terça-feira, 25 de março de 2014

Mr Malamud, boy, you are good!!!!!

Sou mesmo “distraído”...Sempre associei o prémio PEN/Faulkner para romancistas ao grande William Faulkner (que faz parte da minha tetralogia sulista em conjunto com a Carson MCCullers, a Flannery O'Connor e o Erskine Caldwell).
Adoro a arte de bem escrever um conto e sabia da existência do prémio PEN/Malamud para autores de contos (entre os quais estão alguns dos meus contistas favoritos), mas a “distração” nunca me permitiu associar Malamud a um excelso autor de contos...tudo mudou quando vi este “O Barril Mágico” na livraria (não vou dizer porque seria publicidade encapotada)....
Na capa do livro que estou agora a ler (“A walk on the wild side-vidas perdidas” de Nelson Algren) há uma citação do Hemingway: “Mr. Algren, boy, you are good”.
Fazendo minhas as palavras do Hemingway: “Senhor Bernard Malamud, bolas rapaz, o senhor é mesmo muito, mas mesmo muito, bom!”. Os meus elogios podem ser suspeitos, mas na capa de “O Barril Mágico” encontramos uma citação da Flannery O'Connor (ver acima) espantosa: “Descobri um autor de contos que é melhor em absoluto, inclusive melhor do que eu”. Eu desculpo tudo à Flannery, mesmo esta citação um bocadinho pouco humilde, mas concordo plenamente que o Bernard Malamud é um dos melhores contistas em absoluto (com o Tchekov, a Flannery, o Raymond Carver, etc).
Na badana temos a seguinte informação que nos ajuda bastante a compreender a obra de Malamud:
(...) Filho de emigrantes judeus russos, Malamud cresceu durante os anos da Grande Depressão em Brooklyn, Nova Iorque, onde os seus pais eram proprietários de uma pequena mercearia de bairro. É na sua experiência pessoal neste ambiente fechado e miserável (…) que o escritor se inspirará, para descrever nas suas histórias um mundo feito de mediocridade, de falhanços quotidianos, de incompreensões, de dívidas por saldar – materiais e espirituais -; mas ao mesmo tempo, de momentos de ternura, de profunda ironia, comiseração e melancolia que assaltam a experiência existencial do homem contemporâneo”.
Malamud oferece-nos em cada conto um lugar sentado (num banco daqueles pequeninos; este não é um universo de sofás); é como se nos endereçasse um convite a assistir a uma pequena dramatização de episódios/histórias dos personagens. Somos convidados a partilhar a existência do outro, mas sem nunca nos sentirmos intrusos nas suas pequenas lojas, mercearias, alfaiatarias, quartos, casas.
A galeria de personagens é impressionante: Sobel, o ajudante de sapateiro apaixonado; Kessler, o reformado acossado; Mitka, o escritor falhado; Manischewitz, o alfaiate que tudo perdeu e o “anjo?” Levine; Carl Schneider, o homem à procura de casa em Roma (alguns contos reflectem a estadia do autor em Roma); Rosen, o homem que queria ajudar uma mulher; Tommy Castelli, o lojista ingénuo e de bom coração; Henry Levin, o apaixonado que não quis ser judeu; George Stoyonovich, o rapaz com cem livros por ler. Willy Schegel e a conta por pagar; Fidelman perseguido em Roma pelo “sem abrigo” Susskind; Lieb, o pasteleiro, e o seu amigo Kobotsky; Leo Finkel, o futuro rabino à procura de noiva.
Acabamos o livro e apetece-nos continuar a conviver com estas personagens. Uma alternativa seria ler o livro de novo. Mas, há a Amazon! Aleluia! Encomendei com carácter de urgência (e com envio por serviço ultra-rápido/urgente) as “Complete stories” e pude assim continuar no meu banquinho!


