115%; mso-ansi-language: PT;"><br /></span>
<span lang="PT" style="font-size: 12.0pt; line-height: 115%; mso-ansi-language: PT;">Naturalmente,</span><span style="font-size: 12pt;"> seria incorrecto assumir que este é um fenómeno exclusivo dos Estados Unidos da América. </span><span style="font-size: 12pt;">Na sua “República” Platão defendeu, há
cerca de 2500 anos, que a sociedade era melhor governada por um conselho de sábios
e filósofos. As sociedades democráticas contemporâneas são baseadas no
pressuposto que todos os cidadãos são “filósofos” esclarecidos e têm capacidade
para colectivamente decidir sobre os caminhos a seguir e segundo o interesse de
todos.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 115%; margin-top: 12.0pt; text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span lang="PT" style="font-size: 12.0pt; line-height: 115%; mso-ansi-language: PT;">A existência de bolsas de ignorância
podem (e estão) desestabilizando o debate e a discussão política moderna e são
potencialmente perigosos pela tendência que têm em simplificar os problemas
complexos e por propagar a ideia de que a cultura científica, humanista e política, que são
base das sociedades democráticas, é irrelevante e desnecessária. Será de facto?<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 115%; margin-top: 12.0pt; text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span lang="PT" style="font-size: 12.0pt; line-height: 115%; mso-ansi-language: PT;">Parece-nos útil relembrar alguns
exemplos históricos. Entre 1915 e 1918, os líderes do império otomano
assassinaram indiscriminadamente um milhão de arménios. Até hoje nenhum governo
turco aceitou a responsabilidade deste genocídio. Entre 1933 e 1945 a Alemanha
levou a cabo o assassínio de 6 milhões de judeus e foi responsável pela morte
de mais de 60 milhões de seres humanos. As vítimas do Estalinismo ascenderam a
possivelmente mais de 10 milhões de vidas; as do Maoismo a mais de 20 milhões
de vidas; entre 1975 e 1985 o Khmer Rouge de Pol Pot assassinou entre um e dois
milhões de cambojanos num país de 8 milhões de habitantes. No genocídio, em
1994, no Ruanda, 800 mil membros de etnia Tutsi foram assassinados pela etnia
Hutus.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 115%; margin-top: 12.0pt; text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span lang="PT" style="font-size: 12.0pt; line-height: 115%; mso-ansi-language: PT;">O que está por trás destas derivas
demenciais? A desinformação e o desrespeito das regras essenciais da civilidade
por conta de obscuras teorias da conspiração que deturpam irremediavelmente os
factos e a História.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 115%; margin-top: 12.0pt; text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span lang="PT" style="font-size: 12.0pt; line-height: 115%; mso-ansi-language: PT;">O anti-semitismo dá-nos um elucidativo
exemplo sobre a génese destas absurdas teorias. Em 1902<sup> </sup>a policia secreta
do Tzar criou e distribuiu a publicação apócrifa e anti-semita, “Os Protocolos
dos sábios de Sião”, um mês após o congresso sionista na Rússia, em Setembro
daquele ano. Nesta publicação, os líderes da comunidade judaica são apresentados de forma caricatural e conspiram para
controlar o mundo. O objectivo da publicação era justificar a perseguição daquela minoria e descriminalizar as regulares explosões populares de violência que espoliavam,
aterrorizavam e assassinavam membros das comunidades judaicas na Rússia tzarista. O livro foi
exposto como fraudulento pelo Times de Londres em 1921, mas as ideias ali
veiculadas não deixaram de atrair os mais incultos e preconceituosos. Os Protocolos do sábios de Sião era, por exemplo, uma obsessão de Henry Ford, que subsidiou a impressão de meio
milhão de cópias. No “Mein Kampf” de Hitler, há inúmeras citações dos Protocolos
e incitações ao extermínio dos judeus por conta das revelações ali expostas.
<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 115%; margin-top: 12.0pt; text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span lang="PT" style="font-size: 12.0pt; line-height: 115%; mso-ansi-language: PT;">As conspirações na ciência são
mencionadas no capitulo 1 do “Não se deixe enganar”. No contexto estritamente
científico, a ciência tem métodos para combater estas derivas, mas o problema é
muito mais geral. Recordemos que a Teoria da Relatividade foi o alvo privilegiado das pseudo-critícas da chamada ciência ariana da Alemanha nazista. A Mecânica Quântica foi também duramente atacada e, como a Relatividade, foi qualificada de ciência judia. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 115%; margin-top: 12.0pt; text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span lang="PT" style="font-size: 12.0pt; line-height: 115%; mso-ansi-language: PT;">Mas voltemos ao livro em discussão, “Não
se deixe enganar”. No capitulo 2, há uma excelente discussão sobre a absurda
dicotomia entre a noção de alimentos à base de químicos em oposição aos naturais.
Ouvimos com frequência sobre ovos, vegetais e alimentos orgânicos. Mas naturalmente
quaisquer um desses alimentos são orgânicos; a questão é se a sua produção é
industrial e com base em métodos ambientalmente menos agressivos.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 115%; margin-top: 12.0pt; text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span lang="PT" style="font-size: 12.0pt; line-height: 115%; mso-ansi-language: PT;">Tudo o que é natural é bom? É claro que
não necessariamente. Por exemplo, a chamada doença das vacas loucas foi causada
pela utilização de alimentação supostamente natural de base animal contaminada
com partículas priónicas.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 115%; margin-top: 12.0pt; text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span lang="PT" style="font-size: 12.0pt; line-height: 115%; mso-ansi-language: PT;">Na página 60 do livro há uma lista muito
útil de aditivos alimentares, que reproduzimos parcialmente:<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-top: 12.0pt; text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span lang="PT" style="font-size: 12.0pt; mso-ansi-language: PT;">E150a
– caramelo (corante)<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-top: 12.0pt; text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span lang="PT" style="font-size: 12.0pt; mso-ansi-language: PT;">E260
– ácido acético (vinagre)<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-top: 12.0pt; text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span lang="PT" style="font-size: 12.0pt; mso-ansi-language: PT;">E300
– vitamina C<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-top: 12.0pt; text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span lang="PT" style="font-size: 12.0pt; mso-ansi-language: PT;">E330
– ácido cítrico, etc...<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 115%; margin-top: 12.0pt; text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span lang="PT" style="font-size: 12.0pt; line-height: 115%; mso-ansi-language: PT;">A conclusão é que é precipitado e sem
sentido afirmar que os aditivos alimentares devam todos ser qualificados de
artificiais e considerados perigosos, muito pelo contrário. Muitos são essenciais
para a conservação e para a manutenção da integridade dos alimentos.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 115%; margin-top: 12.0pt; text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span lang="PT" style="font-size: 12.0pt; line-height: 115%; mso-ansi-language: PT;">Com relação aos medicamentos, a situação é semelhante e é relevante compreender que não há um medicamento que possa curar
doenças com causas tão diversas como bactérias, vírus, parasitas, mutações
genéticas e factores ambientais. O livro é também muito útil neste alerta.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 115%; margin-top: 12.0pt; text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span lang="PT" style="font-size: 12.0pt; line-height: 115%; mso-ansi-language: PT;">Sobre o irresponsável movimento
anti-vacinas, somos relembrados do estudo fraudulento de 1998 do médico
britânico Andrew Wakefield, que afirmava haver uma alegada relação causal entre a vacinação com a vacina tríplice (sarampo, rubéola e papeira) e o autismo. Apesar da sua
publicação, os métodos do artigo foram demonstrados serem inteiramente
inconclusivos ao ponto do artigo ter sido retirado da revista Lancet; a licença
médica do autor foi posteriormente revogada e ele acabou por emigrar para os Estados Unidos da
América, onde continua a militar em campanhas contra as vacinas.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 115%; margin-top: 12.0pt; text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span lang="PT" style="font-size: 12.0pt; line-height: 115%; mso-ansi-language: PT;">Em Portugal, a primeira das vacinas, a vacina
do médico inglês Edward Jenner (1796) contra a varíola (variolae vaccinae, varíola
das vacas) foi introduzida em 1812 e o Programa Nacional de Vacinação (PNV)
iniciou a sua actividade em 1965. O sucesso da acção do PNV é simplesmente
impressionante. Os números falam por si. Antes de 1965, no que se refere, por exemplo, à
tosse convulsa foram registados 14429 casos e 873
mortes. Entre 1999 e 2008, 279 casos e nenhuma morte. No que diz respeito à
poliomielite, foram registados 2723 casos e 316 mortes antes de 1965 e nenhum caso depois de 1965, ou seja, a poliomielite foi erradicada.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 115%; margin-top: 12.0pt; text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span lang="PT" style="font-size: 12.0pt; line-height: 115%; mso-ansi-language: PT;">É-nos inclusivamente descrita a prática
absurda e irresponsável de alguns pais em comunidades de países desenvolvidos que não acreditam nas vacinas e que
organizam festas de crianças não vacinadas com crianças doentes para que aquelas adquiram
uma imunidade natural!<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 115%; margin-top: 12.0pt; text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span lang="PT" style="font-size: 12.0pt; line-height: 115%; mso-ansi-language: PT;">No capítulo 2, secção 3, a reacção aos organismos
geneticamente modificados (OGM) é discutida e são referidas as técnicas conhecidas de obter
OGMs (cruzamento - metodologia utilizada desde sempre -; mutagênese; poliploidia; transgênese; e edição genómica). Somos
então levados a concluir que a transgênese é só uma forma de se obter OGMs e que
segurança e a utilidade de qualquer organismo deve ser avaliado caso a caso e
não pela técnica que lhe deu origem. De qualquer forma, é evidente que a
tecnologia dos OGMs tem inúmeras potencialidades e não pode simplesmente ser
descartada automaticamente.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 115%; margin-top: 12.0pt; text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span lang="PT" style="font-size: 12.0pt; line-height: 115%; mso-ansi-language: PT;">No capítulo 3, são apontadas algumas
causas da desconfiança que muitas vezes o público tem acerca da ciência
aplicada à medicina, por exemplo. São mencionados: os escândalos de fraude e os processos de encobrimento, via de regra causados pela predominância de interesses
comerciais; a atracção pelo exotismo; a História Colonialista do Ocidente; ideias pós-modernistas e relativistas que veem a ciência como apenas uma
narrativa entre as muitas possíveis.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 115%; margin-top: 12.0pt; text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span lang="PT" style="font-size: 12.0pt; line-height: 115%; mso-ansi-language: PT;">De facto, a medicina teve que passar por
centenas de anos de desenvolvimento até atingir a maturidade e os padrões de
rigor que lhe caracterizam e que estão associados às práticas de meta-análise,
revisões sistemáticas, ensaios duplamente cegos, o entendimento dos efeitos
placebo e nocebo, etc.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 115%; margin-top: 12.0pt; text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span lang="PT" style="font-size: 12.0pt; line-height: 115%; mso-ansi-language: PT;">Recordemos que só foi em 1828 que o
médico francês Pierre Louis conduziu o primeiro estudo clínico com o objectivo
de determinar a eficiência das sangrias em 77 pacientes com pneumonia. Apesar
de serem os seus resultados claramente negativos, não determinaram contudo a
abolição imediata da prática.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 115%; margin-top: 12.0pt; text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span lang="PT" style="font-size: 12.0pt; line-height: 115%; mso-ansi-language: PT;">Na década de 1840, o médico húngaro </span><span style="font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Ignaz Semmelweis, </span><span lang="PT" style="font-size: 12.0pt; line-height: 115%; mso-ansi-language: PT;">observou
a diminuição da mortalidade de parturientes quando os médicos e enfermeiras
lavavam as mãos. Porém, foram necessários muitos anos para que as suas
observações fossem consideradas universalmente.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 115%; margin-top: 12.0pt; text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span lang="PT" style="font-size: 12.0pt; line-height: 115%; mso-ansi-language: PT;">Na verdade, como é afirmado na página
104: “Conhecemos os erros no processo científico, não por intuição, nem por
magia, mas sim porque há investigação sistemática sobre o tema. É ciência feita
sobre ciência”.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 115%; margin-top: 12.0pt; text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span lang="PT" style="font-size: 12.0pt; line-height: 115%; mso-ansi-language: PT;">No capítulo 3, secção 2, há uma
interessante descrição das terapias alternativas mais conhecidas e do seu paupérrimo suporte científico. São discutidas a acupunctura, a homeopatia, a fitoterapia,
a medicina tradicional chinesa, a osteopatia, a quiroprática. Pelas mesmas razões, quase que invariavelmente, as vantagens de certos suplementos alimentares e produtos
miraculosos, tem que ser qualificada de gratuita e desprovida de qualquer validade científica.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 115%; margin-top: 12.0pt; text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span lang="PT" style="font-size: 12.0pt; line-height: 115%; mso-ansi-language: PT;">Também nos é explicado como, em 2015, um
estudo premeditadamente fraudulento atestando a vantagem de chocolate negro
para a perda de peso foi publicado em uma revista sem qualquer reputação ao
nível científico, embora tenha recebido uma cobertura muito ampla pela
comunicação social. Curiosamente, poucos notaram que o instituto onde
alegadamente o estudo foi levado a cabo que só tinha existência no ciberespaço.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 115%; margin-top: 12.0pt; text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span lang="PT" style="font-size: 12.0pt; line-height: 115%; mso-ansi-language: PT;">Assim percebemos algo bem conhecido dos
profissionais, nomeadamente que a existência de revistas que se designam de
científicas, mas que na verdade, são reguladas por lógicas puramente comerciais, indiciam que os aspectos mais nocivos da nossa sociedade não deixam de se
infiltrar nas instituições científicas e que no processo dão origem a fenómenos
puramente sociais completamente desprovidos de significado científico.
Naturalmente, estas dinâmicas exigem do público e dos intervenientes da
comunicação social um espírito critico e um contínuo exercício de verificação
das fontes, consulta de cientistas qualificados, e uma atitude verdadeiramente
informativa aquando da publicação de factos e afirmações extraordinárias.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 115%; margin-top: 12.0pt; text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span lang="PT" style="font-size: 12.0pt; line-height: 115%; mso-ansi-language: PT;">É óbvio que enquanto actividade humana,
a ciência não poderia estar completamente livre de influências económicas,
sociais, etc, porém a incontornável contribuição da ciência para a melhoria da
qualidade de vida de todos leva, mesmo ao mais céptico dos leitoras, à conclusão que a ciência é a força motriz mais
consistente do progresso da humanidade. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 115%; margin-top: 12.0pt; text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span lang="PT" style="font-size: 12.0pt; line-height: 115%; mso-ansi-language: PT;">Segundo a Royal Society: <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 115%; margin-top: 12.0pt; text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span lang="PT" style="font-size: 12.0pt; line-height: 115%; mso-ansi-language: PT;">“A ciência é a procura e a aplicação do
conhecimento e compreensão do mundo natural e social recorrendo a uma
metodologia sistemática com base em evidências.”<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 115%; margin-top: 12.0pt; text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span lang="PT" style="font-size: 12.0pt; line-height: 115%; mso-ansi-language: PT;">Segundo Richard Dawkins a ciência é a
“poesia do real”. Nas palavras de Carl Sagan: “a ciência é uma vela na
escuridão”. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 115%; margin-top: 12.0pt; text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span lang="PT" style="font-size: 12.0pt; line-height: 115%; mso-ansi-language: PT;">Segundo os autores deste utilíssimo
livro: “a ciência é uma ferramenta que permite resolver ou pelo menos mitigar
as nossas falhas sensoriais e cognitivas. Uma ferramenta que consegue erradicar
doenças e colocar sondas a milhões de quilómetros de distância. É uma actividade
que procura observar e quantificar com instrumentos rigorosos o que escapa aos
nossos sentidos; que atenua o efeito dos nossos preconceitos ao juntar pessoas
de várias nacionalidades, credos e identidades políticas; o que aceita apenas o
que pode ser testado e comprovado de forma independente; que reconhece que todo
o conhecimento é provisório e que pode mudar com novos factos. Pode não ser
perfeita, mas é a ferramenta mais bem sucedida para reduzir a probabilidade de
chegarmos a conclusões erradas.” <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 115%; margin-top: 12.0pt; text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span lang="PT" style="font-size: 12.0pt; line-height: 115%; mso-ansi-language: PT;">Palavras que o autor destas linhas
subscreve integral e entusiasticamente. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 115%; margin-top: 12.0pt; text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span lang="PT" style="font-size: 12.0pt; line-height: 115%; mso-ansi-language: PT;">Orfeu B.</span></div>
</div>
Orfeu B.http://www.blogger.com/profile/11470371589888576962noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-3658260320935928832.post-30328181575623267792017-04-17T21:48:00.000+01:002017-04-17T23:05:17.362+01:00O Bispo Alucinado<div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on">
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://3.bp.blogspot.com/-nFeCEuB9knE/WPUh0a4-JfI/AAAAAAAAAr0/cbYumYXel_44XbLEg3W9NyTqC2WOaAT2wCLcB/s1600/Albano1.jpeg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://3.bp.blogspot.com/-nFeCEuB9knE/WPUh0a4-JfI/AAAAAAAAAr0/cbYumYXel_44XbLEg3W9NyTqC2WOaAT2wCLcB/s1600/Albano1.jpeg" /></a></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: justify;">
<i>“ ... Convirá, no entanto, lembrar que este bispo foi uma das figuras mais controversas da Igreja Portuguesa, nos séculos XVIII e XIX. Para alguns, um santo (chegou a ser enviado a Roma um processo, visando a sua beatificação); para outros, um visionário, raiando a loucura e a depravação (veja-se o processo que o Santo Ofício lhe moveu).</i></div>
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<i><br /></i></div>
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<i>Pelo elementos de que pude dispor e a opinião de historiadores e pessoas que conheceram bem os meios brigantinos da época, como é o caso do Abade de Baçal, <span style="background-color: white;">não</span> pude deixar de concluir pela perspectiva que lhe é a mais favorável -- a santidade. Se outras razões não houvesse, uma, pelo menos haverá: “in dúbio pro reo” …</i></div>
