quinta-feira, 22 de maio de 2014

A morte de Empedocles


Cuando esté lejos ya os hablarán por mi las flores del cielo, las brillantes estrellas, !si! y brotarán innumerables las flores de la tierra. La naturaleza con su presencia divina no necesita hablar, y una vez que se ha aproximado, ya nunca más vuelve a dejaros solitarios, pues indelebles son sus miradas y vivificante es el fuego celeste que alienta victorioso por todos los tiempos …

Habláis como insensatos a un poder que es más poderoso que vosotros; pero es en vano, y como el astro en su carrera incontenible, camina la vida hacia su perfección. ?No conocéis el lenguaje de los dioses? Yo la percebi al nacer a la vida y contemplarla, aun antes de aprender el lenguaje de los padres. 

Hoelderlin


Ao longo da sua vida adulta, o poeta romântico alemão Friedrich Hoelderlin (1779-1843), padeceu de uma precária estabilidade mental, fundamentalmente originada por uma hipersensibilidade acerca da fragilidade da condição humana e pelo desespero da busca do divino. A ausência de um sinal inequívoco de Deus, empurrou-o para a solidão e para a contemplação da Natureza. A crónica inquietação que sempre afligiu o poeta, sugere que nunca tenha sido tocado pela “felicidade do filósofo”, tão característica do pensador de quem era um ávido leitor, Espinoza. Mas na verdade, foi através da leitura do filósofo grego Empedocles, que Hoelderlin abraçou o panteísmo, e pôde assim libertar-se, ainda que nunca completamente, da sua formação de crente e seminarista. 

É no contexto do dilema da fé e do fado que aflige o eremita, que o drama teatral “A Morte de Empedocles” se desenrola. E mais marcadamente, na conclusão de que a loucura de se julgar divino, ou acreditar no divino, só pode conduzir ao suicídio.

Mas a iluminação que Hoelderlin encontra na vida do filósofo grego, cujo insaciável interesse pela Natureza e pela filosofia, o conduz à arrogância ou loucura de considerar-se divino, é na verdade mal disfarçada, pois por vezes o seu Empedocles, exprime-se como Jesus Cristo, embora a identificação não seja plena. 

E é inevitável que assim o seja, pois o poeta, em oposição ao crente, procura o divino através de “pistas” dispersas na Natureza: nos rios, árvores, jardins, montanhas e vales, nos heróis e na nobreza dos sentimentos, sendo assim também um desterrado do mundo dos homens. Nesta perspectiva, a morte do filósofo que se lança nas entranhas de um vulcão é um gesto subjectivo e portanto opaco no seu significado. Em oposição, a visão evangélica da morte do filho de deus almeja a interpretação universal de um pretenso gesto de sacrifício maior, o que do ponto de vista lógico é absurdo, pois foi orquestrado pelo próprio deus. 

Parece-me ser uma especulação interessante supor que as três versões que Hoelderlin apresentou do drama, e sua declarada insatisfação relativamente ao resultado final, têm muito a dever à precariedade da lógica evangélica e a incapacidade do poeta em resolver a questão essencial de identificar ou de separar os dois personagens. 

Naturalmente, uma leitura contemporânea deste drama permite-nos encarar esta ambiguidade como uma das suas maiores virtudes. De facto, parece-nos justo afirmar que a ansiedade desesperada que motivava os poetas românticos na busca das verdadeiras respostas é a mesma que move os leitores pós-modernos na busca das verdadeiras perguntas.  


Orfeu B.











quinta-feira, 15 de maio de 2014

BOM DIA SENHOR ESCRITOR


Álvaro Laborinho Lúcio é um homem com um currículo excepcional que inclui a direcção do Centro de Estudos Judiciais, o cargo de Ministro da Justiça e o de Juiz do Supremo Tribunal de Justiça

Figura grande na sua dimensão intelectual, moral e ética, grande senhor da comunicação, homem de inteligência brilhante e viva. E, por fim, devo dizer que o Àlvaro Laborinho Lúcio faz o grande favor de ser meu amigo. Cruzámo-nos muitas vezes nas voltas da vida, em palcos diversos, em defesa da cidadania. Acontece-nos aquele fenómeno que só nas grandes amizades é possível. Um de nós chama pelo outro e o outro responde imediatamente.

A vida do Laborinho está cheia de histórias. Conheceu as personagens mais estranhas e invulgares, as mais comoventes, as mais perdidas.

Agora, que está reformado, resolveu passar à escrita as histórias dessas personagens. Como quem põe em cena uma peça de teatro, criando um dédalo de espaços que, tendo entre si muitos anos de diferença, se tornam vizinhos de um mesmo palco, de um mesmo respirar, de um mesmo tempo, que é o tempo da palavra, o tempo da narrativa em que todos os tempos e todos os espaços convivem lado a lado.

"Eu não quero ser um reformado a escrever memórias." diz ele com muita convicção, "Quero ser um escritor!"

É fácil entender a diferença. O meu amigo Laborinho quer pegar na matéria da sua tão vasta vida e trabalhá-la na banca da palavra. Não quer contar o que lhe aconteceu. Quer pegar naquilo que lhe aconteceu e amassá-lo na farinha de uma arte maior até se tornar em pura literatura.

Quer ser um sapateiro das palavras. E um sapateiro é sempre um artista. Deve ser um artista. Ou melhor, o artista deve ser um sapateiro. Um cose solas e espera ver os seus sapatos a correr as ruas do m undo. O outro cose palavras e espera vê-las correr os dedos e os olhares e os corações de quem as vai ler.

"O Chamador" é um livro que conta histórias de 23 personagens, todas elas justamente convocadas ao palco da ficção pelo chamador, figura inspirada na paixão de Laborinho pelo teatro e pela extraordinária figura que vem das suas memórias da Nazaré, o velho que, pela noite, ia de porta em porta, a chamar os homens da companha para se juntarem no barco que ia fazer-se ao mar.

A escrita é envolvente, densa, complexa, cheia de ternura e de verdade, mesmo quando a verdade é dura. E tudo caminha como se a escrita envolvesse os tempos idos numa narrativa errática, dando-lhes corpo ou fazendo-os desaparecer, numa espécie de nevoeiro fantástico que os pega nas suas personagens, dando-lhes carne e sangue ou deixando-as como fantásticos fantasmas a caminhar no palco da escrita.