Acredito que o Hemingway terá dito algures e a alguém: ““Mr. Malamud, boy, you are good”.“

quinta-feira, 20 de março de 2014

A ESCRITA ENCANTATÓRIA DE ISABELLE EBERHARDT

É sob o efeito da escrita encantatória de Isabelle Eberhardt (1877-1904) que escrevo estas linhas, embora esteja ciente da dificuldade de transmitir a emoção que as suas “Histórias da Areia” (editadas por Sistema Solar) me provocaram. Isabelle é uma suíça de língua francesa, descendente de russos que se fixaram na região de Genebra. Ela e sua mãe, sedentas de uma liberdade que não encontravam na Europa, partem para Argel, onde fixam residência. Aníbal Fernandes (AF), em prefácio à obra, fornece-nos alguns elementos necessários ao enquadramento da vida e da obra de Isabelle na antiga colónia francesa da Argélia. Vida aventurosa, em que ela se veste com as roupagens de um beduíno, o que lhe permite uma liberdade de movimentos só acessível aos homens. Adquire um nome árabe, domina a língua árabe, converte-se ao islamismo. Gradualmente vai se transformando num ser livre. Livre em todos os aspectos, no amor inclusivamente: quando um homem a atrai, entrega-se total, ardentemente. Apaixonada pelo deserto, percorre-o permanentemente. E, desta peregrinação, nascem muitos dos seus contos, eivados de luz, de cor, de fogo – de poesia. Escrita no feminino, que, na perspectiva europeia, se poderá enquadrar no que ficou conhecido pela designação genérica de movimento modernista (que, em Portugal, teve, em minha opinião, a sua expressão mais alta em Mário de Sá-Carneiro). Do prefácio de Aníbal Fernandes, cito alguns textos de Isabelle, que nos poderão fornecer pistas sobre a sua vida e obra. Assim, ao referir-se à sua vida de vagabundagem, diz: “Uma vez mais a vida beduína fácil, livre, embaladora, tomou conta de mim para me inebriar e amolecer.” E, ao falar da sua posição perante a sociedade, esclarece-nos: “Não sou política nem agente de nenhum partido, pois acho que todos de igual forma se enganam. Sou apenas uma extravagante, uma sonhadora com o desejo de viver longe do mundo, de viver uma vida livre e nómada para contar o que vê e à frente do triste esplendor do Sara conhecer, talvez, o melancólico e enfeitiçado estremecimento.” Aníbal Fernandes acrescenta mais adiante: “Naquela vida agitada existia um escritor incansável, espalhado por diários, por impressões de viagem, pensamentos e histórias. ‘Escrevo porque gosto de progredir na caminhada da criação literária’, deixou registado num dos seus papéis: ‘escrevo como amo, porque talvez seja este o meu destino. É o meu único e verdadeiro consolo’.” E continua Aníbal Fernandes: “(...) morte que nunca a assustou, a benfazeja, a que inspira aos muçulmanos esta saudação: «Faça-te Deus morrer jovem.» Ela própria reconhece-o nesta frase: ‘A morte sempre me surgiu com a forma atraente da sua imensa melancolia.’” Em 1904, com a idade de vinte e sete anos, morre Isabelle Eberhardt, esmagada pelos escombros da sua casa de argila, que se desmoronou durante uma tempestade. Deve-se ao General Lyautey, governador francês da colónia, a salvaguarda dos seus manuscritos, tal era a sua admiração por esta sua opositora, bela, pura, independente. Manuscritos e histórias que publicou em jornais argelinos, constituem o seu espólio, que só muito mais tarde foi valorizado e publicado. A título de exemplo, transcrevo a parte final do conto “O Paraíso das Águas”: “O dia de fogo apagava-se na irradiação da imensa planície e das colinas. Para lá dos sebkha de sal as tamarineiras acenderam-se como grandes velas negras. De novo o mueddine clamava o seu apelo melancólico. O Vagabundo estava agora completamente acordado. Os olhos com pálpebras magoadas e pesadas abriam-se com avidez ao esplendor da noite. De repente uma tristeza infinita desceu-lhe ao coração. Foi invadido por saudades infantis. Estava sozinho, sozinho neste canto da terra marroquina, e sozinho em todo o lado onde tinha vivido, em todo o lado para onde alguma vez fosse. Não tinha pátria, não tinha lar, não tinha família nem sequer amigos. Passara como um estranho e um intruso, despertando apenas a reprovação e o afastamento. Naquela hora sofria longe de todo o auxílio, entre os homens que assistem impassíveis à ruína de tudo que os rodeia e cruzam os braços perante a morte, a doença, dizendo: Mektub. Em nenhum ponto da terra havia um ser humano a pensar nele, a sofrer com o seu sofrimento. O coração do Vagabundo apertou-se terrivelmente, e dos olhos correram-lhe lágrimas. Mas mais lúcido, acalmado, sentiu desprezo pela sua fraqueza e sorriu. Se estava só, não era por tê-lo desejado nas horas conscientes em que o seu pensamento se elevava acima dos sentimentalismos do coração e da carne, de igual modo enfermos? Estar só era estar livre, e a liberdade era a única felicidade acessível à natureza do Vagabundo. Disse então a si próprio que a sua solidão era um bem; e à sua alma desceu uma grande paz melancólica e suave. Um sopro quente levantou-se na direcção do Oeste, um sopro de febre e angústia. A já cansada cabeça do Vagabundo voltou a cair no travesseiro. O seu corpo aniquilava-se num torpor quase voluptuoso. Os seus membros ficavam leves, moles, como se tivesse a pouco e pouco deixado de existir. A noite de Verão escura e estrelada desceu no deserto. O espírito do Vagabundo abandonou o corpo e levantou voo para sempre, rumo aos jardins encantados e às grandes e azulíneas lagoas do Paraíso das Águas. Nota: Este conto é a adaptação de dois textos que Isabelle Eberhardt escreveu sobre a sua própria experiência da febre, aqui transferidos para a personagem do Vagabundo. Na sua primeira versão, a voz do narrador é a do próprio autor. (A.F.)” Com este texto, não pretendo esgotar a beleza, a subtileza, a sensualidade da escrita de Isabelle Eberhardt, mas apenas chamar a atenção para algo que é essencial na sua vida conturbada: a escrita “talvez seja o meu destino. E o meu único verdadeiro consolo.”