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<br /></div>
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<i>Albano Estrela</i></div>
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<br /></div>
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Há textos que transbordam uma humanidade que transcende em muito as convicções que formamos das personagens que são retratadas. Muitas vezes sugerem uma taxonomia de caracteres que correspondem ao nosso imaginário e são, assim, algo previsíveis. Os textos de Albano Estrela, profícuo professor catedrático reformado, virtuoso das ciências da educação e, prolífico autor que eu tanto aprecio, não estão nessa categoria, pois acabam sempre por nos conduzir a caminhos inesperados. A humanidade dos textos de Albano Estrela é encantadora, assim como o tom diáfano que ele utiliza para nos introduzir as suas personagens. Poder-se-<span style="background-color: white;"><span style="background-color: yellow;">á</span> </span>argumentar que os livros de Albano Estrela deveriam ser lidos na sua integridade, mas eu suponho que o meu querido amigo, por se rever, acima de tudo, como um contista, prefira que as sua estórias sejam lidas como se fossem ilhas que só o acaso temporal de sua concepção ligou ao arquipélago de um livro ou de uma colectânea. </div>
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<br /></div>
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De facto, quando tenho a oportunidade de conversar com Albano Estrela, o que nos últimos tempos são momentos raros e, por isso, ainda mais preciosos, nunca me refiro a livros, pois prefiro focar-me nas suas estórias e, sobretudo, nas suas personagens. Na minha modestíssima opinião, as duas estórias de “O bispo alucinado” são exemplos disso mesmo, para além de serem características da habilidade descritiva e da imaginação de Albano Estrela. </div>
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<br /></div>
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No primeiro conto, a vivida descrição vida cultural do Porto no anos 1950, as suas limitações, os seus locais, as suas “aves raras” arrasta-nos para a análise cúmplice de um personagem singular que nos é apresentado com a riqueza e o realismo que só um mestre da escrita pode criar. Um personagem que se perde periodicamente na obsessão de leituras que ele julga serem redentoras e que nos parece ser, à primeira vista, apenas um caso da exacerbação de uma personalidade incompleta e imatura. Mas a descrição de Albano Estrela vai muito para além desta primeira impressão, pois há nela uma empatia natural para com as fraquezas de carácter, para com as ilusões, e para com o êxtase místico que arrasta a sua personagem para o abismo das suas obsessões e que o conduz à sua solidão final destituída de remissão. É esta capacidade extraordinária do autor Albano Estrela que tanto impressiona. Uma capacidade infinita de entender e admitir as alucinações, as dúvidas, as falhas e os desvios, como manifestações naturais e inerentes da própria humanidade. </div>
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<br /></div>
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Na segunda estória, a que empresta o título ao livro, a agonia da última noite de um bispo que procura deixar sob a forma escrita o testemunho da virtuosidade do seu amor a deus, e assim “perder-se no amor divino, arder no seu fogo …”. Uma agonia que nos sugere ser a consequência lógica do turbilhão de emoções que engolfa o crente cioso de compreender o descaminho e as contradições de um deus tão pouco zeloso da sua obra. Mas a descrição de Albano Estrela é muito mais rica e sugere, como na vida real, que por trás de cada gesto ou acto, há um sem número de interpretações possíveis, cuja síntese nenhum leitor, ouvinte ou observador, pode defender sem trair a sua honestidade intelectual. E não é esta, segundo os crentes, a infinitude de caminhos do divino? Ou o equivalente agnóstico ou ateu, do princípio do benefício da dúvida que todos, sem exceção, devem merecer? Em suma, esta é a virtude maior da inteligência superior de Albano Estrela, a sua capacidade de exemplificar nas suas estórias os múltiplos caminhos da vida real, sem menosprezar qualquer das vias, ainda que esta não seja a que mais se aproxime da sua visão do mundo e das suas convicções. </div>
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<br /></div>
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Assim, "O Bispo Alucinado" é mais uma surpreendente contribuição de Albano Estrela, um texto rico e humano que propicia uma prazeirosa leitura. </div>
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<br /></div>
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Há uma nota final que este comentador, não pode deixar de escrever. Nomeadamente, que me é insuportável a ideia que este seja o último livro de Albano Estrela. É-me absolutamente impensável supor que Albano Estrela pense que nos pode privar da sua inteligência e da sua sensibilidade. Fica aqui o apelo: Albano Estrela, a sua obra está muito longe de estar concluída!</div>
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<br /></div>
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Orfeu B.</div>
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<a href="https://3.bp.blogspot.com/-UC_KZ7SOias/WPUh3ZkqDwI/AAAAAAAAAr4/tIKhQxDcNLEP48Fp9iZvAC1fmmRAFftbgCLcB/s1600/Albano2.jpeg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://3.bp.blogspot.com/-UC_KZ7SOias/WPUh3ZkqDwI/AAAAAAAAAr4/tIKhQxDcNLEP48Fp9iZvAC1fmmRAFftbgCLcB/s1600/Albano2.jpeg" /></a></div>
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Orfeu B.http://www.blogger.com/profile/11470371589888576962noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-3658260320935928832.post-41786242918746322492017-03-25T12:31:00.000+00:002017-03-25T12:32:55.721+00:00Seis Breves Apontamentos de Cosmologia Contemporânea<div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on">
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: white; font-family: "georgia" , "times" , serif; font-size: 12px;">A Cosmologia é uma das mais pujantes áreas da investigação da Física contemporânea. Mobiliza vastos recursos teóricos e experimentais: estes materializam-se em missões espaciais, programas observacionais que visam compilar catálogos astronómicos com uma extensão jamais vista, e recursos de computação e simulação que estão no limite das capacidades hodiernas em termos de complexidade, armazenamento e manipulação de dados. Esta riqueza de implicações só é possível graças à maturidade teórica que a Cosmologia atingiu nas últimas décadas. Nesta breve introdução à Cosmologia Contemporânea, os aspetos observacionais e teóricos mais salientes da ciência do Universo são descritos e teorizados. Tendo como ponto de partida a Teoria da Relatividade Geral, o livro discute a história térmica do Universo, a necessidade de um período primordial de expansão acelerada, a inflação, as propriedades mais marcantes da radiação cósmica de fundo, a problemática da matéria e da energia escura, e a hipótese de construção de descrições cosmológicas alternativas com base em teorias da gravitação que não as baseadas na Relatividade Geral. Os temas abordados fazem deste livro uma obra particularmente útil para um curso introdutório de Cosmologia.</span><br />
<span style="background-color: white; font-family: "georgia" , "times" , serif; font-size: 12px;"><br /></span>
<span style="background-color: white; font-family: "georgia" , "times" , serif; font-size: 12px;">Orfeu Bertolami e Jorge Páramos</span></div>
<span style="background-color: white; font-family: "georgia" , "times" , serif; font-size: 12px;"><br /></span>
<br />
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<a href="https://4.bp.blogspot.com/-y41Md_NQPFM/WNZixNoMzoI/AAAAAAAAArk/xcdcoMsaRzwXAwezquh0I5jN8i4P9Xi8QCLcB/s1600/ApontamentosCosmologia_capasite.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="320" src="https://4.bp.blogspot.com/-y41Md_NQPFM/WNZixNoMzoI/AAAAAAAAArk/xcdcoMsaRzwXAwezquh0I5jN8i4P9Xi8QCLcB/s320/ApontamentosCosmologia_capasite.jpg" width="222" /></a></div>
<span style="background-color: white; font-family: "georgia" , "times" , serif; font-size: 12px;"><br /></span></div>
Orfeu B.http://www.blogger.com/profile/11470371589888576962noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-3658260320935928832.post-8862650379781037562017-02-12T00:16:00.001+00:002017-02-12T00:16:49.795+00:00As Criadas<div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on">
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://2.bp.blogspot.com/-FybfMqlH0Xs/WJ-k38c4ZDI/AAAAAAAAArQ/rdmpmjV9vNkgVI_DN7i8AhYkHDCZGsUCQCLcB/s1600/As%2BCriadas2.jpeg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://2.bp.blogspot.com/-FybfMqlH0Xs/WJ-k38c4ZDI/AAAAAAAAArQ/rdmpmjV9vNkgVI_DN7i8AhYkHDCZGsUCQCLcB/s1600/As%2BCriadas2.jpeg" /></a></div>
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<br /></div>
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<i>… </i></div>
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<i><br /></i></div>
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<i>Claire - Fala, por favor. Fala da bondade de Madame.</i></div>
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<i><br /></i></div>
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<i>Solange - Da bondade de Madame! É fácil ser boa, sorridente e meiga. A meiguice de Madame. Quando se é linda e rica! mas ser criada e boa! Nos contentamos enquanto arrumamos a casa e lavamos a loiça. Brandimos um espanador como se fosse um leque. Fazemos gestos elegantes com o avental.</i></div>
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<i>…</i></div>
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<i><br /></i></div>
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<i>Jean Genet</i></div>
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<br /></div>
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<br /></div>
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Numa fria noite de Janeiro, três actrizes, Luísa Cruz, Beatriz Batarda e Sara Carinhas, personificam, com total entrega, <i>As Criadas </i>de Jean Genet (1910-1986) no Teatro Aveirense.</div>
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<br /></div>
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A encenação de Marco Martins, conjuga com inteligência as múltiplas possibilidades de um texto rico e alusivo com o vigor interpretativo das actrizes, muito particularmente a das criadas, Claire e Solange (Sara Carinhas e Beatriz Batarda). </div>
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<br /></div>
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A encenação acontece com o público disposto ao redor do palco que, qual um ringue de boxe, contém e amplifica a energia da personificação. A parte interior das paredes do palco é espelhada de modo a propiciar ao público uma visão completa do trabalho interpretativo. Os elementos cénicos são, ao longo da encenação, desenhados pelas criadas com giz no palco de ardósia. A declaração cénica é evidente: todos os elementos da encenação são criados pelas actrizes. Sem as actrizes não há nada, não há teatro, só há um espaço inerte e esvaziado de objecto. O contexto do teatro é completamente definido pela acção das actrizes. Uma magnífica leitura da dramaturgia de Genet, um autor que através de peças essenciais como <i>As Criadas </i>(1947) e <i>O Balcão </i>(1957), demonstrou eloquentemente como as relações e, sobretudo, as identidades dos personagens são criações dos interlocutores. </div>
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<br /></div>
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Baseada no caso real das irmãs Lapin que assassinaram a sua patroa e a filha, em Le Mans, França, na década de 1930, o texto <i>As Criadas</i> foi escrito aquando de um período de encarceramento por conta da pequena criminalidade que foi, por muitos anos, a actividade principal do autor. Na verdade, as primeiras obras de Genet, que incluem textos como a <i>Nossa Dama das Flores</i> (1943) e o <i>Diário de um Ladrão</i> (1949), subvertem completamente os padrões morais estabelecidos ao celebrar a humanidade através da singularidade das suas experiências de pequena criminalidade, homossexualidade e vagabundagem. </div>
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<br /></div>
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O texto de <i>As Criadas</i> suscita muitas leituras e interpretações, mas parece-nos seguro afirmar que ao descrever quão desesperadamente as irmãs procuram escapar do seu quotidiano limitado e miserável, Genet procurou demonstrar o efeito devastador que a exploração tem na vida dos que vivem em função dos seus exploradores e como estes se apropriam inclusivamente do imaginário dos seus criados, condicionando-o pela imitação e pela incorporação dos valores burgueses. </div>
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<br /></div>
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A vibrante encenação de Marco Martins e a brilhante interpretação das actrizes Beatriz Batarda, Sara Carinhas e Luísa Cruz, é, para além de uma muitíssimo bem sucedida e original revisita a um texto clássico da dramaturgia do século XX, uma demonstração do poder inesgotável do teatro enquanto vector criativo e veículo de reflexão.</div>
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<span style="text-align: center;"><br /></span></div>
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<span style="text-align: center;">Orfeu B.</span></div>
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<a href="https://3.bp.blogspot.com/-1iaS5vfqIdI/WJ-kjvpMixI/AAAAAAAAArI/Qs0E_20R-7EYIQ6zG8wNI0YY_4f8VBROQCLcB/s1600/bataille.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="187" src="https://3.bp.blogspot.com/-1iaS5vfqIdI/WJ-kjvpMixI/AAAAAAAAArI/Qs0E_20R-7EYIQ6zG8wNI0YY_4f8VBROQCLcB/s320/bataille.jpg" width="320" /></a></div>
<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://1.bp.blogspot.com/-IwROpGU_tKE/WJ-krA8IiCI/AAAAAAAAArM/qtjDeDSO9RYfsh06JZqd9blp9pmC5-3VQCLcB/s1600/Les%2BBonnes.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="320" src="https://1.bp.blogspot.com/-IwROpGU_tKE/WJ-krA8IiCI/AAAAAAAAArM/qtjDeDSO9RYfsh06JZqd9blp9pmC5-3VQCLcB/s320/Les%2BBonnes.jpg" width="194" /></a></div>
</div>
Orfeu B.http://www.blogger.com/profile/11470371589888576962noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-3658260320935928832.post-60778943889112938802016-11-19T12:03:00.001+00:002024-03-08T20:03:16.970+00:00Utopia<div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on">
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
</div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://2.bp.blogspot.com/-CZSYBXRZsJw/WC8vmZM3hNI/AAAAAAAAAqo/t2SXGWZm7vM9zanJgZxQBHsHTzPbNlqmgCLcB/s1600/Sir_Thomas_More.jpg" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://2.bp.blogspot.com/-CZSYBXRZsJw/WC8vmZM3hNI/AAAAAAAAAqo/t2SXGWZm7vM9zanJgZxQBHsHTzPbNlqmgCLcB/s1600/Sir_Thomas_More.jpg" /></a></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: justify;">
<i>Thus have I described to you, as particularly as I could, the constitution of that commonwealth, which I do not only think the beat in the world, but indeed the only commonwealth that truly deserves that name. In all other places it is visible, that while people talk of a commonwealth every man seeks his own wealth; but there, where no man has any property, all men zealously pursue the good of the public; and, indeed, it is no wonder to see men act so differently; for in other commonwealths every man knows that unless he provides for himself, how flourishing soever the commonwealth may be, he must die of hunger; so that he sees the necessity of preferring his own concerns to the public; but in Utopia, where every man has a right to everything, they all know that if care is taken to keep the public stores full, no private man can want anything; for among them there is no unequal distribution, so that no man is poor, none in necessity, and though no man has anything, yet they are all rich; for what can make a man so rich as to lead a serene and cheerful life, free from anxieties; neither apprehending want himself, nor vexed with the endless complaints of his wife? He is not afraid of the misery of his children, nor is he contriving how to raise a portion for his daughters, but is secure in this, that both he and his wife, his children and grandchildren, to as many generations as he can fancy, will all live both plentifully and happily; since among them there is no less care taken of those who were once engaged in labour, but grow afterwards unable to follow it, than there is elsewhere of those that continue still employed. I would gladly hear any man compare the justice that is among them with that of all other nations; among whom, may I perish, if I see anything that looks either like justice or equity: for what justice is there in this, that a nobleman, a goldsmith, a banker, or any other man, that either does nothing at all, or at best is employed in things that are of no use to the public, should live in great luxury and splendour, upon what is so ill acquired; and a mean man, a Carter, a smith, or a ploughman, that works harder even than the beasts themselves, and is employed in labours so necessary, that no commonwealth could hold out a year without them, can only earn so poor a livelihood, and must lead so miserable a life, that the condition of the beasts is much better than theirs? For as the beasts do not work so constantly, so they feed almost as well, and with more pleasure; and have no anxiety about what is to come, whilst these men are depressed by a barren and fruitless employment, and tormented with the apprehensions of want in their old age; since that which they get by their daily labour does but maintain them at present, and is consumed as fast as it comes in, there is no overplus left to lay up for old age.</i></div>
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<i><br /></i></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: justify;">
<i>Thomas More</i></div>
<div>
<br /></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: justify;">
Utopia é uma obra seminal, única, genial e revolucionária, publicada há 500 anos. É o texto mais importante e controverso do estadista, diplomata e jurista inglês Thomas More (1478-1535). Escrita em Latim, esta obra fundamental foi publicada por Erasmo de Roterdão (1466-1536) há 500 anos em Lovaina. O livro só foi traduzido para o Inglês em 1551, 16 anos após a execução do seu autor por se ter recusado a jurar lealdade a Henrique XVIII como chefe da igreja anglicana. </div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: justify;">
O texto consiste de dois livros associados a duas discussões que supostamente tiveram lugar em Antuérpia em 1515 quando More foi enviado por Henrique VIII para Flandres para "negociar e compor certas questões" com o rei Carlos de Castilha. Nestas vívidas trocas de impressões, um culto viajante português, Rafael Hitlodeu (o nome alude ao redentor arcanjo Rafael, o apelido ao sentido da palavra grega disparate), discute com os seus ilustres interlocutores os problemas políticos e sociais de então, mas que, na verdade, até hoje nos afligem. Claramente, Rafael Hitlodeu é o alter-ego de More. No primeiro livro da Utopia, Rafael discorre sobre os males das sociedades europeias do seu tempo. No segundo livro, Rafael descreve um estado-ilha, material e espiritualmente muito mais desenvolvido, Utopia (do grego, em nenhuma parte), que teria conhecido em profundidade numa das suas viagens, e onde os problemas sociais mais persistentes da nossa sociedade haviam sido pacificamente resolvidos por meio de uma organização social justa e racional. </div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: justify;">