domingo, 16 de março de 2014

Zetética


Zetética é a ciência que investiga formas de organizar a informação e usa-la criativamente. Foi sugerida e desenvolvida pelo engenheiro, inventor  e professor de engenharia electrotécnica da Universidade de Illinois, Joseph Tykociner (1877-1969). Tykociner, um judeu polaco que imigrou para os Estados Unidos em 1905, construiu neste país a sua reputação como inventor e tem o seu nome associado à invenção do cinema de animação sonora. Em 1959, Tykociner publicou o seu primeiro escrito sobre zetética e a sua perspectiva era a de criar um processo de investigação da informação que permitisse aumentar o corpo do conhecimento, uma visão extremamente contemporânea e com claras ligações à World Wide Web.

Etimologicamente, o termo zetética tem origem na palavra grega zetetikos, que significa procurar ou inquirir. Na Grécia antiga, os filósofos da escola céptica eram designados por Zetéticos ou investigadores. O pioneiro da álgebra, Francois Viete, usava, em 1590, a palavra para designar as quantidades conhecidas e desconhecidas numa equação. Alguns dicionários referem-se à Zetética, no contexto matemático e filosófico, como o conjunto de preceitos para solucionar um problema ou investigar as causa de alguma coisaHá também derivações algo nocivas do termo que o utilizam para designar cepticismo relativamente ao saber científico, investigação do paranormal e perspectivas heterodoxos da ciência e da filosofia.  

Tykociner, atribui à palavra zetética o sentido de uma metodologia, o método zetético, que consistia no processo de organizar o conhecimento adquirido segundo uma matriz e utiliza-la para obter a informação desejada num dado contexto bibliográfico. Mas para Tykociner, a Zetética era mais que uma ferramenta para bibiotecários, porque permitia a ampliação de horizontes ao arquivar e sistematizar o conhecimento segundo os métodos de investigação que foram utilizados na sua obtenção, os meios de  produção artística, os processos mentais, os factores psicológicos e as condições ambientais de modo a dar origem a novos problemas, estimular a imaginação criativa, guiar o pensamento selectivo, e dar origem a ideias frutíferas e originais. Tal organização incluiria como material factual básico toda a informação concernente à origem das descobertas, invenções, trabalhos de arte, e grandes sistemas filosóficos. Sistematização que teria sempre como objectivo aperfeiçoar os métodos de inquirição, através da expansão do escopo da metodologia científica, e identificar no corpo do conhecimento as lacunas que propiciassem a formulação de novos problemas.  