Naturalmente, a ideia de More de criar uma sociedade imaginária tem origem numa tradição que remonta aos textos clássicos, “A República” de Platão (427-347 a.C), e a “Política” de Aristóteles (384-322 a.C). “Utopia” deu origem a um género literário e inúmeras obras de cariz semelhante que lhe seguiram os passos, tais como, "A Cidade do Sol", escrita em 1602 por Tommaso Campanella (1568-1639), a “Nova Atlântida” de Sir Francis Bacon (1561-1626), publicada em 1627, por muitas outras no século das luzes e na literatura revolucionária dos séculos XIX e XX (Pierre Proudhom (1809-1865), Charles Fourier (1772-1837), Robert Owen (1771-1858) e Saint-Simon (1760-1825), a quem Karl Marx (1818-1883) designou de "socialistas utópicos", em oposição, ao “socialismo científico" por ele criado e pretensamente implantado na Rússia por Valdimir Lênin (1870-1924)). Na verdade, a extraordinária lucidez de Rafael Hitlodeu ao sugerir que a ordem social do seu tempo era simplesmente absurda, é fortemente inspirada no não menos importante livro de Erasmo de Roterdão, “Elogio da Loucura”, onde o sábio renascentista argumentava que ao constatar os males, dogmas e concepções irracionais do seu tempo, só a loucura tinha o bom senso e a imaginação que eram necessárias para melhorar o mundo. As obras de More e Erasmo são possivelmente os mais representativos exemplos do humanismo renascentista. </div>
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<br /></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: justify;">
Para exemplificar o sentido absolutamente visionário da obra de More, basta referir que na Utopia nos é apresentado um conjunto de ideias espantosas pela sua modernidade e justeza: há uma vigorosa defesa da ideia de que a propriedade privada como um fim em si é uma fonte desarmonia social; da ideia de que todos os cidadãos têm o direito a condições dignas de trabalho e sobrevivência; de que os cidadãos irreversivelmente doentes devem ter o direito de dispor de suas vidas e decidir quando desejam morrer; de que a liberdade de culto é um direito; e de que todos os cidadãos devem ter o direito a decidir sobre o seu futuro e destino. Liberdades que, decorridos 500 anos, muitos estados, instituições, governantes e indivíduos julgam ter o direito de usurpar dos seus concidadãos. </div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: justify;">
Conta-nos ainda Rafael Hitlodeu que em Utopia e nos estados vizinhos (Tallstoria, Nolandia e Aircastle) não há advogados dada a simplicidade e a naturalidade das suas leis e por serem os seus cidadãos estimulados a comportarem-se de forma socialmente adequada. A propriedade é predominantemente comunitária e o trabalho é baseado na necessidade e na rotatividade e não se estende por mais que seis horas diárias. Na ilha descrita por More nada é de ninguém e tudo é de todos, o bem comum está acima do bem individual, o ouro e os metais preciosos são destituídos de valor, a guerra é considerada uma abominação e a caça uma brutalidade. Claramente, More acreditava que a propriedade individual e o dinheiro eram incompatíveis com a felicidade. </div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: justify;">
Contrariamente a Platão, More não acreditava que os filósofos devessem se envolver na governação, pois acreditava que a realidade política criaria inevitáveis conflitos com as suas convicções. More acreditava no reconhecimento da necessidade de uma ordem social justa e na disciplina e bom senso na sua manutenção, rejeitando assim e ideia de uma liberdade absoluta e irrestrita. More preconizava a tolerância religiosa e defendia uma pacífica coexistência ecuménica. A sua ardente defesa da paz e o seu veemente discurso anti-belicista são de uma actualidade arrepiante. </div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: justify;">
A assombrosa amplitude, abertura e visão de Thomas More e o seu papel ímpar na cultura europeia e universal fazem-me crer que a leitura da sua Utopia deveria ser obrigatória em todas as escolas. O autor dessas linhas também acredita na necessidade absoluta de se alterar a triste ordem social vigente na maior parte do mundo contemporâneo e adequa-la à extraordinária visão de Thomas More e, num outro texto, designou a força criativa decorrente da oposição entre a realidade política vigente e os ideais igualitários de <a href="http://web.ist.utl.pt/orfeu.bertolami/Utopia_Bertolami.pdf">tensão utópica</a>. </div>
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</div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: justify;">
Orfeu B.</div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: justify;">
<span style="text-align: center;"> </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<a href="https://2.bp.blogspot.com/-m54EmVZ1GWM/WC8v92xr5jI/AAAAAAAAAqw/ayvEF1JrrfAdsuIPl7tHtnh76hYgEbtkwCLcB/s1600/Utopia2.jpg" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em; text-align: center;"><img border="0" height="320" src="https://2.bp.blogspot.com/-m54EmVZ1GWM/WC8v92xr5jI/AAAAAAAAAqw/ayvEF1JrrfAdsuIPl7tHtnh76hYgEbtkwCLcB/s320/Utopia2.jpg" width="237" /></a></div>
</div>
Orfeu B.http://www.blogger.com/profile/11470371589888576962noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-3658260320935928832.post-25913301648251800542016-10-05T21:57:00.000+01:002016-10-13T08:45:37.414+01:00Letra Aberta<div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on">
<div style="text-align: center;">
<a href="https://1.bp.blogspot.com/-7TvdRvnPlSQ/V_VnXlDeZVI/AAAAAAAAAqE/H6ybOo_jsxcj57geD0Pc5LiyTQLtCAUPgCLcB/s1600/HH.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em; text-align: center;"><img border="0" height="208" src="https://1.bp.blogspot.com/-7TvdRvnPlSQ/V_VnXlDeZVI/AAAAAAAAAqE/H6ybOo_jsxcj57geD0Pc5LiyTQLtCAUPgCLcB/s320/HH.jpg" width="320" /></a></div>
<br />
<i>que nunca por nunca estas linhas tivessem um ar acabado,</i><br />
<i>quisera apenas que uma urgência das coisas</i><br />
<i>as reclamasse, uma veemência,</i><br />
<i>uma potência as coisas,</i><br />
<i>e aí acabasse a sua breve música</i><br />
<i>mas já que a mim devastava</i><br />
<i>que a ti te devastasse</i><br />
<i>leitor sempre inimigo</i><br />
<i>como o cria assim a sua própria sombra</i><br />
<i><br /></i>
<i>Herberto Helder</i><br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Decorrido um ano do desaparecimento do poeta em Março de 2015, foi publicada em Março de 2016 a primeira recolha póstuma de poemas inéditos de Herberto Helder. Selecionados pela viúva, Olga Lima, de entre um espólio que certamente nos reserva assombros e sobressaltos, esta edição única alerta os admiradores do poeta de que está em preparação uma edição crítica da obra inédita do autor de <i>A Morte sem Mestre, Os passos em volta, A faca não corta o fogo</i>, e de outras obras marcantes. </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Certo é que com os poemas de Herberto Helder todos os leitores são, até os mais assíduos, sempre arrebatados pela surpresa e não menos pelo deleite. Para Herberto Helder os poemas eram contínuos como o espaço-tempo e nos eram apresentados a fumegar. Herberto Helder era, para além de um encantador de palavras, o fogo que as envolvia antes delas sairem da forja da sua oficina. </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Só nos ocorre pensar em termos de culminâncias. O dom da palavra como píncaro da evolução, Herberto Helder como cume da língua Portuguesa, cada poema como vértice em altitude de uma cordilheira de poemas abertos, evocativos de imagens inesgotáveis. </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Não é verdade que depois da morte do poeta há o vazio de um pesado silêncio. A poesia nunca cessa de sibilar sentidos. Fiquem atentos os ouvidos. Todos os poemas são inéditos. </div>
<br />
Orfeu B.<br />
<br />
<i>a morte é mesmo estranha:</i><br />
<i>morre-se todos os dias</i><br />
<i>e enquanto se morre pede-se uma esmola para matar a fome de outra vida,</i><br />
<i>e dão-nos pelo amor de Deus uma pequena moeda de nenhum país,</i><br />
<i>e não há ranhura onde a moeda entre, nem a ranhura de uma velha caixa de música, e no entanto estremeço</i><br />
<i>e falta-me o ar, sim sim</i><br />
<i>arrebatavam-me as músicas de J.S. Bach</i><br />
<i>no silêncio das naves através da catedral inteira,</i><br />
<i>vozes e vozes dos rapazes castrados</i><br />
<i>e de repente um baixo monstruoso,</i><br />
<i>e isto se Deus existisse mesmo, punhal fundo no músculo coração,</i><br />
<i>e depois quente chôro pela cara abaixo</i><br />
<i>- oh porque me abandonaste?</i><br />
<i>mas na verdade ninguém me abandonara</i><br />
<i><br /></i>
<span style="text-align: center;"><i>Herberto Helder</i></span><br />
<i><br /></i>
<br />
<div style="text-align: center;">
<a href="https://1.bp.blogspot.com/-s7adA42nwo0/V_VndPdrZ6I/AAAAAAAAAqI/_h8E3_dqBiQ2T3IhDeZ_fQ5y3ZhAv9W7gCLcB/s1600/LetraAberta.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em; text-align: center;"><img border="0" height="204" src="https://1.bp.blogspot.com/-s7adA42nwo0/V_VndPdrZ6I/AAAAAAAAAqI/_h8E3_dqBiQ2T3IhDeZ_fQ5y3ZhAv9W7gCLcB/s320/LetraAberta.jpg" width="320" /></a></div>
</div>
Orfeu B.http://www.blogger.com/profile/11470371589888576962noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-3658260320935928832.post-1209393555298176052016-08-28T11:55:00.003+01:002016-08-28T11:55:59.349+01:00FRAGMENTOS<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://4.bp.blogspot.com/-5GaojH-TebA/V8LCwMpOTrI/AAAAAAAAIyQ/-xRCP2vA6mAH8RAjRxziU3jKIk60ala4QCLcB/s1600/1507-1.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://4.bp.blogspot.com/-5GaojH-TebA/V8LCwMpOTrI/AAAAAAAAIyQ/-xRCP2vA6mAH8RAjRxziU3jKIk60ala4QCLcB/s320/1507-1.jpg" width="209" height="320" /></a></div><br />
<br />
“FRAGMENTOS”<br />
<br />
GEORGES STEINER<br />
<br />
Steiner é um mestre. Numa entrevista concedida a Ramin Jahanbegloo afirma que “Gostaria de ser recordado (...) como um mestre de leitura, como alguém que passou a vida a ler com os outros.” E é isso mesmo que ele faz. Ensina-nos a ler e a pensar. E esse é talvez um dos maiores prazeres da vida.<br />
<br />
Logo na segunda página deste imenso livrinho afirma que” A nossa própria existência é um acto de leitura contínua do mundo, um exercício em decifração, em interpretação no interior de uma câmara de eco, cujo volume de mensagens, de entradas semióticas, é incomensurável”.<br />
<br />
Este livro é um exercício brilhante de reflexão num gesto de deliciosa fantasia literária.<br />
<br />
É suposto tratar-se de um conjunto de reflexões sobre um pergaminho carbonizado e incompleto atribuído a Epicarno de Agra, moralista e orador do séc. II d.C., e encontrado nas ruínas da cidade romana de Herculano. <br />
<br />
Epicarno de Agra é uma invenção de Steiner que utiliza este estratagema para falar sobre alguns grandes temas da cultura e do pensamento humano. A eloquência do silêncio, as virtudes da amizade em comparação com as do amor, a importância da educação e a raridade do talento, a realidade ontológica do mal e a omnipotência do dinheiro, os perigos da religião e a transcendência da música. E finalmente, a morte, a decadência da velhice e o elogio do suicídio e da eutanásia na escolha do momento de morrer.<br />
<br />
Brilhante, motivador, fazendo a ponte entre filosofia, história e literatura, Steiner<br />
oferece-nos um pequeno livro que exige tempo para “mastigar”, já que, com cada linha, cada parágrafo, cada tema abordado, inquieta-nos, interroga-nos, leva-nos a reflectir emocionadamente sobre grandes temas e questões que vão das mais vastas e antigas do pensamento humano às mais actuais. <br />
<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://4.bp.blogspot.com/-92Ni8ErtP3Q/V8LC5H-xBRI/AAAAAAAAIyU/Dgxj21FKZaAnf1B4Z16v61UvB0x8h-TywCLcB/s1600/George%2BSteiner%2B-%2Bfoto%2BAntonio%2BOlmos.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://4.bp.blogspot.com/-92Ni8ErtP3Q/V8LC5H-xBRI/AAAAAAAAIyU/Dgxj21FKZaAnf1B4Z16v61UvB0x8h-TywCLcB/s320/George%2BSteiner%2B-%2Bfoto%2BAntonio%2BOlmos.jpg" width="320" height="214" /></a></div><br />
JOSÉ FANHAhttp://www.blogger.com/profile/06929923926500941662noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-3658260320935928832.post-84330683709000030432016-08-25T15:25:00.000+01:002016-08-25T15:25:04.040+01:00VER NO ESCURO<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://4.bp.blogspot.com/-V2C6nIj6wq8/V7I20y-pOZI/AAAAAAAAIwg/AEgg8yWeodkH3GXvifsMEHVYOt17XIPhgCLcB/s1600/Ver%2Bno%2Bescuro.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://4.bp.blogspot.com/-V2C6nIj6wq8/V7I20y-pOZI/AAAAAAAAIwg/AEgg8yWeodkH3GXvifsMEHVYOt17XIPhgCLcB/s320/Ver%2Bno%2Bescuro.jpg" width="232" height="320" /></a></div><br />
“VER NO ESCURO”<br />
<br />
CLAUDIA R. SAMPAIO<br />
<br />
Tenho aprendido a lutar contra o preconceito na minha leitura de poesia. Em boa parte devo-o ao trabalho que levei a cabo com o Pedro Quintas na organização da Antologia “POEMAS DA SAÚDE E DA DOENÇA – De Fernando Pessoa aos nossos dias”.<br />
<br />
Ambos leitores fervorosos de poesia, com uma diferença de 28 anos de idade, apesar de uma larga disponibilidade ao desfrute da diferença, descobrimos que cada um de nós trazia consigo alguma forma de preconceito em parte geracional (e por isso mesmo também de discurso e estilístico) em relação a certos nomes de poetas.<br />
<br />
A trabalhar um com o outro aprendemos muito a vencer preconceitos e a olhar de forma mais disponível para nomes que cada um tinha tendência a pôr de parte.<br />
<br />
Foi o que me aconteceu também com a jovem Cláudia R. Sampaio.<br />
<br />
Nas suas duas obras anteriores contavam-se dois livros, entre os quais um intitulado “A primeira urina da manhã”. <br />
<br />
Este título irritou-me. Não gosto em poesia do excesso de mergulho num quotidiano limitado, por vezes rasca, que tem sido próprio de alguns poetas com cuja escrita francamente embirro (também tenho direito, quand même).<br />
<br />
Só não deixei de lado este novo livro de Cláudia R. Sampaio porque foi publicado numa muito respeitável colecção de poesia dirigida por Pedro Mexia para a editora Tinta da China.<br />
<br />
Folheei e percebi que se tratava de poesia mesmo. Da boa. De lei. Intensa e comovente. Trouxe-o para casa e li-o devagar e fiquei rendido à voz de Claudia R. Sampaio<br />
<br />
Fui ler mais sobre a poeta e encontrei o que ela afirmou acerca do do tal objecto da minha embirração:<br />
<br />
“O livro fala de coisas que me aconteceram numa fase da minha vida em que fui ao fundo e depois tive de renascer das cinzas, evoluir."<br />
<br />
Resultado: vou à procura urgentemente da "Primeira urina da manhã", mea culpa e adiante.<br />
<br />
A poesia deste "Ver no escuro" é intensa, é dura, é frágil, atravessa o escuro da vida à procura de um corpo, de uma casa, de uma cidade, da essência do amor.<br />
<br />
Escrever assim rasga-nos. Talvez esta escrita seja a única forma de nos curarmos de muita dor. E eu pergunto-me: até que ponto é possível a autora continuar a manter-se inteira escrevendo desta forma? Não seria a única. Mas esta escrita exige habitar continuadamente numa dolorosa margem de si própria. Sei bem como a arte é uma forma de correr alguma espécie de maratona. Fico, por isso mesmo, muito ansioso pelo que possa estar para vir.<br />
<br />
Quando for embora não deixarei<br />
migalha de mim.<br />
Levarei o cheiro a desorientada<br />
melancolia e desastre<br />
e não deixarei um cabelo que seja.<br />
Levarei comigo as gatas e os livros,<br />
a roupa deixo-a às minhas amigas,<br />
o umbigo, à minha mãe.<br />
<br />
Vou e não esqueço.<br />
<br />
Partirei sem as orquídeas que<br />
me assombram delicadeza<br />
e sem os cactos que me superam<br />
em estirpe.<br />
Vou aberta como um eterno retorno<br />
e na simplicidade de um bebé que<br />
procura um sítio onde se sentar.<br />
<br />
Aqui há a desactivação das almas à<br />
nascença e a ovação aos tristes.<br />
Há a exultação do silêncio profundo<br />
e a altivez congratulada dos néscios.<br />
Há o sangue cansado dos bichos<br />
e a preparação para a fuga da terra.<br />
Aqui há a terra sem terra e a saliência<br />
do teu ombro morto.<br />
<br />
Há orelhas frias que soluçam tarde<br />
e uma cova a dizer adeus.<br />
<br />
Por isso vou embora no sentido inverso<br />
ao das árvores<br />
numa descida clandestina à mulher que<br />
morreu em ondas.<br />
Vou embora e deixo o meu vinco que<br />
não morre mesmo que me passem com<br />
alcatrão fresco e me estiquem.<br />
<br />
Deixo apenas a verdade dos meus<br />
olhos quando pendurados na janela,<br />
a sorrir mundos<br />
deixo as abelhinhas doidas que ignoraram<br />
o meu salto,<br />
e o riso da desistência<br />
porque ainda preciso de mim.<br />
<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://2.bp.blogspot.com/-VWuvM2obutc/V7I2826hC5I/AAAAAAAAIwk/_V7xv3k8NSoU8SE-Kq02laFtArbzd2h4gCLcB/s1600/Claudia%2BSampaio.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://2.bp.blogspot.com/-VWuvM2obutc/V7I2826hC5I/AAAAAAAAIwk/_V7xv3k8NSoU8SE-Kq02laFtArbzd2h4gCLcB/s320/Claudia%2BSampaio.jpg" width="320" height="287" /></a></div>JOSÉ FANHAhttp://www.blogger.com/profile/06929923926500941662noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-3658260320935928832.post-67571180310250714862016-08-20T15:06:00.000+01:002016-08-20T15:06:44.733+01:00O AMOR EM LOBITO BAY<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://1.bp.blogspot.com/-JjS1j79Jb-U/V7hjqsB2ShI/AAAAAAAAIxE/ermiv_ivP78ojrJlIql4MQ3bxsdMbG8BQCLcB/s1600/Lobito.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://1.bp.blogspot.com/-JjS1j79Jb-U/V7hjqsB2ShI/AAAAAAAAIxE/ermiv_ivP78ojrJlIql4MQ3bxsdMbG8BQCLcB/s320/Lobito.jpg" width="206" height="320" /></a></div><br />
<br />
“O AMOR EM LOBITO BAY”<br />
<br />
LÍDIA JORGE<br />
<br />
Lídia Jorge é uma grande senhora da literatura portuguesa que escreve do alto de uma enorme elegância e de um rigor pouco comuns, sem que, no entanto, as suas narrativas se furtem ao lado mais duro e inquietante da humanidade.<br />
<br />
Estes contos são atravessados por um sopro de estranheza e de inquietação. Subvertem mas também procuram encontrar um caminho de pacificação.<br />
<br />
Surgem inofensivos, sem sobressaltos, sem anunciarem a dimensão que depois surge à medida que se vai caminhando na narração.<br />
<br />
Serão talvez desiguais, embora sem nunca deixar a elegância e o rigor da escrita. Embora sejam contos há uma estratégia de escrita que os atravessa a todos, uma atitude permanente e sublinhada em relação à forma de olhar para o mundo e para a humanidade que os conduz a todos como num percurso que se pretende unificador.<br />
<br />
Alguns emocionaram-me, entusiasmaram-me, fizeram-me pensar: “Boa, minha amiga! Acertaste no alvo com o melhor do teu talento!”<br />
<br />
Nesse sentido, a “Imitação do êxodo” é um conto notável e impiedoso relativamente a uma certa vulgata pedagógica e bem intencionada mas que impõe boas intenções numa cegueira que não presta nenhuma atenção nem respeito pelo profundo olhar da criança.<br />
<br />
O conto que dá o título ao livro “O amor em Lobito Bay”, depois de nos expor ao horror do ritual com que uma criança pretende tornar-se no melhor corredor do mundo e que é salva desse ritual por um secreto sentimento de bondade, de poesia e de solidariedade familiar .<br />
<br />
“Overbooking” parte de uma extraordinária vitória por 9-2 num jogo de futebol. Mas torna-se terrível, assustador e, no entanto, revela-nos a necessidade de perdão que todos temos para os pequenos e grandes “crimes” de que alguns serão capazes em momentos únicos da sua vida.<br />
<br />
Será sempre um prazer raro partilhar com Lídia Jorge a arte que a leva a percorrer os caminhos inquietantes e exaltantes da literatura.<br />
<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://2.bp.blogspot.com/-fvRKQUyWW-o/V7hjw67YYoI/AAAAAAAAIxI/ADNkjWb9054PIrubh7BXeJqmQ1ymLXRAgCLcB/s1600/L%25C3%25ADdia.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://2.bp.blogspot.com/-fvRKQUyWW-o/V7hjw67YYoI/AAAAAAAAIxI/ADNkjWb9054PIrubh7BXeJqmQ1ymLXRAgCLcB/s320/L%25C3%25ADdia.jpg" width="320" height="213" /></a></div>JOSÉ FANHAhttp://www.blogger.com/profile/06929923926500941662noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-3658260320935928832.post-20306976762816145702016-08-08T13:17:00.000+01:002016-09-01T13:36:22.282+01:00As cores da memória<div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on">
<div style="font-family: Helvetica; font-size: 13.5px; line-height: normal; text-align: center;">
<br /></div>
<div style="font-family: helvetica; line-height: normal;">
<div class="separator" style="clear: both; font-size: 9px; text-align: center;">
<a href="https://1.bp.blogspot.com/-30wZCu2OmhY/V6SVKbfw4lI/AAAAAAAAApY/WZ6ZxdiTa-8cFLG8o7WNHDVZJb9OClg4QCLcB/s1600/Mariola1.jpeg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="320" src="https://1.bp.blogspot.com/-30wZCu2OmhY/V6SVKbfw4lI/AAAAAAAAApY/WZ6ZxdiTa-8cFLG8o7WNHDVZJb9OClg4QCLcB/s320/Mariola1.jpeg" width="318" /></a></div>
<div style="font-size: 9px;">
<br /></div>
<div style="font-size: 13.5px; line-height: normal; text-align: center;">
</div>
<div style="line-height: normal; text-align: center;">
A propósito da obra Mariola Landowska</div>
<div style="line-height: normal;">
<br /></div>
<div style="line-height: normal; text-align: justify;">
<span style="font-family: "times" , "times new roman" , serif;">Todo artista é um microscópio, um telescópio, uma máquina do tempo, um prestidigitador, um tomógrafo de almas. Todo artista, no delírio febril do processo criativo é, acima de tudo, um fabulador de estórias possíveis na sua impossibilidade, um narrador de estórias reais e potenciais. A verdadeira arte é a verosimilhança do inverosímil, é o recuperar da cor da memória dissipada que melhor se adequa ao exercício de relembrar. Mas desculpe-me o leitor por essas considerações iniciais algo </span><span style="font-family: "times" , "times new roman" , serif;">genéricas. Certamente, fosse eu um artista, sentiria a arte de </span><span style="font-family: "times" , "times new roman" , serif;">Mariola Landowska de forma distinta e seria capaz de exprimir </span><span style="font-family: "times" , "times new roman" , serif;">mais claramente as motivações e as ambições mais profundas </span><span style="font-family: "times" , "times new roman" , serif;">que caracterizam os artistas do nosso tempo. Mas quem escreve </span><span style="font-family: "times" , "times new roman" , serif;">não é mais que um professor de física que tem como horizonte </span><span style="font-family: "times" , "times new roman" , serif;">a expansão acelerada do universo e a matemática como seu </span><span style="font-family: "times" , "times new roman" , serif;">guia. Ocorre-me o exemplo clássico de Giorgio Vasari, o artista </span><span style="font-family: "times" , "times new roman" , serif;">que magistralmente descreveu-nos as vidas e as obras de Giotto, </span><span style="font-family: "times" , "times new roman" , serif;">Brunelleschi, Donatello, Mantegna, Leonardo, Michelangelo, entre </span><span style="font-family: "times" , "times new roman" , serif;">outros, e que demonstrou serem os artistas os mais capacitados </span><span style="font-family: "times" , "times new roman" , serif;">para discursarem sobre a arte. Mas suponho que um físico </span><span style="font-family: "times" , "times new roman" , serif;">que tem a imaginação como fiel instrumento de trabalho, terá </span><span style="font-family: "times" , "times new roman" , serif;">alguma sensibilidade para escrever umas poucas linhas sobre o </span><span style="font-family: "times" , "times new roman" , serif;">encantamento e o fascínio que suscita a obra de Mariola Landowska. </span><span style="font-family: "times" , "times new roman" , serif;">Que assim o seja.</span></div>
<div style="line-height: normal; text-align: justify;">
<span style="font-family: "times" , "times new roman" , serif;"><br /></span></div>
<div style="line-height: normal; text-align: justify;">
<span style="font-family: "times" , "times new roman" , serif;">Ao contemplar as telas de Mariola Landowska somos impelidos </span><span style="font-family: "times" , "times new roman" , serif;">a viagens inesperadas. Sentimo-nos indígenas banhando-se nas </span><span style="font-family: "times" , "times new roman" , serif;">águas amazónicas da realidade e do mito. Ouvimos a orquestra </span><span style="font-family: "times" , "times new roman" , serif;">selvática de símios e aves, o zumbido de insectos, o miar abun</span><span style="font-family: "times" , "times new roman" , serif; text-align: left;">dante de gatos multicoloridos, que elegantes e melancólicos, </span><span style="font-family: "times" , "times new roman" , serif; text-align: left;">executam Noturnos de Chopin. Ou então, mergulhamos na alma </span><span style="font-family: "times" , "times new roman" , serif; text-align: left;">da Índia ou do Fado, enquanto pedalamos na bicicleta da infância </span><span style="font-family: "times" , "times new roman" , serif; text-align: left;">da artista. E é muito ágil essa improvável polaca que abraça o </span><span style="font-family: "times" , "times new roman" , serif; text-align: left;">universo e que o pinta com o optimismo da inocência infantil. Os </span><span style="font-family: "times" , "times new roman" , serif; text-align: left;">meus olhos a acompanham até onde a minha imaginação pode </span><span style="font-family: "times" , "times new roman" , serif; text-align: left;">ir, mas ela é demasiado curta e às tantas perco de vista a artista </span><span style="font-family: "times" , "times new roman" , serif; text-align: left;">quando ela vira a esquina duma estrela distante e reaparece no </span><span style="font-family: "times" , "times new roman" , serif; text-align: left;">cantar de um galo numa encosta de Alfama ou a molhar os pés na </span><span style="font-family: "times" , "times new roman" , serif; text-align: left;">praia de Carcavelos. Porque a arte de Mariola Landowska conduz</span><span style="font-family: "times" , "times new roman" , serif; text-align: left;">-nos à canícula dos trópicos, leva-nos a respirar a salsugem e os </span><span style="font-family: "times" , "times new roman" , serif; text-align: left;">aromas fortes e cortantes, a sentir o fresco das montanhas e </span><span style="font-family: "times" , "times new roman" , serif; text-align: left;">as águas gélidas do Mar Báltico. Cada tela de Mariola nos impele </span><span style="font-family: "times" , "times new roman" , serif; text-align: left;">contingentemente para direções surpreendentes, mas inexoravelmente </span><span style="font-family: "times" , "times new roman" , serif; text-align: left;">para o âmago dos temas em foco. Mariola Landowska </span><span style="font-family: "times" , "times new roman" , serif; text-align: left;">tem o mundo como sua casa e as suas telas transpiram a multiplicidade </span><span style="font-family: "times" , "times new roman" , serif; text-align: left;">tonal das suas experiências existenciais. </span><span style="font-family: "times" , "times new roman" , serif; text-align: left;">E há na arte de Mariola Landowska a clareza estética que define </span><span style="font-family: "times" , "times new roman" , serif; text-align: left;">inequivocamente a maturidade de um estilo. E jaz na essência </span><span style="font-family: "times" , "times new roman" , serif; text-align: left;">dessa afirmação o delicioso paradoxo da antropofagia artística. </span><span style="font-family: "times" , "times new roman" , serif; text-align: left;">Se pudéssemos encharcar uma esponja com solvente e passar </span><span style="font-family: "times" , "times new roman" , serif; text-align: left;">numa tela de Mariola Landowska, e quando digo uma tela quero </span><span style="font-family: "times" , "times new roman" , serif; text-align: left;">dizer qualquer tela de Mariola, e fizéssemos uma análise semântica-</span><span style="font-family: "times" , "times new roman" , serif; text-align: left;">cromatógrafa-anímica encontraríamos fragmentos dum </span><span style="font-family: "times" , "times new roman" , serif; text-align: left;">Chagall tropical, dum Lazar Segall centro-europeu, dum Portinari </span><span style="font-family: "times" , "times new roman" , serif; text-align: left;">amazónico, duma Morisot onírica, e as cores de Macke, Kandinski </span><span style="font-family: "times" , "times new roman" , serif; text-align: left;">e Gauguin. E sentiríamos o aroma de especiarias incorruptas e </span><span style="font-family: "times" , "times new roman" , serif; text-align: left;">chás exóticos. E o sabor de raízes cozidas e de carnes de caça.</span></div>
<div style="line-height: normal;">
<span style="font-family: "times" , "times new roman" , serif;"><br /></span></div>
<div style="line-height: normal; text-align: justify;">
<span style="font-family: "times" , "times new roman" , serif;">E a explicação do pretenso paradoxo é tão simples como o da </span><span style="font-family: "times" , "times new roman" , serif;">mistura das cores: o verdadeiro artista é a encarnação intelectual </span><span style="font-family: "times" , "times new roman" , serif;">e emocional de todos os artistas. O mesmo exercício, por </span><span style="font-family: "times" , "times new roman" , serif;">exemplo, numa tela de Chagall revelaria uma Mariola Landowska </span><span style="font-family: "times" , "times new roman" , serif;">embrionária ou em processo metamórfico. </span><span style="font-family: "times" , "times new roman" , serif;">Mas para além da beleza pictórica e a estética do optimismo praticada </span><span style="font-family: "times" , "times new roman" , serif;">por Mariola Landowaska há na sua arte um compromisso </span><span style="font-family: "times" , "times new roman" , serif;">espontâneo com a humanidade nas suas múltiplas e variadas </span><span style="font-family: "times" , "times new roman" , serif;">manifestações culturais. A arte de Mariola Landowska não é um </span><span style="font-family: "times" , "times new roman" , serif;">exercício de expansão de um ego que procura justificar-se enquanto </span><span style="font-family: "times" , "times new roman" , serif;">artista inserida na dimensão mesquinha duma sociedade </span><span style="font-family: "times" , "times new roman" , serif;">de consumo e do seu mercado; muito pelo contrário, a arte </span><span style="font-family: "times" , "times new roman" , serif;">de Mariola Landowska é fruto duma identidade madura e segura </span><span style="font-family: "times" , "times new roman" , serif;">que desaparece ao capturar os seus sujeitos, mas que reaparece </span><span style="font-family: "times" , "times new roman" , serif;">íntegra e indelével no resultado de cada tela. </span><span style="font-family: "times" , "times new roman" , serif;">O conhecido dito segundo o qual a descrição duma imagem exige </span><span style="font-family: "times" , "times new roman" , serif;">pelo menos mil palavras sugere que seria necessário um extenso </span><span style="font-family: "times" , "times new roman" , serif;">e mágico texto para fazer justiça à arte de Mariola Landowska; </span><span style="font-family: "times" , "times new roman" , serif;">contudo, sinto-me escusado de multiplicar linhas, pois julgo que </span><span style="font-family: "times" , "times new roman" , serif;">o mais adequado é o exercício zen que sugere, para mais profundamente </span><span style="font-family: "times" , "times new roman" , serif;">apreender a essência das coisas, uma desconstrução da </span><span style="font-family: "times" , "times new roman" , serif;">lógica usual e o entendimento do “som” duma só mão a aplaudir. </span><span style="font-family: "times" , "times new roman" , serif;">Noutro registo, mas na mesma linha, a poeta Natália Correia proclamava </span><span style="font-family: "times" , "times new roman" , serif;">ao perorar um bem conhecido poema: “ó subalimentados </span><span style="font-family: "times" , "times new roman" , serif;">do sonho! a poesia é para comer”. Penso que as telas de Mariola </span><span style="font-family: "times" , "times new roman" , serif;">Landowska são a dieta ideal para carências como a anemia </span><span style="font-family: "times" , "times new roman" , serif;">crónica de imaginação.</span></div>
<div style="line-height: normal; text-align: justify;">
<span style="font-family: "times" , "times new roman" , serif;"><br /></span></div>
<div style="line-height: normal; text-align: justify;">
<span style="font-family: "times" , "times new roman" , serif;">Porto, Julho 2012</span></div>
<div style="line-height: normal; text-align: justify;">
<span style="font-family: "times" , "times new roman" , serif;"><br /></span></div>
<div style="line-height: normal; text-align: justify;">
<span style="font-family: "times" , "times new roman" , serif;">Orfeu B.</span><br />
<span style="font-family: "times" , "times new roman" , serif;"><br /></span>
<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://1.bp.blogspot.com/-AZzeSdn-KnY/V6SVdi9trBI/AAAAAAAAApc/Rsh15VJ76fgi4xDCDLPhrJ_86rqmIlzwQCLcB/s1600/Mariola2.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="264" src="https://1.bp.blogspot.com/-AZzeSdn-KnY/V6SVdi9trBI/AAAAAAAAApc/Rsh15VJ76fgi4xDCDLPhrJ_86rqmIlzwQCLcB/s320/Mariola2.jpg" width="320" /></a></div>
<span style="font-family: "times" , "times new roman" , serif;"><br /></span></div>
</div>
<div style="font-family: Helvetica; font-size: 9px; line-height: normal; text-align: center;">
</div>
</div>
Orfeu B.http://www.blogger.com/profile/11470371589888576962noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-3658260320935928832.post-76114887633227173392016-08-03T11:01:00.000+01:002016-08-03T11:14:07.509+01:00Do Big Bang ao Homem <div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on">
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://4.bp.blogspot.com/-2Pe1B_JUH0w/V6EMsYUq0GI/AAAAAAAAApI/VrIoHRkPQpot5zaiyqpunKXNj2shOuI7wCLcB/s1600/400.JPG" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="320" src="https://4.bp.blogspot.com/-2Pe1B_JUH0w/V6EMsYUq0GI/AAAAAAAAApI/VrIoHRkPQpot5zaiyqpunKXNj2shOuI7wCLcB/s320/400.JPG" width="227" /></a></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times, Times New Roman, serif;"><br style="color: #444444; font-size: 11px; text-align: justify;" /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times, Times New Roman, serif;">Do Big Bang ao Homem é uma coletânea de textos resultantes de um conjunto de palestras que tiveram lugar na Reitoria da Universidade do Porto de Novembro a Dezembro de 2013, no âmbito da Exposição <i>Terra em Transformação</i>. Neste livro são debatidos temas de uma vastíssima problemática: da origem do Universo à origem da vida e do homem, passando pelo aparecimento dos planetas, da Terra, das plantas e dos animais. Ao leitor é permitido vislumbrar a riqueza conceptual e metodológica de diversas disciplinas de investigação, mas acima de tudo, perceber as ideias centrais de cada tema e o esforço de articulação das distintas áreas do saber. Somos todos cidadãos do Universo, mas só através do entendimento dos aspetos centrais do conhecimento integral que temos do mundo é que podemos efetivamente usufruir desta cidadania. </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times, 'Times New Roman', serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times, 'Times New Roman', serif;">A coordenação e organização dos textos esteve ao encargo </span><span style="font-family: Times, 'Times New Roman', serif; text-align: left;"><span style="text-align: justify;"><span style="color: #444444;">de </span></span><span style="text-align: justify;"><span style="color: #444444;">Orfeu Bertolami e Helena Couto, e </span></span></span><span style="font-family: Times, 'Times New Roman', serif; text-align: left;"><span style="text-align: justify;"><span style="color: #444444;">contribuíram para o livro: </span></span><span style="text-align: justify;">António Amorim, </span><span style="text-align: justify;">Frederico Sodré Borges, </span><span style="text-align: justify;">Orfeu Bertolami, </span><span style="text-align: justify;">Helena Couto</span><span style="text-align: justify;">, Octávio Mateus, </span></span><span style="background-color: white; font-family: Times, 'Times New Roman', serif;">Mário Mendes, </span><span style="background-color: white; font-family: Times, 'Times New Roman', serif;">João Pais, </span><span style="background-color: white; font-family: Times, 'Times New Roman', serif;">João Pedro Cunha Ribeiro e </span><span style="background-color: white; font-family: Times, 'Times New Roman', serif;">Nuno C. Santos</span><span style="background-color: white; font-family: Times, 'Times New Roman', serif;">.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times, Times New Roman, serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: left;">
<span style="background-color: white; color: #444444; font-family: Times, Times New Roman, serif; text-align: justify;"></span></div>
<div style="text-align: left;">
</div>
<br />
<div style="text-align: justify;">
</div>
<br />
<div style="text-align: left;">
<br /></div>
</div>
Orfeu B.http://www.blogger.com/profile/11470371589888576962noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-3658260320935928832.post-53168791945256730102016-08-02T13:24:00.000+01:002016-08-21T15:52:49.225+01:00O Ponto da Ternura<div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on">
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://1.bp.blogspot.com/-22JIIFLYYAk/V6CkOw8rfwI/AAAAAAAAAo4/_FsIfkdqF4wkcfXaF1RiX6aDAF5-lH2YQCLcB/s1600/Tal%2BNitzan1.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="212" src="https://1.bp.blogspot.com/-22JIIFLYYAk/V6CkOw8rfwI/AAAAAAAAAo4/_FsIfkdqF4wkcfXaF1RiX6aDAF5-lH2YQCLcB/s320/Tal%2BNitzan1.jpg" width="320" /></a></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
</div>
<i><br /></i>
<i>Se</i><br />
<i><br /></i>
<i>Se me dessem um animal de solidão</i><br />
<i>seria um flamingo.</i><br />
<i>Sua mancha rosada se vislumbraria de longe,</i><br />
<i>seus pés aparentemente hesitantes</i><br />
<i>traçariam um círculo ao meu redor</i><br />
<i>e seu pescoço fino acharia sempre </i><br />
<i>o ínfimo espaço</i><br />
<i>entre mim e qualquer outro</i><br />
<i>e se fecharia, fiel, no meu pescoço.</i><br />
<i><br /></i>
<i><br /></i>
<i>Cobertura</i><br />
<i><br /></i>
<i>… debruço-me de noite sobre os filhos maus como sobre os bons, comuns no sono em que são meus. </i><br />
<i><br /></i>
<i>Bernardo Soares/Fernando Pessoa, “O Livro do Desassossego”</i><br />
<i><br /></i>
<i><br /></i>
<i>Nesta hora escura</i><br />
<i>todas as crianças são iguais.</i><br />
<i>Nesta treva basta a palavra “crianças”</i><br />
<i>para que se encolha de medo.</i><br />
<i>A boca do caminhão se escancara, Salima</i><br />
<i>Matria procura tesouros na imundície,</i><br />
<i>já estará enterrado no monte de lixo</i><br />
<i>cobertura, a mão busca os cobertores</i><br />
<i>enrolados em sua candidez,</i><br />
<i>cobertores que nem tinham caído. </i><br />
<i>Ahmed Zar’una não subirá mais</i><br />
<i>no brinquedo do grande blindado,</i><br />
<i>seu coração agita-se no peito magro</i><br />
<i>sob o alvo do fuzil</i><br />
<i>Assim, com os pulsos sobre a cabeça,</i><br />
<i>o amor está amarrado ao terror. </i><br />
<i><br /></i>
<i><br /></i>
<i><a href="https://www.youtube.com/watch?v=M5dWf-O2bLc">O Ponto da Ternura</a></i><br />
<i><br /></i>
<i>… at the hour when we are</i><br />
<i>trembling with tenderness</i><br />
<i>lips that would kiss</i><br />
<i>form prayers to broken stone</i><br />
<i><br /></i>
<i>T.S. Eliot</i><br />
<i><br /></i>
<i>Aqui é onde mora a ternura.</i><br />
<i>Ainda que o coração, em seu silêncio,</i><br />
<i>afunde pela cidade feito pedra -</i><br />
<i>sabe que este é o ponto de ternura.</i><br />
<i><br /></i>
<i>Segura a minha mão neste mundo.</i><br />
<i>Vi uma mãe falando ódio a seu filho,</i><br />
<i>exterminado com palavras.</i><br />
<i>Vi um prédio ruir a pó,</i><br />
<i>devagar, piso por piso -</i><br />
<i>como precisamos de piedade,</i><br />
<i>como precisamos de alívio. </i><br />
<i><br /></i>
<i>O cair da noite numa nuca tão beijada</i><br />
<i>vai além da cura: para toda asfixia,</i><br />