O opúsculo "Taxiology of the Pictorical Knowledge" que aqui apresentamos, sintetiza as principais ideias de Tykociner contidas no seu "Outline of Zetetics" de 1966. Os editores dizem-nos: "Este volume é a chave que abrirá ao leitor a porta para o mundo encantado do conhecimento. Ao longo das páginas desse volume, o leitor encontrará em palavras e fotografias a fascinante história do nosso progresso, do passado distante, quando os nossos ancestrais fizeram as primeiras descobertas, até os nossos tempos, quando novas maravilhas estão a ser reveladas por meio do trabalho dos nossos cientistas." A obra contem uma quinzena de páginas, onde nos é exposto o principal das ideias de Tykociner, e estas são ilustradas com cerca de duas centenas de fotografias que visam ilustrar os aspectos associativos e metodológicos da Zetética. 

A leitura do breve texto não permitiu, ao autor que agora escreve, atingir um grau de entendimento muito profundo sobre as propostas de Tykociner, porém ele não pode deixar de exprimir o seu deleite relativamente à compilação de fotografias e a riqueza de ideias e associações que elas engendraram.  

Quanto à proposta Zetética, o autor destas linhas tem a sensação de ter sido um zetético desde sempre. 


                                                          
Orfeu B.


sábado, 8 de março de 2014

BIBLIOTECA DE BABEL - LEOPOLDO LUGONES


A Biblioteca de Babel (no original, La biblioteca de Babel) é um conto de Jorge Luis Borges, inserido no livro Ficções ,e fala de uma biblioteca infindável, onde est+á guardada unma infinidade de livros.

O narrador, um dos muitos bibliotecários, supõe que os volumes da biblioteca contêm todas as possibilidades da realidade. Alguns não fazem o menor sentido, ou se fazem é numa língua há muito desconhecida. Outros são meras repetições de uma mesma palavra. Busca-se incessantemente alguém que saiba decifrar as mensagens contidas nos misteriosos volumes e que seria o correspondente a um Deus.

Entre as várias interpretações possíveis do conto de Jorge Luis Borges, uma afirma tratar-se de uma metáfora em que mundo e literatura se confundem. Apollinairee

Ler um texto é tentar decifrá-lo, mas se considerarmos que o próprio mundo está impregnado de linguagem, a própria realidade pode ser considerada como uma grande biblioteca cheia de textos à espera de quem os decifre.

A Biblioteca de Babel pode ser entendida como uma metáfora para a Sociedade da Informação.

Borges, entretantdo, dirigiu uma famosa colecção intitulada "A Biblioteca de Babel" onde publicou uma série de textos e contos fantásticos de autores diversos como Edgar Alan Poe, Papini, Stevenson, Apollinaire, Melville, Chesterton, etc, etc.

Essa colecção já começou a ser editada por duas vezes em português. A primeira pela Vega. A segunda pela Presença

O primeiro dos livros a ser publicado pela Vega foi "Os cavalos de Abdera" de leopoldo Lugones. Há anos que andava por aí à espera que eu lhe pegasse. E zás! Finalmente lá foi. E ainda bem. Como quase todos os textos desta colecção é uma delícia.




Segundo Borges, cada geração de grandes escritores ressuscita a sua própriua genealogia.

Os autores desta colecção são justamente o exemplo disto. Com eles vai Borges construindo a sua genealogia, a sua família de escritors, alguns dos quais menos conhecidos, todos eles movendo a sua escrita no campo do fantástico, do estranho, daquilo a que eventualmente dessa literatura pura que se situa no espaço do espanto, do arrepio, do deslumbre.

Leopoldo Lugones (1874-1938, argentino, pertence a essa família de escritores. A seu espaço é o de uma escrita barroca, de uma beleza inquietante, de um excesso que nos envolve e conduz como se nos atirasse para um precipício sem fundo para onde nos acabamos por nos deixar conduzir fascinados. E se de início as suas histórias são estranhas, ficamos rapidamente presos a esse excesso de linguagem que se espraia num delírio alucinante e envolvente que nos deixa um sabor amargo na boca quando, de súbito, o autor decide terminar a sua histórtia.

Lugones traz-nos literatura para mastigar. Fala de Sodoma e de acontecimentos assustadores, terríveis, apolípticos como a revolta dos cavalos de Abdera, ou conduz-nos de espanmto em espanto fazendo-nos tocar o indízível, o inacreditável, a insuportável maravilha do ledo negro e fantástiuco da realidade.

E depois, a tradução e o prólogo de de Luís Alves da Costa são simplesmente impecáveis.

Caros amigos, não hesitem. Na slivrarias não encontram mas nos alfarrabistas deve ser fácil.