<i>de toda garganta,só há um remédio.</i><br />
<i>Vê, simplesmente, é o ponto. </i><br />
<br />
<i>Tal Nitzán</i><br />
<br />
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Há literaturas que são indissociáveis do contexto que lhes dá origem. Tal ligação é muito marcada nos escritores de origem judaica. De Kafka a Joseph Roth e Paul Celan na Europa central, passando por Saul Bellow, Philip Roth, Paul Auster e Moacyr Scliar nas Américas, para citar alguns exemplos, retratar o ambiente que os circunda de uma forma única e original não é só um exercício literário, mas pelo contrário, é a fonte primordial, ainda que muitas vezes críptica, que engendra e alimenta as suas fabulações e estilos. </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Esta ligação é ainda mais forte nos escritores israelitas contemporâneos. Das condições históricas que deram origem ao estado de Israel, ao incontornável conflito israelo-palestiniano, a literatura israelita é um campo aberto de experimentação que não pode deixar de reflectir sobre estas questões sem correr o risco de ser artificial e estéril. E neste contexto historicamente complexo e tenso, escritores da estirpe de Amos Oz e David Grossman demonstraram que não há neutralidade possível. O escritor deve estar necessariamente do lado da humanidade, do lado da solução e da mitigação imediata dos conflitos que hoje afligem a todos, israelitas e palestinianos. O escritor deve ir necessariamente para além da sua origem e do seu posicionamento político-ideológico, deve situar-se no terreno mais elevado duma ética que não pode admitir o sofrimento dos semelhantes, independentemente da sua origem, deve ser arauto de uma ética que coloca a humanidade acima de tudo. Esta posição é compartilhada e está fortemente reflectida na escrita da poeta israelita Tal Nitzán. </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
A coletânea “O Ponto da Ternura” em versão bilingue, Hebraico-Português, publicada em 2013 em São Paulo (Lumme Editore, Brasil 2013) com tradução de Moacir Amancio, reune poemas escritos ao longo de cerca de década e reflectem a maturidade de uma escritora com uma voz muito própria. Mas como o dissemos acima, a originalidade de Tal Nitzán está indelevelmente marcada pelo contexto denso e viscoso de uma realidade que impõe a todos, e muito particularmente aos escritores, a defesa de causas, o examinar crítico das encruzilhadas da ética e da lógica dos posicionamentos automáticos. </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Se por um lado, a minha incapacidade de apreender a poesia de Tal Nitzán na sua versão hebraica original é um óbvio obstáculo, a universalidade da mensagem de Tal Nitzán é-me perfeitamente inteligível e conduz-me, sem reservas, a uma solidária empatia com as causas que defende. No livro “O Ponto da Ternura” a autora intercala a sua intimidade emocional e as suas inquietações com a discussão de questões que envolvem diretamente as implicações do conflito israelo-palestiniano. Inconformada com a violência de toda espécie, com qualquer acção repressiva e com a guerra, há na mensagem da poeta Tal Nitzán um clarão de esperança na forma pungente como expressa o seu amor por todas as crianças, israelitas e palestinianas, por todos os gatos, pelos flamingos e pela pureza das emoções. Ao ler Tal Nitzán somos confrontados com a certeza básica de que pertencemos a uma família alargada que deve necessariamente incluir aqueles que durante décadas foram retratados como sendo os inimigos. </div>
<div style="text-align: justify;">
</div>
<div style="text-align: justify;">
Etty Hillesum (1914-1943), escreveu em 1943 no seu diário, enquanto ia a caminho de um campo de extermínio, que era preciso ajudar Deus, então fraco e moribundo, a cumprir a sua tarefa. Não creio em Deus ou em deuses, acredito nas ideias. Mas penso que vivemos tempos onde até as ideias que potencialmente nos poderiam salvar estão exangues. Há que as resgatar das sombras e do cinismo, e as pintar com as tintas frescas da esperança. Há que reinventar as palavras e as religar segundo critérios de humanidade renovados. É significativo que uma poeta israelita tenha esse dom. Há muito, foram as trombetas, os cimbalos, as harpas e os tambores que secundaram os Salmos e que cantaram ideais que carregados pelos ventos do deserto chegaram até nós. </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
Orfeu B.<br />
<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://3.bp.blogspot.com/-cBObpdUisDM/V6CHAgUQq9I/AAAAAAAAAoo/jTDWVC9SEe8TTy865Wm7UhYSKK-kGQgUgCLcB/s1600/Ponto%2BTernura.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="320" src="https://3.bp.blogspot.com/-cBObpdUisDM/V6CHAgUQq9I/AAAAAAAAAoo/jTDWVC9SEe8TTy865Wm7UhYSKK-kGQgUgCLcB/s320/Ponto%2BTernura.jpg" width="213" /></a></div>
<br /></div>
Orfeu B.http://www.blogger.com/profile/11470371589888576962noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-3658260320935928832.post-53533928775892175192016-07-27T22:22:00.000+01:002016-07-27T22:22:30.641+01:00Copo de Cólera<div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on">
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://2.bp.blogspot.com/-luB2jjAW14s/V5kkkkAfnyI/AAAAAAAAAoM/1zVluuMu4UU25H320f0jATwL7pGvzEYnwCLcB/s1600/RNassar.jpeg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://2.bp.blogspot.com/-luB2jjAW14s/V5kkkkAfnyI/AAAAAAAAAoM/1zVluuMu4UU25H320f0jATwL7pGvzEYnwCLcB/s1600/RNassar.jpeg" /></a></div>
<div style="text-align: justify;">
<i><br /></i></div>
<div style="text-align: justify;">
<i>… estava longe de me interessar pelos traços corriqueiros de um caráter trivial, e nem eu ia, movendo-lhe o anzol, propiciar suas costumeiras peripécias de raciocínio, não que metessem medo as unhas que ela punha nas palavras, eu também, além das caras amenas (aqui e ali quem sabe marota), sabia dar ao verbo o reverso das carrancas e das garras, sabia, incisivo como ela, morder certeiro com os dentes das ideias, já que era com esses cacos que se compunham de hábito as nossas intrigas, sem contar que - empurrando pra raia do rigor - meus cascos sabiam inventar a sua lógica, mas toda essa agressão discursiva já beirava exaustivamente a monotonia, não era mais o caso de bocejar em cima de um sono mal-dormido, não era o caso enfadonho de esticar braços supérfluos, as coisas aqui dentro se fundiam velozmente com a febre, eu já não tinha sequer pedrisco na moela, quanto mais cascalho que era o indicado para digerir o papo dela, sem esquecer que a reflexão não passava da excreção totalmente enobrecida do drama da existência, … </i></div>
<div style="text-align: justify;">
<i> </i><i> </i></div>
<div style="text-align: justify;">
<i>Raduan Nassar</i></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Prémio Camões de 2016, autor sintético de uma prosa elegante e cortante, Raduan Nassar (1935) é autor de narrativas exactas e intensas, por vezes inspiradas na escrita seca e directa de Graciliano Ramos, de quem é um confesso admirador. Sendo autor de apenas três obras, <i>Lavoura arcaica</i> (1975), <i>Copo de cólera</i>, escrita em 1970, mas só publicada em 1979, e a coletânea de contos<i> Menina a caminho,</i> publicada em 1997, não deixa de ser surpreendente que uma prosa com um estilo tão marcado e original tenha surgido praticamente sem qualquer experimentação. </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<i>Copo de cólera </i>é uma novela erótica e feroz, veloz e arrebatadora na forma como se situa na instabilidade entre a dominação e a submissão, entre a paixão e o ódio, entre a ternura e a violência. Pela dialéctica visceral como disseca a complexa anatomia de um amor selvagem e arrebatador, <i>Copo de cólera</i> é uma obra verdadeiramente intrigante e única na língua portuguesa. </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Orfeu B.</div>
<br />
<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://1.bp.blogspot.com/-eM1lSiqYRT0/V5kkwP_riQI/AAAAAAAAAoQ/n90sDM1D7DsptE3xYQj5ZQNkjprqkPj2ACLcB/s1600/Um%2BCopo%2Bde%2BCo%25CC%2581lera.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="320" src="https://1.bp.blogspot.com/-eM1lSiqYRT0/V5kkwP_riQI/AAAAAAAAAoQ/n90sDM1D7DsptE3xYQj5ZQNkjprqkPj2ACLcB/s320/Um%2BCopo%2Bde%2BCo%25CC%2581lera.jpg" width="204" /></a></div>
<br /></div>
Orfeu B.http://www.blogger.com/profile/11470371589888576962noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-3658260320935928832.post-87017827671688364532016-07-10T13:21:00.000+01:002016-07-10T13:21:00.155+01:00VAMOS COMPRAR UM POETA<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://3.bp.blogspot.com/-UWLajXv2EP8/V4I9W--17ZI/AAAAAAAAItc/SOij_Pc3vWkdI9z4SglgClDaoI1c19kEwCLcB/s1600/vamos_comprar_um_poeta.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://3.bp.blogspot.com/-UWLajXv2EP8/V4I9W--17ZI/AAAAAAAAItc/SOij_Pc3vWkdI9z4SglgClDaoI1c19kEwCLcB/s320/vamos_comprar_um_poeta.jpg" width="204" height="320" /></a></div><br />
<br />
Uma pequena delícia. Uma brincadeira muito séria. <br />
<br />
Retrato de uma sociedade reduzida aos números e aos processos mentais de um economia incapaz de integrar o valor do sonho, da metáfora, da poesia.<br />
<br />
Uma família compra um poeta como quem compra um cão e põe-no a viver debaixo da escada.<br />
<br />
Este texto pertence à família de outros como , por exemplo, “Fahrenheit 451” de Ray Bradbury, ou, de certa forma, “As aventuras de João sem medo” de José Gomes Ferreira.<br />
<br />
São textos que se constroem contra ditaduras políticas ou económicas, que excluem a cultura do seu dia a dia e que, resolvendo aparentemente todos os problemas dos homens, se tornam secas e poucas e, por isso mesmo, incapazes de estrangular o que há de profundamente humano dentro de nós e que, mais tarde ou mais cedo, acaba por vir à tona na literatura, na arte, na poesia, coisas “inúteis” que resistem e se tornam em atitudes que o(s) poder(es) consideram perigosamente subversivas.<br />
<br />
A literatura em Afonso Cruz é uma festa. E, sendo capaz de tratar assuntos de grande espessura e profundidade, fá-lo sempre de forma clara, instilando no leitor capacidade desconstruir as certezas manhosas do mundo em que vivemos, mas fazendo disso uma promessa de felicidade.<br />
<br />
Este “Vamos comprar um poeta” torna a leitura num divertimento muito muito sério. Devia ser texto obrigatório no ensino.<br />
<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://3.bp.blogspot.com/-N6JJ0pbULew/V4I9oM5-4CI/AAAAAAAAItg/8TTZWTrlGWQz2qRxsl2nNewEq_wNXJEhgCLcB/s1600/AFONSO%2BC.jpeg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://3.bp.blogspot.com/-N6JJ0pbULew/V4I9oM5-4CI/AAAAAAAAItg/8TTZWTrlGWQz2qRxsl2nNewEq_wNXJEhgCLcB/s320/AFONSO%2BC.jpeg" width="320" height="212" /></a></div>JOSÉ FANHAhttp://www.blogger.com/profile/06929923926500941662noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-3658260320935928832.post-42027301612297144602016-07-09T14:06:00.000+01:002016-07-09T14:06:06.191+01:00Shakespeare, Albert Camus, Sándor Márai, Orfeu e a Ilha de Lesbos<div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on">
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://1.bp.blogspot.com/-wgj20OvEGi8/V4D1HaMWN4I/AAAAAAAAAn8/Ius6iJCpI-MDBu3Tnyy5Sy7aQpb6zZcugCLcB/s1600/Cartaz.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="320" src="https://1.bp.blogspot.com/-wgj20OvEGi8/V4D1HaMWN4I/AAAAAAAAAn8/Ius6iJCpI-MDBu3Tnyy5Sy7aQpb6zZcugCLcB/s320/Cartaz.jpg" width="226" /></a></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 115%; margin-top: 12.0pt; text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<b style="mso-bidi-font-weight: normal;"><span lang="PT" style="font-size: 11.5pt; line-height: 115%; mso-ansi-language: PT;">Apresentação
da Revista número 11 do Centro de Estudos Teatrais da Universidade do Porto “O estranho
e o estrangeiro no Teatro” <o:p></o:p></span></b></div>
<div align="center" class="MsoNormal" style="line-height: 115%; margin-top: 12.0pt; text-align: center;">
<b style="mso-bidi-font-weight: normal;"><span lang="PT" style="font-size: 11.5pt; line-height: 115%; mso-ansi-language: PT;">7 de julho de
2016, Faculdade de Letras da Universidade do Porto<o:p></o:p></span></b></div>
<div align="center" class="MsoNormal" style="line-height: 115%; margin-top: 12.0pt; text-align: center;">
<b style="mso-bidi-font-weight: normal;"><span lang="PT" style="font-size: 11.5pt; line-height: 115%; mso-ansi-language: PT;">Shakespeare, Albert
Camus, Sándor Márai, Orfeu e a Ilha de Lesbos<o:p></o:p></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 115%; margin-top: 12.0pt; text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span lang="PT" style="font-size: 11.5pt; line-height: 115%; mso-ansi-language: PT;">No dia 20 de junho a Professora Cristina
Marinho esteve no Departamento de Física e Astronomia da Faculdade de Ciências
da Universidade do Porto e deixou-me: um volume intitulado “O estranho e o estrangeiro
no Teatro”; uma belíssima rosa encarnada com subtis traços cor de rosa; e o pedido
para apresentar o volume 11º da revista de Teatro do Mundo, publicado pelo
Centro de Estudos Teatrais da Universidade do Porto (CETUP). <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 115%; margin-top: 12.0pt; text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span lang="PT" style="font-size: 11.5pt; line-height: 115%; mso-ansi-language: PT;">Ao folhear o volume, tornou-se mais que
evidente que não havia qualquer hipótese de satisfazer minimamente o que me era
pedido. Eu simplesmente não tenho os conhecimentos, a cultura e a perspicácia
para fazer uma apresentação que seja minimamente credível e competente de uma
revista tão rica e tão complexa. Inevitavelmente, recordei-me de um texto de
Borges, no qual o participante de um concurso de poesia que tinha como tema a
rosa, decidiu, por conta das convicções estilísticas, enviar ao júri o mais
genuíno poema naturalista: um botão de rosa. Mas, para a apresentação da
revista, já não era possível. A rosa já tinha aparecido no início da história. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 115%; margin-top: 12.0pt; text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span lang="PT" style="font-size: 11.5pt; line-height: 115%; mso-ansi-language: PT;">Todos sabem que Shakespeare é a quinta
essência do teatro e, assumindo que esta apresentação termina bem, ou noutra
língua, a de Shakespeare, “All’s well that ends well”, o que me cabe é conduzir
esta apresentação de modo a ser consentânea com o epílogo desta bem conhecida
peça:<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 115%; margin-top: 12.0pt; text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span lang="PT" style="font-size: 11.5pt; line-height: 115%; mso-ansi-language: PT;">King: The King’s a beggar now the play
is done. All is well ended, if this suit be won: That you express content:
which we will pay: With strife to please you, day exceeding day: Ours be your patience
then, and yours our parts; Your gentle hands lend us, and take our hearts.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 115%; margin-top: 12.0pt; text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span lang="PT" style="font-size: 11.5pt; line-height: 115%; mso-ansi-language: PT;">E também com as linhas iniciais e finais
do soneto número XXIII do bardo inglês: <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-top: 12.0pt; text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span lang="PT" style="font-size: 11.5pt; mso-ansi-language: PT; mso-bidi-font-weight: bold;">As an unperfect actor on the stage</span><span lang="PT" style="font-size: 11.5pt; mso-ansi-language: PT;">.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-top: 6.0pt; text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span lang="PT" style="font-size: 11.5pt; mso-ansi-language: PT;">Who
with <span style="mso-bidi-font-weight: bold;">his fear is put besides his
part</span>.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-top: 6.0pt; text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span lang="PT" style="font-size: 11.5pt; mso-ansi-language: PT;">... <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-top: 6.0pt; text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span lang="PT" style="font-size: 11.5pt; mso-ansi-language: PT;">O!
learn to read what silent love hath writ: <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-top: 6.0pt; text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span lang="PT" style="font-size: 11.5pt; mso-ansi-language: PT;">To
hear with eyes belongs to love's fine wit. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 115%; margin-top: 12.0pt; text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span lang="PT" style="font-size: 11.5pt; line-height: 115%; mso-ansi-language: PT;">Albert Camus é possivelmente o mais
eminente escritor e pensador que encarnou a figura de um Sísifo da existência;
Albert Camus é também o criador do personagem aparentemente<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>simplório que era estrangeiro da própria
vida. Estrangeiro, estranho, alienígena, errante, refugiado. Albert Camus deu à
existência a densidade do chão que todos nós pisamos e partiu prematuramente,
deixando-nos encurralados no segundo acto de uma peça de Beckett que não tem
seguimento, ainda que todos saibamos que a solução deveria nos ser revelada no
terceiro acto.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 115%; margin-top: 12.0pt; text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span lang="PT" style="font-size: 11.5pt; line-height: 115%; mso-ansi-language: PT;">Sándor Márai: Na sua obra prima “A
mulher certa” o escritor húngaro apresenta-nos a história de uma relação
marital desfeita do ponto de vista dos três personagens envolvidos (algo como a
“Caixa Negra” de Amos Oz). Três pontos de vista pós-modernamente correctos, mas
que constroem uma encenação teatral disjunta e contraditória, na qual os
personagens se dirigem a si próprios, estranhos uns para os outros,
estrangeiros na sua terra natal e noutras, estando ao mesmo tempo profundamente
entranhados na trama da vida desfeita e refeita pela continua transformação do
mundo e das vontades.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 115%; margin-top: 12.0pt; text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span lang="PT" style="font-size: 11.5pt; line-height: 115%; mso-ansi-language: PT;">Orfeu: Orfeu é aqui o personagem à procura
de um autor; é o estrangeiro, objectivo e subjectivo, desta apresentação. Nome
mítico que imperfeitamente habita a condição de ser actor de si mesmo. Percebe
alguma coisa de física e de manipulações matemáticas, mas tem grande
dificuldade em formalizar e exprimir o essencial no que se refere ao lançamento
do 11º número da revista de Teatro do CETUP.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 115%; margin-top: 12.0pt; text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span lang="PT" style="font-size: 11.5pt; line-height: 115%; mso-ansi-language: PT;">A Ilha de Lesbos: quem viu a “Vida de
Adéle”, ou como sugere o texto da Professora Cristina Marinho nesta revista e onde
é sugerido o título alternativo “Le Bleu est une Couleur Chaude”, entende que
mesmo as coisas mais genuínas como o amor entre duas mulheres pode dar origem a
tempestades de areia nas mentes mais porosas. Orfeu, o estrangeiro, não sabe se
há um amor lésbico, um amor gay, um amor hétero, pois só acredita na existência
do amor ou do desamor, embora perceba que, em oposição, o ódio pode ter
infinitas nuances.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 115%; margin-top: 12.0pt; text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span lang="PT" style="font-size: 11.5pt; line-height: 115%; mso-ansi-language: PT;">Mas esta apresentação já vai longa e não
dá um sinal inequívoco de que vai terminar bem.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 115%; margin-top: 12.0pt; text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span lang="PT" style="font-size: 11.5pt; line-height: 115%; mso-ansi-language: PT;">Sim, Orfeu, o estrangeiro, pede
desculpas pela generalidade dos comentários. Ele percebe a estratégia das
apresentações, mas costuma perder-se nas tácticas das subtilezas retóricas.
Enfim, não são só as palavras que exprimem o estranho e o estrangeiro no teatro,
há muito mais no teatro naturalista da vida. E, neste, somos todos estrangeiros
uns para os outros; desempenhamos com convicção o nosso papel, mas falhamos
miseravelmente na representação do que os outros actores-encenadores esperam de
nós. Transformamos a comédia em tragédia, a tragédia em comédia e,
contrariamente ao que preconizava Shakespeare, almejamos ser reis, embora não
passemos, quase que invariavelmente, de mendigos.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 115%; margin-top: 6.0pt; text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<br /></div>
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<span lang="PT" style="font-family: Arial; font-size: 11.5pt; mso-ansi-language: PT; mso-bidi-font-family: Arial; mso-bidi-language: AR-SA; mso-fareast-font-family: "MS 明朝"; mso-fareast-language: JA; mso-fareast-theme-font: minor-fareast;">Orfeu B. </span><!--EndFragment--></div>
Orfeu B.http://www.blogger.com/profile/11470371589888576962noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-3658260320935928832.post-56542715416502846382016-06-05T10:37:00.000+01:002016-06-05T10:37:32.712+01:00As Vozes de Marraquexe<div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on">
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://3.bp.blogspot.com/-0tZNH5ssLFQ/V1PxDgMlYlI/AAAAAAAAAnk/G7BQBasP3B03XaA04qWEQAdSQSYAXi7IQCLcB/s1600/canetti.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="320" src="https://3.bp.blogspot.com/-0tZNH5ssLFQ/V1PxDgMlYlI/AAAAAAAAAnk/G7BQBasP3B03XaA04qWEQAdSQSYAXi7IQCLcB/s320/canetti.jpg" width="256" /></a></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: justify;">
<i><br /></i></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: justify;">
<i>" … Será a linguagem daquela gente, e que eu ainda não entendo, que se introduz, a pouco e pouco, em mim? Caos, imagens, sons, tudo a fundir-se num todo que as palavras não capturariam e não alterariam. “Todo” que vai para além das palavras, e que é mais profundo e mais ambíguo do que elas. </i></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: justify;">
<i><br /></i></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: justify;">
<i>Imagino um homem que, desaprendidas todas as línguas da terra, chegue ao ponto de não mais entender o que que quer que seja, onde quer que seja.</i></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: justify;">
<i><br /></i></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: justify;">
<i>O que é que vive numa linguagem? O que é que ela encobre? O que é que ela capta? Durante aquelas semanas passadas em Marrocos, nunca tentei aprender árabe nem tão pouco os dialectos berberes. Não queria perder nada da força contida nessas estranhas lamentações. Queria ser apanhado em cheio por esses sons e não abrandá-los através de vagos conhecimentos, tão insuficientes como artificiais.</i></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: justify;">
<i><br /></i></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: justify;">
<i>Não lera sobre essa terra. Os seus costumes me eram tão desconhecidos como as suas gentes. O pouco que se possa ter aprendido durante toda uma vida acerca de qualquer país e acerca do seu povo, some-se por inteiro, logo nas primeiras horas. </i></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: justify;">
<i><br /></i></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: justify;">
<i>…</i></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: justify;">
<i><br /></i></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: justify;">
<i>Todos os cegos como que ofereciam o nome de Deus. Era, pois, através das esmolas que ganhávamos direito a Ele. Com Deus começam e com Deus terminam, repetindo o Seu Nome dez mil vezes por dia. Todos os seus lamentos contêm sempre esse Nome. A invocação à qual se agarram um dia, mantêm-se inalteravelmente. Espécie de arabescos acústicos mais convincentes do que qualquer coisa obtida através da visão. </i></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: justify;">
<i><br /></i></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: justify;">
<i>… </i></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: justify;">
<i><br /></i></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: justify;">
<i>Para homenagearem e dignificarem as suas próprias palavras, os contadores de histórias trajavam de forma singular, distinguindo-se sempre as suas vestes das dos simples ouvintes. Davam toda a preferência aos tecidos sumptuosos, e era vê-los entrar em cena, vestindo lindas sedas de tonalidades ora azuis ora castanhas. pareciam personagens saídas de contos de fadas.</i></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: justify;">
<i><br /></i></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: justify;">
<i>Raramente olhavam os seus ouvintes. Viam apenas os seus heróis. E se por acaso um olhar seu caísse em alguém que não estivesse a viver a história, teria esse alguém como que se dissolver na massa anónima do auditório. Deixara de existir para o contador, tornava-se um estranho, um ausente, que já não pertencia ao reino das suas palavras.</i></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: justify;">
<i><br /></i></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: justify;">
<i>De início custava-me aceitar o pouco ou nada que representava para eles. Era demasiado estranho para ser verdade. Por isso mesmo me mantinha ali, ao mesmo tempo sentindo-me transportado daquele lugar, tão inundado de sons, para outros sons ainda mais longínquos. E sempre despercebido, mesmo quando, no grande círculo, era tomado por uma sensação de presença. Mas para ele, eu era um estranho no seu círculo mágico, um estranho porque o não compreendia. </i></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: justify;">
<i><br /></i></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: justify;">
<i>Desejava intensamente poder compreender, e anseio pelo dia em que saiba apreciar, sem restrições, esses contadores errantes, tal como eles o merecem. Mas igualmente me regozijei por não os entender. Permaneciam para mim como um enclave, como uma vida longamente vivida, mas sempre intocada. </i></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: justify;">
<i><br /></i></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: justify;">
<i>A sua linguagem era-lhes tão importante como a minha o era para mim. As palavras tornavam-se o seu alimento e não se deixavam eles tentar por qualquer outro, mesmo que de qualidade superior. Senti orgulho no poder que o contador exercia sobre os seus companheiros ouvintes. Eu considerei-os como meus irmãos mais velhos e sabedores. Era com um sentido de felicidade que dizia para comigo: </i></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: justify;">
<i><br /></i></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: justify;">
<i>“Também eu serei capaz de reunir pessoas à minha volta, a quem contarei coisas! Também hei-de ser ouvido!” Mas em vez de errar de terra em terra, desconhecendo sempre quem irei encontrar, que ouvidos desconhecidos se abrirem para mim, em vez de viver da pura confiança na histórias que viesse a contar, foi minha vontade dedicar-me à escrita!” </i></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: justify;">
<i><br /></i></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: justify;">
<i>Elias Canetti</i></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: justify;">
«As Vozes de Marraquexe» é considerado por muitos críticos como um dos mais belos relatos de viagem da literatura europeia do século XX. O livro resulta de uma estada de três semanas em Marrocos com uma equipe de cineastas ingleses e que teve lugar em 1952. O autor que admite não se ter preparado para a viagem, estava decidido, no entanto, a sentir Marraquexe como a intensidade dos ventos do deserto. O seu propósito era mergulhar emocionalmente nos recônditos meandros de uma cultura tão estranha como fascinante. O seu método consistiu em deambular pela cidade e deixar-se guiar pelos cinco sentidos e pelo impacto com que os acontecimentos lhe marcavam a alma. O resultado é um magnífico mosaico que abarca os aromas do bazar, o mercado dos camelos, as lamentações encantatórias dos cegos pedintes, o curioso hábito de um cego pedinte mastigar longamente as moedas recebidas, as visitas à Mellah, o bairro judeu, e o conhecimento de uma de suas famílias, a fascinante atmosfera que circundava os contadores de histórias. </div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: justify;">
Este livro, algo singular na robusta e densa obra de Elias Canetti (1905-1994), vem confirmar a maestria do autor de obras monumentais como “Auto da Fé” (1935), “As Massas e o Poder” (1960) entre muitos outras. Autor de língua alemã, Elias Canetti, judeu sefardita, nasceu na Bulgária e viveu em Inglaterra a maior parte de sua vida. Pela originalidade da sua obra, Elias Canetti foi galardoado com o Prémio Nobel da Literatura de 1981.</div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: justify;">
Orfeu B.</div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<br /></div>
<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://3.bp.blogspot.com/-KXj0AsC3GcM/V1PxHPPb1XI/AAAAAAAAAns/rot9_Ipb81s7l8BSvQXZVlIn5DW-Mbz4ACLcB/s1600/vozes.jpeg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="320" src="https://3.bp.blogspot.com/-KXj0AsC3GcM/V1PxHPPb1XI/AAAAAAAAAns/rot9_Ipb81s7l8BSvQXZVlIn5DW-Mbz4ACLcB/s320/vozes.jpeg" width="320" /></a></div>
<br /></div>
Orfeu B.http://www.blogger.com/profile/11470371589888576962noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-3658260320935928832.post-45697429127377052162016-05-14T15:21:00.000+01:002016-05-14T15:24:56.288+01:00Quantum<div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on">
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://4.bp.blogspot.com/-_vhIIGO9WI4/VzcxaRhXO-I/AAAAAAAAAnI/-tJ3EC2tpVQq_3W8YG7gLXL1NTevZGZ6gCLcB/s1600/images.jpeg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://4.bp.blogspot.com/-_vhIIGO9WI4/VzcxaRhXO-I/AAAAAAAAAnI/-tJ3EC2tpVQq_3W8YG7gLXL1NTevZGZ6gCLcB/s1600/images.jpeg" /></a></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<i>Encontrei muitos cientistas e a estadia alterou profundamente a minha forma de ver o mundo, pois eles estão trabalhando realmente sobre o que é a criação do mundo.</i></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<i>Gilles Jobin</i></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<a href="https://www.youtube.com/watch?v=uc7xy7anEb0">Quantum</a>, e uma coreografia concebida por Gilles Jobin e que foi encenada no Teatro Rivoli no Porto no dia 8 de Abril de 2016. É indubitavelmente uma criação inovadora e arrojada e resulta da estadia do coreógrafo suíço no Centro Europeu de Investigação Nuclear (CERN), o maior laboratório científico do mundo, localizado na fronteira franco-suíça junto à cidade de Genebra. </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Na verdade, o coreógrafo é um bem conhecido experimentador que há muito tem estado muito próximo da ciência como muito bem atestam alguns de seus trabalhos anteriores: A+B=X (1997), Le Voyage de Moebius (2001), Spider Galaxy (2011), entre outros. </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
O coreógrafo descreve a experiência de ter estado no CERN como artista residente por alguns meses em 2012, como uma colisão de alta energia entre a sua experiência pessoal e profissional e a visão do mundo dos físicos. O coreógrafo teve a sorte de presenciar o extraordinariamente feliz e emocional momento do anúncio ao mundo da comprovação experimental da existência do bosão de Higgs, no histórico dia de 4 de Julho de 2012. A presença de físico britânico Peter Higgs e do colega belga François Englert (ambos dividiram o Prémio Nobel de Física em 2014) adicionaram uma dimensão humana aos desenvolvimentos teóricos, experimentais e tecnológicos que permitiram a descoberta do bosão de Higgs 48 anos depois da sua previsão teórica. </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Na verdade, para além do privilégio de termos sido arrastados pelas ondas de movimento dos membros da Companhia de Gilles Jobin, nós tivemos a honra de receber o coreógrafo no <a href="https://jpn.up.pt/2016/04/07/quantum-danca-fisica-juntam-num-espetaculo/">Departamento de Física e Astronomia da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto</a> no final da tarde do dia 6 de Abril para uma apresentação e uma longa e animada conversa sobre a criatividade artística, sobre a “polinização” cruzada de ideias entre arte e ciência, sobre o ensino e a aprendizagem, sobre ballet e claro, sobre a dança das partículas elementares no palco do Universo. </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Quantum é o resultado de uma experiência de convivência única de um artista com o mundo dos físicos de altas energias. Oxalá a experiência seja repetida por mais artistas em outros contextos, ambientes, laboratórios e institutos de investigação. Reciprocamente, os cientistas ficam profundamente enriquecidos com a experiência e a sensibilidade dos artistas. </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Orfeu B.</div>
<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://3.bp.blogspot.com/-FVNAE5kviyA/VzcxeZz5i_I/AAAAAAAAAnM/adhkPYp9tr0tQQc8i37PfrruGxFjy62DgCLcB/s1600/Quantum_paris.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="213" src="https://3.bp.blogspot.com/-FVNAE5kviyA/VzcxeZz5i_I/AAAAAAAAAnM/adhkPYp9tr0tQQc8i37PfrruGxFjy62DgCLcB/s320/Quantum_paris.jpg" width="320" /></a></div>
<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://1.bp.blogspot.com/-_d7LWFxwGHI/VzcxiPhRn1I/AAAAAAAAAnQ/SiYmL_rMfUoQ94iKkfMjU2xpVspNCftdwCLcB/s1600/QuantumCMS_1.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="212" src="https://1.bp.blogspot.com/-_d7LWFxwGHI/VzcxiPhRn1I/AAAAAAAAAnQ/SiYmL_rMfUoQ94iKkfMjU2xpVspNCftdwCLcB/s320/QuantumCMS_1.jpg" width="320" /></a></div>
<br /></div>
Orfeu B.http://www.blogger.com/profile/11470371589888576962noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-3658260320935928832.post-55476395349392740792016-04-24T14:53:00.000+01:002016-04-25T21:43:33.471+01:00Os Papéis do Inglês<div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on">
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://1.bp.blogspot.com/-E3gUJEJLw2U/VxzLoQfwrLI/AAAAAAAAAmo/PKp5bl5IjkkARTNU2druTQZSI6DWjyDdwCLcB/s1600/Ruy%2BDuarte%2Bde%2BCarvalho.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><i><img border="0" height="320" src="https://1.bp.blogspot.com/-E3gUJEJLw2U/VxzLoQfwrLI/AAAAAAAAAmo/PKp5bl5IjkkARTNU2druTQZSI6DWjyDdwCLcB/s320/Ruy%2BDuarte%2Bde%2BCarvalho.jpg" width="213" /></i></a></div>
<div style="text-align: justify;">
<i><br /></i></div>
<div style="text-align: justify;">
<i>Ao acordar de manhã procuro averiguar daquela sensação, algumas vezes experimentada mas quase sempre só recordação longínqua já, de encontrar satisfação por estar vivo e haver um dia à frente para viver. A memória que tenho disso, ou a imagem que ela projecta, remete-me a Londres: disponibilidade, ausência de culpa, um envolvimento exterior simultaneamente propício e distante que me poupava a confrontos maiores, o tédio, ainda assim, de alguma forma alheio, a certeza de que a intensidade e a densidade dos estímulos e dos recursos garantiriam, de alguma forma, contornos suportáveis à presença no mundo. Aqui, talvez, depois de tantos exílios interiores e de tanta auto-flagelação, estarei mais perto de uma experiência equivalente. O acordar é fácil e acompanha a emergência da luz, os pássaros anunciam o dia com folgada antecedência, nada oprime a perspectiva da movimentação, as hipóteses de trabalho são boas, há um jipe lá fora, tenho todas as razões para acreditar que nenhuma hostilidade me cerca, pelo menos num raio de 130 kms. Quando olhar para fora depararei muito provavelmente com silhuetas distantes de mulheres que se deslocam alheias, estou no meio de um espaço que me tem servido de referência pela vida fora, em plena vigência de uma hipótese duramente conquistada à força de determinação e vontade. Por isso me coloco mansa e cautelosamente perante mim mesmo e o que me cerca, não tanto, em consciência, para aproveitar, quanto para me entregar e não estragar, impedir, viciar ou destruir.</i></div>
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<i><br /></i></div>
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<i>"Os Papéis do Inglês"</i></div>
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Um romance acerca de uma estória, que segundo ao autor, bastaria meia dúzia de minutos para contar, mas que nos remete para o cerne da arte narrativa, que passa pela história pessoal do autor, pelos aspectos problemáticos da ciência antropológica e etnográfica, pelos descaminhos históricos e políticos pós-coloniais de Angola. Em <i>"Os Papéis do Inglês"</i>, Ruy Duarte de Carvalho conta-nos a desventura de um personagem conradiano, Archibald Perkings, caçador e antropólogo inglês, que, em 1923, na região angolana do Kwando, matou o seu colega grego e acabou por se suicidar. Escrito numa linguagem única e extremamente original, o autor, constrói a sua versão da história através da sua própria deambulação pelo território angolano e por meio das dificuldades em recuperar os papéis do caçador inglês que possivelmente estariam entre os papéis do pai do autor que, por sua vez, estavam dispersos há dezenas de anos. </div>
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Ruy Duarte de Carvalho (Santarém, 1941 – Swakopmund, 2010) foi um escritor, cineasta, antropólogo e professor angolano. Autor de referência da língua portuguesa, Ruy Duarte de Carvalho doutorou-se em Antropologia na École des Hautes Études de Sciences Sociales em Paris e lecionou na Universidade de Luanda e como professor convidado nas Universidades de Coimbra e de São Paulo. Para além da sua obra científica sobre as sociedades pastoris de Angola e da Namíbia, Ruy Duarte de Carvalho legou-nos um rico espólio cinematográfico e uma significativa obra literária, em verso e em prosa. </div>
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Orfeu B.<br />
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<a href="https://2.bp.blogspot.com/-JlkwctnCRb0/VxzLtZUyFhI/AAAAAAAAAms/eRzeEcLY3sQLeT0KbMgdQad0UoTbtgD3gCLcB/s1600/Papeis.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="320" src="https://2.bp.blogspot.com/-JlkwctnCRb0/VxzLtZUyFhI/AAAAAAAAAms/eRzeEcLY3sQLeT0KbMgdQad0UoTbtgD3gCLcB/s320/Papeis.jpg" width="203" /></a></div>
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<a href="https://1.bp.blogspot.com/-OKX856JrNH4/VxzLw54SxTI/AAAAAAAAAmw/Lb8iijk8zmMgy92WQ5w2z4STljzeDsEpwCLcB/s1600/vou_la_visitar_pastores.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="218" src="https://1.bp.blogspot.com/-OKX856JrNH4/VxzLw54SxTI/AAAAAAAAAmw/Lb8iijk8zmMgy92WQ5w2z4STljzeDsEpwCLcB/s320/vou_la_visitar_pastores.jpg" width="320" /></a></div>
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Orfeu B.http://www.blogger.com/profile/11470371589888576962noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-3658260320935928832.post-36035744227626591032016-04-02T15:09:00.000+01:002016-04-25T04:16:12.345+01:00A singularidade de uma voz<div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on">
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<a href="https://2.bp.blogspot.com/-9eysuG1lhFk/Vv_OLy4GCDI/AAAAAAAAAmQ/MmVPLC0UvZ4ZKxaT1ZV1nJ8YLIETO7XBg/s1600/IK4.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="213" src="https://2.bp.blogspot.com/-9eysuG1lhFk/Vv_OLy4GCDI/AAAAAAAAAmQ/MmVPLC0UvZ4ZKxaT1ZV1nJ8YLIETO7XBg/s320/IK4.jpg" width="320" /></a></div>
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Imre Kertész (1929 - 2016) nasceu em Budapeste, descendente de uma família judaica que foi totalmente dizimada nos campos de concentração nazistas. Em 1944, aos 15 anos, foi deportado para Auschwitz, Buchenwald e Zeitz, sendo libertado em 1945 pelas tropas norte-americanas. Ao retornar a Budapeste trabalhou, de 1948 a 1951, como jornalista até ter sido exonerado quando o jornal onde trabalhava se transformou em órgão do Partido Comunista Húngaro. Dedicou-se então à escrita e à tradução para o húngaro de obras de Nietzsche, Hofmannsthal, Schnitzler, Roth, Freud, Wittgenstein, Canetti, entre outros. Escreveu também musicais e teatro de diversão. Trabalhou durante 10 anos no livro, <i>Sem Destino</i>, o seu primeiro romance. Pela profundidade e originalidade da sua obra literária recebeu inúmeros prémios entre os quais o Prémio Nobel da Literatura em 2002. </div>
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<i>"… </i></div>
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<i>Após um silêncio, o meu pai disse: pois bem, ficamos mais leves – a minha madrasta, com voz ainda embargada, perguntou-lhe se não teria sido melhor aceitar o recibo do senhor Suto. Mas o meu pai respondeu que tais recibos não tinham qualquer «valor pratico», além de ser perigoso esconde-los do que ao próprio cofre. E explicou-lhe: desta feita, «é preciso jogar tudo num única cartada», dado que, por agora não nos resta alternativa. </i></div>
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<i>…</i></div>
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<i>Desde há duas semanas, também sou obrigado a trabalhar. Notificaram-me em papel oficial que eu estava «afecto a um emprego fixo» estava endereçado «Ao jovem aprendiz auxiliar Koves Giorgy», e vi logo que ali havia mão da União das Juventudes. </i></div>
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<i>…</i></div>
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<i>O local de trabalho é em Csepel, numa sociedade cujo nome é «Refinarias de petróleo Shell». Desta forma, acabei por gozar de uma espécie de privilégio, pois é proibido sair da cidade com a estrela amarela.”</i></div>
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<i>…</i></div>
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<i>Quando um prisioneiro tenta regatear a entrega de um objecto de valor em troca de água e comida:</i></div>
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<i><br /></i></div>
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<i>“…e ele mostrava-se disposto a fazê-lo, embora fosse, disse «contra os regulamentos». Só que não há acordo, porque a voz queria, primeiro, a água e o guarda queria, primeiro, as coisas, e ninguém queria ceder. Por fim o guarda sentiu-se melindrado: – Porcos judeus, que fazem negócio com as coisas mais sagradas!”</i></div>
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<i>…</i></div>
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<i>“Só em Zeitz percebi mesmo que o cativeiro tem a sua rotina, que o verdadeiro cativeiro não passa, no fundo, de um quotidiano cinzento.</i></div>
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<i>…</i></div>
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<i>“Não tardei muito a perceber que as opiniões favoráveis ouvidas ainda em Auschwitz acerca da instituição dos “Arbeitlager”, se baseavam, forçosamente, em informações exageradas.”</i></div>
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<br /></div>
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Sem Destino (1975)</div>
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<i><br /></i></div>
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<i>“Auschwitz é o meu maior tesouro. A proximidade da morte é inesquecível. A vida nunca foi tão bela como nesse longo momento.”</i></div>
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<br /></div>
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O Fiasco (A Recusa) (1988)</div>
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<br /></div>
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<i><br /></i></div>
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<i>“Não!”</i></div>
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<i>…</i></div>
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<i>"Tornou-se livre, porque já não tinha pátria. Já nem sequer tinha que decidir em que qualidade devia morrer. Como judeu, como cristão, como herói ou vítima, eventualmente, como absurdo metafísico, vítima do novo caos demiúrgico? Como estas noções nada significam para ele, decide, ao menos não sujar com a mentira o facto límpido da sua morte. Tudo lhe parece simples, porque conquistou o direito à lucidez: “Não procuremos sentidos onde não existem: o século, este pelotão de execução que cumpre o seu serviço, sem cessar prepara-se, pois, para dizimar de novo, e quis a sorte que me calhasse um número mau - ponto final”, são as sua últimas palavras, com as minhas palavras, claro.” </i></div>
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<i>Kaddish para uma Criança que não Vai Nascer (1990)</i></div>
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<i><br /></i></div>
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<i><br /></i></div>
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<i>“ …</i></div>
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<i>A língua – sim, ela é a única coisa que me mantém ligado a ele (Hungria). Como é estranho. Essa língua estrangeira, minha língua materna. Minha língua materna, que me ajuda a entender os meus assassinos.</i></div>
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<i>…</i></div>
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<i>Às vezes, quase tenho que me arrancar do refúgio sossegado do meu anonimato, quando ouço falar ou vejo escrito o nome I. K., mas sei que nunca vou me identificar com ele.</i></div>
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<i>…</i></div>
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<i>"Eu sou um judeu diferente. Que tipo de judeu sou afinal? ... Sou diferente deles, sou diferente dos outros, sou diferente de mim.”</i></div>
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<br /></div>
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Um Outro - Crónica de Uma Metamorfose (1997)</div>
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<i><br /></i></div>
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<i>“Vivemos na era das catástrofes, todo homem é portador da catástrofe, e para a sobrevivência se faz necessária uma arte peculiar da sobrevivência. O homem do tempo das catástrofes não tem destino, não tem qualidades, não tem caráter. O meio social terrível — o Estado, a ditadura, chame-o como quiser — o seduz com a força de atração dos redemoinhos vertiginosos até que ele desista da resistência e nele exploda o caos como um gêiser fervente — e a partir de então o caos se torna sua morada. Para ele, já não existe retorno a um ponto de equilíbrio do Eu, a uma certeza sólida e incontestável do Eu: portanto, perde-se no sentido mais verdadeiro da palavra. Esse ser sem o Eu é a catástrofe, o verdadeiro Mal.”</i></div>
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Aniquilação (2004)</div>
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Orfeu B.</div>
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<a href="https://3.bp.blogspot.com/-I0OSd5eLpTM/Vv_OQkJSUKI/AAAAAAAAAmU/4Ish903iutcSu1yP3U-KOCJoVzx75R6Lg/s1600/IK2.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://3.bp.blogspot.com/-I0OSd5eLpTM/Vv_OQkJSUKI/AAAAAAAAAmU/4Ish903iutcSu1yP3U-KOCJoVzx75R6Lg/s1600/IK2.jpg" /></a></div>
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Orfeu B.http://www.blogger.com/profile/11470371589888576962noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-3658260320935928832.post-1255399101730065312016-03-27T23:59:00.000+01:002016-03-28T12:59:56.545+01:00Submissão<div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on">
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<a href="https://4.bp.blogspot.com/-OjMnPuP110E/Vvhh70I4XJI/AAAAAAAAAl0/TeF7lChyPAEnXMe2ZwHCX6GfuOrs95G_w/s1600/MHouellebecq.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="179" src="https://4.bp.blogspot.com/-OjMnPuP110E/Vvhh70I4XJI/AAAAAAAAAl0/TeF7lChyPAEnXMe2ZwHCX6GfuOrs95G_w/s320/MHouellebecq.jpg" width="320" /></a></div>
<br />
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<i>“L’idée renversante et simple, jamais exprimée auparavant avec cette force, que le sommet du bonheur humain réside dans la soumission la plus absolue. C'est une idée que j'hésiterais à exposer devant mes coreligionnaires qu'ils jugeraient peut-être blasphématoire, mais il y a pour moi un rapport entre l'absolue soumission de la femme à l'homme, telle que la décrit Histoire d'O, et la soumission de l'homme à Dieu, telle que l'envisage l'islam. Voyez-vous, poursuivit-il, l'islam accepte le monde, et il l'accepte dans son intégralité, il accepte le monde tel quel pour parler comme Nietzsche. Le point de vue du bouddhisme est que le monde est dukkha – inadéquation, souffrance. La christianisme lui-même manifeste de sérieuses réserves – Satan n'est-il pas qualifié de “prince du monde”? Pour l'Islam au contraire la création divine est parfaite, c'est un chef-d'œuvre absolu. Qu'est-ce que le Coran au fond, sinon un immense poème mystique de louange? De louange au Créateur, et de soumission à ses lois.”</i></div>
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<br /></div>
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Michel Houellebecq</div>
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<i>Submissão</i> é mais um inquietante romance do polémico escritor francês Michel Houellebecq, autor de obras não menos controversas como <i>Les particules élémentaires, Plateforme, Extension de domaine de la lute, La possibilité d'une île</i>, entre outras . Em 2022, a França, logo após a primeira volta das eleições presidenciais, é um país profundamente dividido entre a extrema direita de Marine Le Pen e o recém-criado partido da Fraternidade Muçulmana conduzido por um líder astuto e carismático que vence por pequena margem o candidato do partido socialista. O país é assolado por tumultos, por incêndios de carros e pela destruição de mesas de voto. Anos sucessivos de políticas sociais desastrosas subordinadas prioritariamente às questões práticas da economia e das finanças dão origem a um confronto entre forças políticas que inevitavelmente desfigurarão para sempre a identidade do país. Para o embate final, socialistas e gaulistas unem-se à Fraternidade Muçulmana para derrotar os neo-fascistas. O preço a pagar é a destruição de dezenas de anos de políticas sociais e uma radical reforma educacional e cultural que desmontará a educação laica e republicana e a substituirá por uma educação de inspiração religiosa e muçulmana. </div>
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<br /></div>
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Este é o pano de fundo político da narrativa que tem como personagem principal François, um professor e investigador de literatura francesa do século XIX na Sorbonne - Paris III. A forma desapaixonada e algo cínica como encara o ensino levam-no a adoptar sem sobressaltos pela reforma aquando da islamização da universidades que tem lugar após a vitória da Fraternidade Muçulmana. Porém, após um período de depressão e isolamento, acaba por sucumbir à oferta que lhe é formulada de retornar à universidade. A perspectiva de gozar da notoriedade decorrente da nova posição universitária, a triplicação do seu salário e a possibilidade de poder gozar do direito da poligamia parecem-lhe compensar largamente a exigência de se converter ao islamismo. </div>
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<br /></div>
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Submissão é um livro que analisa com grande perspicácia as questões fundamentais da construção europeia, da natureza das identidades no início do século XXI, e a correlação de forças políticas e sociais que nas décadas vindouras serão incontornáveis na Europa. </div>
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Orfeu B.<br />
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<a href="https://1.bp.blogspot.com/-8_YPtBgU-4Q/Vvhh-04I5aI/AAAAAAAAAl4/zUJteae2czIDO7cGg-e2ETaieOFHE5ZDw/s1600/Somission.jpeg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em; text-align: center;"><img border="0" src="https://1.bp.blogspot.com/-8_YPtBgU-4Q/Vvhh-04I5aI/AAAAAAAAAl4/zUJteae2czIDO7cGg-e2ETaieOFHE5ZDw/s1600/Somission.jpeg" /></a></div>
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Orfeu B.http://www.blogger.com/profile/11470371589888576962noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-3658260320935928832.post-13146867088815552042016-02-23T13:59:00.000+00:002016-02-24T07:40:04.682+00:00Da Beleza e a Consolação<div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on">
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<a href="https://1.bp.blogspot.com/-7ksVm_kSj4c/VsxivVFnixI/AAAAAAAAAlM/IgBJfzNuyqs/s1600/B%2526C.jpeg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em; text-align: center;"><img border="0" src="https://1.bp.blogspot.com/-7ksVm_kSj4c/VsxivVFnixI/AAAAAAAAAlM/IgBJfzNuyqs/s1600/B%2526C.jpeg" /></a></div>
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“Of Beauty and Consolation”, é uma invulgar série de entrevistas com figuras essenciais da cultura do nosso tempo, conduzidas pelo jornalista holandês Wim Kayser. A série foi estreada na VPRO, um canal holandês, a 2 de Janeiro de 2003 e prolongou-se até 1 de Julho do mesmo ano. Em Portugal, a série foi difundida em 2006 pela RTP2, para os noctívagos e para os que sofriam de insónias. Felizmente, hoje as entrevistas podem ser visualizadas e saboreadas através do You Tube. </div>
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Foram entrevistadas 26 figuras marcantes da arte, da filosofia, da literatura, da música, da biologia e da física. A lista de personalidades intrevistadas é absolutamente impressionante (por ordem alfabética): Karel Appel, artista plástico; Vladimir Ashkenazy, pianista e maestro; Catherine Bott, soprano; John Coetzee, escritor; Richard Dufallo, maestro; Freeman Dyson, físico teórico; Rudi Fuchs, director de museu; Jane Goodall, primatóloga; Stephen Jay Gould, zoólogo e paleontólogo; Germaine Greer, escritora; György Konrád, escritor; Rutger Kopland, poeta e psiquiatra; Leon Lederman, físico experimental; Elizabeth Loftus, psicóloga; Gary Lynch, psicólogo e químico; Yehudi Menuhin, violinista e maestro; Martha Nussbaum, filósofa; Richard Rorty, filósofo; Simon Schama, historiador; Roger Scruton, filósofo, Wole Soyinka, escritor; George Steiner, escritor e filósofo; Tatjana Tolstaja, escritora; Dubravka Ugresić, escritor; Steven Weinberg, físico teórico; Edward Witten, físico teórico e físico-matemático. Num último programa, muitos dos entrevistados reuniram-se para um acalorado debate sobre o tema central da série. Este encontro teve lugar a 9 de Julho de 2000, no Stedelijk Museum, em Amesterdão. </div>
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Ainda não tive o oportunidade de ver todas as entrevistas, contudo considero marcantes as que tive a oportunidade de ver (cerca de dez). Ouvir Steve Weinberg e Edward Witten a falar sobre os problemas candentes da física contemporânea e sobre a unificação das interacções fundamentais da natureza, Jay Gould sobre as evidências paleontológicas da evolução, Vladimir Ashkenazy sobre os desafios e a complexidade do trabalho da regência orquestral, George Steiner sobre o reino da memória e sobre a grandeza de certas obras literárias, e Yehudi Menuhin discursar sobre a necessidade da aprendizagem musical e do ensino em geral e também acerca do conflito israelo-palestiniano, propiciam momentos de comovente empatia e de sublime iluminação. </div>
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Fossem os nossos programadores televisivos mais lúcidos esta série seria retransmitida em horário nobre e em regime de obrigatoriedade.</div>
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<span style="text-align: left;">Orfeu B.</span></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://4.bp.blogspot.com/-id3_n_Mr_E8/Vsxjz3NZDsI/AAAAAAAAAlU/SuaTnhm-Q1s/s1600/Edward%2BWitten.jpeg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="111" src="https://4.bp.blogspot.com/-id3_n_Mr_E8/Vsxjz3NZDsI/AAAAAAAAAlU/SuaTnhm-Q1s/s200/Edward%2BWitten.jpeg" width="200" /></a></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://2.bp.blogspot.com/-F5qNRF1G3g0/Vsxj5XKmLmI/AAAAAAAAAlY/nd0pAnNjeHo/s1600/Martha%2BNussbaum.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="150" src="https://2.bp.blogspot.com/-F5qNRF1G3g0/Vsxj5XKmLmI/AAAAAAAAAlY/nd0pAnNjeHo/s200/Martha%2BNussbaum.jpg" width="200" /></a></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://2.bp.blogspot.com/-JaMpz07g7ag/VsxkAOSHvgI/AAAAAAAAAlc/llHPExaWKC8/s1600/Yehud%2BMenuhim.jpeg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://2.bp.blogspot.com/-JaMpz07g7ag/VsxkAOSHvgI/AAAAAAAAAlc/llHPExaWKC8/s1600/Yehud%2BMenuhim.jpeg" /></a></div>
<br /></div>
Orfeu B.http://www.blogger.com/profile/11470371589888576962noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-3658260320935928832.post-72338812974200450952016-02-21T13:21:00.000+00:002016-02-21T13:21:11.530+00:00RELENDO CRISTÓVÃO AGUIAR<br />
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<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://1.bp.blogspot.com/-ZRdNNVgrxO8/Vsm5d_IVT_I/AAAAAAAAIcc/-YBrUoYPZdQ/s1600/transferir%2B%25282%2529.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://1.bp.blogspot.com/-ZRdNNVgrxO8/Vsm5d_IVT_I/AAAAAAAAIcc/-YBrUoYPZdQ/s320/transferir%2B%25282%2529.jpg" /></a></div><br />
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Relendo Cristóvão de Aguiar<br />
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1. Voltei a ler Raiz comovida, agora reeditada pela Afrontamento, no 1º volume das Obras Completas de Cristóvão de Aguiar. A obra apareceu nos finais de 70, em três tomos: A semente e a seiva, 1979, (Prémio Ricardo Malheiros), Vindima de fogo (1979), e O fruto e o sonho (80). <br />
Soube-me bem tornar a lê-la. A esta distância de quase 40 anos a obra não envelheceu nada, continua viva e com todas as suas qualidades. Pelo menos para aqueles que conheceram aquele Portugal, e aquele tempo, que se criaram a amá-lo e a sofrê-lo, com tudo o que implicava de ambientes, pessoas, situações, mentalidades, carências, injustiças, desequilíbrios sociais, misérias e grandezas. É um retrato magnífico da sociedade portuguesa da primeira metade do século XX, uma autêntica aguarela, como se costuma dizer, rica, colorida, picaresca, mas realista e cheia de humanidade e graça. E com a especificidade açoriana – na linguagem, nas paisagens, nos ambientes sociais - a dar-lhe um toque muito particular e a acrescentar-lhe o interesse, sem deixar de retratar todo o Portugal de então. <br />
Com uma estrutura aberta, numa sequência de memórias de lugares, de pessoas e situações, uma criança recorda as suas vivências e vai muito para trás relatando casos contados por familiares seus, histórias da vila e das famílias, ligações, relações, ódios e afetos. E tudo isto através de uma escrita de grande qualidade, conseguindo misturar ingredientes que não é comum vermos tão bem sintetizados numa só obra. É de facto, como disse o Medeiros Ferreira, uma «homenagem à língua portuguesa»; mas é mais do que isso, é uma homenagem ao povo açoriano e, em termos mais vastos, a todo o povo português, pois sentimo-lo ali igual ao açoriano das mais variadas e sempre autênticas maneiras.<br />
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Não sei se haverá outra obra em Portugal, dentro do género, que nos mostre tão bem o Portugal de então. E se nos restringirmos aos Açores, certamente que não encontramos outra. Fala-se, por exemplo, de Mau tempo no canal, como um dos melhores romances do século XX. É uma opinião discutível, claro, embora se trate, sem dúvida, de uma das grandes obras literárias do nosso século XX. Tendo em conta que os dois autores são açorianos, que emergem da mesma realidade cultural e sem grande diferença temporal, a comparação é inevitável. E embora este tipo de comparações possa ser fonte de equívocos e de possíveis injustiças, Raiz comovida é um retrato mais rico, mais realista e mais próximo do povo açoriano que Mau tempo no canal. A obra de Nemésio retrata sobretudo a burguesia endinheirada e uma ou outra família com fumos de aristocracia, enquanto que a de Cristóvão de Aguiar vive do povo, dos artesãos, dos pescadores, dos trabalhadores rurais. Pode-se talvez falar duma densidade maior das personagens – sobretudo dessa personagem notável que é Margarida Dulmo – mas a própria estrutura e enredo do romance de Nemésio favorecem esta dimensão psicológica, que o livro de Cristóvão de Aguiar capta talvez menos pela própria estrutura e textura. <br />
Se outro mérito não tivesse, a obra constitui um vastíssimo e variadíssimo quadro social e cultural, uma montra dos usos, costumes, mentalidades, falas, expressões, relações familiares, artes, ofícios, crenças, moralidade, sexualidade, repressão, formas de educação, manhas e artimanhas, enfim, histórias de muitas formas e feitios, que nos proporcionam um enorme prazer na leitura e uma informação sobre os Açores que nenhum outro meio consegue. <br />
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2. Mas, para lá disso, que é muito, tem ainda um mérito literário inquestionável. Ponho-me a pensar nos neorrealistas, entre os quais a obra de Cristóvão de Aguiar pode ser integrada - um neorrealismo tardio, é certo, mas, de qualquer modo, dentro da sua tradição - e dificilmente encontro um autor que tenha conseguido fazer tanto e tão bem com uma só obra; ou mesmo com três, já que se trata de uma trilogia. Os nossos neorrealistas mais considerados (por exemplo, Carlos de Oliveira, Cardoso Pires, Alves Redol) escrevem dum modo muito diferente, e embora com algumas obras de grande qualidade, qualquer deles esta longe de ter produzido uma riqueza colorida e múltipla como esta obra consegue. <br />
Por outro lado, repito, a obra tem uma qualidade que não cede ao longo de todos os livros, uma originalidade de sintaxe - sem desconstruir sintaticamente - uma riqueza linguística única, e um sem número de achados de primeira, (De contente, «o senhor padre não cabia nos paramentos», ou «os luteranos recolheram as redes e partiram com elas vazia de almas e de peixes», p. 405; «os olhos colavam-se às montras das lojas que se sucediam como pevides de melancia», p. 277, etc., etc.). E algumas descrições de antologia, como a ida à cidade, com o pai, para comprar ferro, no pós-guerra, pp. 274 – 280, ou a aparição do Inferno ao pobre do Luz Cruz, pp. 241 – 244).<br />
Talvez um pouco gongórica aqui e além. Mas também isto tem que ser contextualizado e relativizado, porque faz parte da amálgama lexical, social, cultural e até paisagística que, de algum modo, a solicita. E talvez até exija, pois a obra é sobretudo descrição, oralidade, colorido e não propriamente o jogo verbal e o arrebique desnecessário de que o gongorismo tanto gosta. Ou seja, a base coloquial das histórias, sequenciais e entrecruzadas, implica uma certa repetição, e até, por vezes, alguma redundância, que estranhamos talvez, afeiçoados que estamos hoje à concisão dos referidos Cardoso Pires e Carlos de Oliveira. Mas todas as obras são unidades sistémicas, definem a sua coerência e organizam-se em função disso. Importante é saber se conseguem mantê-la, ou não. Ora, também a este nível, Raiz comovida é irrepreensível. E se pensarmos na obra de alguns dos nossos maiores (Aquilino Ribeiro, Tomaz de Figueiredo, até mesmo Camilo Castelo Branco) encontramos gongorismos bem mais assumidos e desenvolvidos, e nem por isso as consideramos menos.<br />
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<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://1.bp.blogspot.com/-dVrDiZStT5g/Vsm5rEe_KOI/AAAAAAAAIcg/jKTAePEAjAo/s1600/transferir%2B%25283%2529.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://1.bp.blogspot.com/-dVrDiZStT5g/Vsm5rEe_KOI/AAAAAAAAIcg/jKTAePEAjAo/s320/transferir%2B%25283%2529.jpg" /></a></div><br />
3. Por outro lado, ao relê-lo, tive várias vezes a sensação de uma injustiça. E, chegado ao fim, essa sensação reforçou-se. A obra teve o seu sucesso, ao tempo, é certo, mas o facto de manter a sua qualidade intacta ao fim de todos estes anos, mostra que ela tem todas as condições para se transformar num clássico. Ou melhor, já é um clássico, e estou certo de que o será cada vez mais. E a injustiça está precisamente aqui, não se compreendendo, portanto, o silêncio que se fez sobre ela, e que continua a fazer-se, quando é certo que a sua reedição, com a qualidade que agora tem, devia ser motivo para muito maior projeção e divulgação. É estranho que nada se diga sobre esta obra quando tanto se diz sobre outras que, dentro de alguns anos, provavelmente ninguém lerá. Há mistérios na nossa vida intelectual e literária que são difíceis de entender. Ou que talvez se entendam se desprezarmos a qualidade literária – único critério que de facto interessa mas à qual nem todos chegam – e pensarmos em mesquinhices paróquias de natureza político-partidária.<br />
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O plano da edição das Obras Completas de Cristóvão de Aguiar, cujo 2º volume – Amor ilhéu, saiu juntamente com o primeiro, vai continuar, com a promessa de uma edição de 13 volumes. Esperemos que o projeto vá até ao fim com a qualidade destes dois primeiros, e que possa beneficiar da divulgação que merece, porque, como diz Mário Mesquita na contra-capa deste primeiro volume, «Cristóvão de Aguiar é um dos principais responsáveis pela afirmação cultural dos Açores após o 25 de Abril». E mais do isso, a sua prosa é de uma qualidade, de uma vivacidade e duma riqueza que constitui, ou deveria constituir, uma referência entre os nossos bons escritores do século XX. <br />
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João Boavida<br />
JOSÉ FANHAhttp://www.blogger.com/profile/06929923926500941662noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-3658260320935928832.post-1205519566929238392015-12-28T14:54:00.000+00:002016-01-01T12:22:22.932+00:00 Meu nome é vermelho<div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on">
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<a href="http://2.bp.blogspot.com/-wylH0apPx0o/VoFJtdFuqqI/AAAAAAAAAkg/4dQHoh07D_s/s1600/Pamuk.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="320" src="http://2.bp.blogspot.com/-wylH0apPx0o/VoFJtdFuqqI/AAAAAAAAAkg/4dQHoh07D_s/s320/Pamuk.jpg" width="260" /></a></div>
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<i> …</i></div>
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<i>Procurar imitar o mundo através da pintura parece-me desonroso. Eu ressinto-me disto. Mas há um inegável fascínio nas pinturas que eles produzem com os novos métodos. Eles representam o que os olhos vêem como os olhos as vêem. De facto, eles pintam os que os olhos vêem, enquanto que nós pintamos o que nós olhamos. Ao contemplar os seus trabalhos, percebemos que a única forma de imortalizar uma face é através do estilo dos ocidentais. E não são só os habitantes de Veneza que já foram convencidos por esta noção, mas todos os alfaiates, talhantes, soldados, párocos e merceeiros de todo o Ocidente. Eles têm os seus retratos representados desta forma. Um breve olhar nestes retratos e também nós quereríamos nos ver retratados desta forma, pois queremos acreditar que somos diferentes de todos os outros, um único e particular ser humano. Retratar pessoas, não como a mente as percebe, mas elas são realmente vistas pela vista desarmada, é a possibilidade que o novo método nos permite. Chegará um tempo onde todos pintarão como eles o fazem. Quando a pintura for mencionada, o mundo pensará necessariamente na pintura dos ocidentais. </i></div>
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<i>…</i></div>
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<i>Qualquer um que pense que um artista assemelha-se à pintura que ele pinta, não me compreende e aos meus mestres artistas. O que nos expõe não é tema que nos foi encomendado, mas as sensibilidades implícitas que nós imprimimos ao tema. A luz que parece radiar do interior da pintura, uma palpável dúvida ou rancor que se nota na composição das figuras, cavalos e árvores, o desejo e a tristeza que emana de um cipreste quando este atinge os céus, a resignação sincera e a paciência que imprimimos quando ilustramos os ladrilhos de parede com um fervor que convida à cegueira … Sim, estes são os nossos traços escondidos, não aqueles cavalos idênticos todos em linha. Quando um artista representa a fúria e a velocidade de um cavalo, ele não pinta a sua fúria e a sua velocidade; ao procurar pintar um cavalo perfeito, ele revela o seu amor pela riqueza do mundo e do seu criador, exibindo todas as cores da paixão pela vida - apenas isto, nada mais. </i></div>
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<i>…</i></div>
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<i>Fosse este livro completo e enviado, os artistas de Veneza o ridicularizariam e o seu escárnio chegaria ao Doge de Veneza. Eles dar-se-iam conta que os Otomanos haviam deixado de ser Otomanos e não mais nos temeriam. Quão maravilhoso seria se nós pudéssemos persistir no caminho dos antigos mestres! Porém ninguém quer seguir este caminho, nem Sua Excelência O Nosso Sultão, nem o Senhor Negro - que está melancólico por não ter um retrato da sua Shekure. Neste caso, nós nos resignaremos a copiar, como macacos, século após século, os Europeus. Orgulhosamente nós assinaremos os nossos nomes na nossa arte de imitação. Os antigos mestres de Herat procuraram pintar o mundo segundo os olhos de Deus, e para ocultar a sua individualidade eles nunca assinaram os seus nomes. Vós, não obstante, estão condenados a assinar os vossos nomes para ocultar a vossa ausência de individualidade. Porém, não há alternativa. Cada um vós foi convocado, e o estão a me esconder: Akhar, Sultão do Hindustão, está distribuindo dinheiro e benesses, tentando juntar na sua corte os artistas mais talentosos do mundo. É evidente que o livro para celebrar o milénio do Islão não será compilado aqui em Istambul, mas num atelier de Agra. </i></div>
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<i>…</i></div>
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<i>Ohran Pamuk</i></div>
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Um livro magnífico do autor turco, Orhan Pamuk, Prémio Nobel da Literatura de 2006. Um conjunto de dezanove vozes, que se exprimem na primeira pessoa, e que incluem um cadáver, o diabo, um cão, e o pigmento vermelho que dá título ao livro. Um livro que nos expõe enfaticamente à riqueza cultural do Império Otomano, tão singularmente situado entre o Ocidente e o Oriente. A Istambul do Inverno de 1591 é o palco desta trama barroca que envolve dois assassinatos e a colisão estética e filosófica da arte dos iluminaristas muçulmanos com a arte ocidental, que então já absorvera completamente as técnicas de perspectiva da Itália renascentista.</div>
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O fio condutor desta narrativa profundamente humana e reflexiva é a encomenda secreta do sultão, Murat III, de um livro ilustrado pelos seus mais hábeis artistas para presentear o Doge de Veneza. Pretendia o sultão celebrar o primeiro milénio da Hégira (a fuga de Maomé de Meca para Medina em 622 D.C.) e demonstrar, através do livro, a riqueza do Império Otomano e a superioridade do mundo islâmico. A encomenda encerrava no entanto, uma exigência invulgar: o sultão deveria ser retratado segundo as técnicas ocidentais da perspectiva. </div>
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A exigência do sultão desencadeia um conflito entre os artistas que defendem a manutenção das técnicas tradicionais de ilustração chinesa-mongol-persa-otomana de retratar a realidade segundo os olhos de Alá, e os artistas que trabalhavam sem reservas no livro. Quando um dos artistas é assassinado, a intriga se transforma num thriller de caça ao assassino, mas também numa análise histórica acerca o sentido da manutenção de uma filosofia de retratar o mundo cujo sentido último era vislumbrar a eternidade e cuja virtude maior dos seus executantes jazia na capacidade de copiar os antigos mestres sem que no processo se evidenciasse um estilo pessoal. </div>
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Decorre simultaneamente à trama envolvendo os artistas, o pungente caso de amor entre Negro, um artista que regressa a Istambul após doze anos de ausência, e a bela Shekure, relação esta intermediada pela judia analfabeta, Esther, profissional na “arte” de unir pares e compreender as complexas nuances dos sentimentos amorosos. Estas personagens femininas propiciam um contraponto precioso, pois têm “um olho no livro e outro fora dele”. </div>
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Um livro estatisticamente exuberante que espelha com cores vivas as radicais diferenças entre duas culturas, e que encerra grandes momentos de lirismo, meta-literatura, história, da dura sociologia de submissão e abuso nos ateliers de artistas, e uma ampla dimensão reflexiva sobre os grandes vectores da vida. </div>
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Orfeu B.<br />
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<a href="http://4.bp.blogspot.com/-f3sD_htP7lo/VoFJyztWoDI/AAAAAAAAAko/GbbAc5T3h8g/s1600/Ottoman2.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="http://4.bp.blogspot.com/-f3sD_htP7lo/VoFJyztWoDI/AAAAAAAAAko/GbbAc5T3h8g/s1600/Ottoman2.jpg" /></a></div>
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<a href="http://4.bp.blogspot.com/-z0HQYvESzm0/VoFJ5I8tBhI/AAAAAAAAAk0/szIuLHq8Tjk/s1600/Red.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="312" src="http://4.bp.blogspot.com/-z0HQYvESzm0/VoFJ5I8tBhI/AAAAAAAAAk0/szIuLHq8Tjk/s320/Red.jpg" width="320" /></a></div>
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Orfeu B.http://www.blogger.com/profile/11470371589888576962noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-3658260320935928832.post-37047332874993762332015-12-19T18:58:00.002+00:002015-12-19T19:00:18.385+00:00O MERGULHO NA ESTRANHEZA<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="http://2.bp.blogspot.com/-TX7trPKas4w/VkzpuypjkrI/AAAAAAAAIOY/ipavTxH1-5Q/s1600/download.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="http://2.bp.blogspot.com/-TX7trPKas4w/VkzpuypjkrI/AAAAAAAAIOY/ipavTxH1-5Q/s320/download.jpg" /></a></div><br />
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Peter Carey, premiado escritor australiano, escreveu um delicioso livrinho publicado há tempo pela Tinta da China e intitulado "O Japão é um lugar estranho". <br />
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O livro de Peter Carey era um repositório de situações estranhas. O livro de Ricardo Adolfoque pode perfeitamente ser alinhado ao lado de Carey, na mesma prateleira, embora o primeiro seja uma espécie de reportagem e o segundo uma obra de ficção. <br />
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Mas ambos abordam a vida dos japoneses nessa imensa metrópole que é Tóquio, num Japão que foi arrasadpo pela Guerra e onde, dizem,-me, houve um corte radical com o passado, para se construir um presente onde a importação de tradições e hábitos ocidentais se faz de forma completamente arbitrária e estranha para um leitor desavisado como é o meu caso.<br />
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Ricardo Adolfo é um escritor nascido em Angola, e que viveu vários anos num dos subúrbios do Concelho de Sintra. Conhece e usa brilhantemente a forma de falar e de pensar dos jovens desses bairros. Escreveu 3 ou 4 romances muito ineteressantes dos quais saliento "Mizé, antes galdéria que normal e remediada".<br />
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Ricardo Adolfo foi viver para o Japão e dá-nos agora uma imporessionante descrição do quotidiano, da forma de viver e pensar dos japoneses de um subúrbio de Tóquio.<br />
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A ironia começa porque o narrador do livro descreve um subúrbio de Tóquio a partir de uma linguagem típica do habitante de um subúrbio de Sintra. <br />
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No início explica-nos muito vagamente que seria um pequeno marginal com problemas repetidos com a polícia portuguesa e que ao mudar de país procura também mudar de vida e integrar-se na vida normal dos japoneses, o que inclui comprrender de que é que consta essa vida, até casar-se com uma japonesa que parece ter preocupações muito longínquas de uma portuguesa do mesmo escalão.<br />
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De surpresa em surpresa vamos caminhando apaixonadamente pela prosa do autor, tentando arrumar um puzzle de peças difíceis de entender aos olhos de um ocidental impreparado e explicadas pelo olhar amalandrado do Cacém ou do Algueirão que é o do narrador.<br />
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Não se pode falar exactamente de romance mas de uma sequência algo frenética de histórias e acontecimentos hilariantes que foram publicados como crónicas na revista Sábado. <br />
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Talvez nem tudo seja verdade. A leitura deixa-nos frequentemente na possível fronteira entre ficção e realidade. O resultado é sempre ou quase sempre muito divertido.<br />
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Desde a naturalidade com que as pessoas dormem no emprego, passando pelo Natal do qual, segundo o narrador, os japoneses apenas retiveram a ideia de amor e, assim, torna-se quase obrigatório passar o dia 25 de Dezembro com uma parceira num Motel de encontros ocasionais, até ao protesto da jovem esposa por o marido não ter uma amante, facto que a desvaloriza aos olhos da comunidade.<br />
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Li o livro num ápice como me tem acontecido com as obras do autor. É uma escrita talvez única n nossa literatura actual. Uma escrita que vale muito a pena ler.<br />
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<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="http://3.bp.blogspot.com/-_jT4GcKSSSw/VkzqEE7lxEI/AAAAAAAAIOg/zIOiDk98G2A/s1600/download%2B%25281%2529.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="http://3.bp.blogspot.com/-_jT4GcKSSSw/VkzqEE7lxEI/AAAAAAAAIOg/zIOiDk98G2A/s320/download%2B%25281%2529.jpg" /></a></div>JOSÉ FANHAhttp://www.blogger.com/profile/06929923926500941662noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-3658260320935928832.post-81423662691696053962015-12-10T20:01:00.001+00:002015-12-13T15:56:00.660+00:00Caminhada <div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on">
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<a href="http://4.bp.blogspot.com/-mTpoxPu2Eu0/VmnXHfiHhhI/AAAAAAAAAkQ/r5dzI7vqVgc/s1600/Henry_David_Thoreau.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="320" src="http://4.bp.blogspot.com/-mTpoxPu2Eu0/VmnXHfiHhhI/AAAAAAAAAkQ/r5dzI7vqVgc/s320/Henry_David_Thoreau.jpg" width="259" /></a></div>
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<i>A vida harmoniza-se com a terra selvagem. O mais vivo é o mais selvagem. Como o selvagem ainda não se rendeu ao homem, a terra retempera-o. Quem avança incessantemente e nunca descansa dos seus afazeres, quem se desenvolve depressa e exige coisas infinitas à vida encontra-se eternamente numa nova terra ou numa zona selvagem, rodeado pela matéria-prima da vida. É como se trepasse aos troncos derrubados das árvores da floresta primitiva. </i></div>
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<i><br /></i></div>
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<i>Para mim, a esperança e o futuro não nos campos relvados nem nas terras de cultivo, nas cidades nem nas vilas, mas nos impenetráveis pântanos de solo instável …</i></div>
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<i>A minha boa disposição é proporcional à desolação exterior. Dêem-me o oceano, o deserto ou a natureza selvagem! No deserto o ar puro e a solidão compensam a ausência de humidade e a aridez … </i></div>
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<i>Henry David Thoreau</i></div>
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<i>Caminhada</i> é a derradeira exposição de Thoreau (1817 - 1862) sobre a sua relação íntima e privilegiada com a natureza. Resultado das inúmeras palestras proferidas sobre a temática, <i>Caminhada</i>, faz parte do legado de cerca de 20 obras que o autor do seminal <i>Walden ou a Vida nos Bosques</i> e do influente <i>Desobediência Civil</i> nos deixou. O pensamento de Thoreau está inevitavelmente associado ao naturalismo, à ecologia, ao abolicionismo militante e ao ativismo anti-impostos. Em essência, o que Thoreau nos propõe, retórica e pragmaticamente, é um retorno à simplicidade de uma existência vivida no seio da natureza intacta. A visão de Thoreau para além de precursora dos movimentos ecologistas modernos, contém também uma advertência sobre os perigos da industrialização, que embora ainda incipiente nos Estados Unidos do seu tempo, já prenunciava o aparecimento de uma mentalidade socialmente marcada pelo materialismo e pelo egotismo.</div>
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Politicamente, Thoreau defende que contra um estado injusto e opressor, o indivíduo tem o dever de demonstrar a sua oposição, pacífica e racionalmente, pensamento que influenciou indelevelmente personalidades como Tolstói, Gandhi, e Martin Luther King Jr. Thoreau é, no entanto, um realista que almeja antes uma melhoria da governação do que a sua radical substituição; e por ser um anarquista individualista defende que: "O melhor governo é o que não governa. Quando os homens estiverem devidamente preparados,terão esse governo”. Mas para lá chegar, Thoreau advoga uma vida afastada da sociedade e uma viagem interior através de uma existência reduzida ao essencial e em liberdade de modo a responder às verdadeiras questões da vida.</div>
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Assim, por entre bosques, colinas, ribeiras e pântanos, a leitura deste livro possibilitará o leitor ter um magnífico vislumbre da personalidade de um indivíduo que colocou a liberdade de seu espírito acima das ideias consensuais do seu tempo e que abdicou conscientemente das conveniências materiais que estas lhe poderiam ter propiciado.</div>
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Orfeu B. </div>
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<a href="http://4.bp.blogspot.com/-J51evxT9-AE/VmnXECtQrJI/AAAAAAAAAkI/V07eiszMCdo/s1600/Caminhada.jpeg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em; text-align: center;"><img border="0" src="http://4.bp.blogspot.com/-J51evxT9-AE/VmnXECtQrJI/AAAAAAAAAkI/V07eiszMCdo/s1600/Caminhada.jpeg" /></a></div>
</div>
Orfeu B.http://www.blogger.com/profile/11470371589888576962noreply@blogger.com0