domingo, 12 de abril de 2009

"MEMÓRIAS DE BRANCA DIAS" de MIGUEL REAL



Acabo de ler pela 2ª vez estas “Memórias de Branca Dias”. E a emoção foi a mesma ou maior porque agora alimentada por uma conversa recente com o autor sobre a maneira como este livro surgiu.

Se à primeira leitura apenas me movia o prazer da leitura, desta vez tinha a intenção de escrever, isto é, estive a ler reflectindo simultaneamente sobre a forma de transmitir a minha emoção. E este caminho da leitura para a escrita é um caminho para dentro e para o fundo que procura consolidar uma forma de ler sem qualquer intenção de julgar ou fazer aquilo a que se chama crítica, mas dar mais espessura ao trabalho do coração.

Livro editado pela Temas & Debates e de momento infelizmente esgotado, as “Memórias de Branca Dias” são um brilhante exercício de linguagem e de recriação do ambiente do Brasil no séc XVI. Mais do que isso, é o desenho firme de uma personagem extraordinária, a Branca Dias rude, dura, forte, sensual, criada a partir de pouquíssimos elementos históricos.

Romance histórico, vai para além disso, justamente pelo exercício de construção dessa personagem fortíssima que não esquecerei por certo e onde estão presentes traços de várias mulheres que conheci.

Há por ali ressonâncias minhotas, a genica das mulheres do Minho cantadas pelo Zeca Afonso ou retratadas por Camilo Castelo Branco. Mas não só, digo eu. Há também a raiz judaica, a luta pela manutenção das antiquíssimas tradições, o confronto real, prometido ou receado, com a Inquisição. A relação justa e suficiente com os filhos, com o parir. Branca Dias põe-nos cá fora e dá-lhes meios para andar. E depois, siga a dança, que a vida é o que é e não o que nós gostávamos que fosse.

O tratamento através da ficção das raízes judaicas da história e da cultura portuguesa parece-me bem importante para tirar da sombra algo que ainda hoje para muitos se reveste de um carácter algo críptico.

Outro aspecto importante é o da relação com o outro, o índio e o negro que Miguel Real trata com o respeito pela alteridade mas sem o elogio politicamente correcto do bom selvagem. Nesse sentido, a descrição das cenas de canibalismo é seca e fala-nos de rituais comuns sem aquela adjectivação pomposa que alguns autores usam e abusam para espicaçar a emoção dos seus leitores.

Este livro é um daqueles casos em que há matéria para mais história. Ou seja, há matéria que permitiria desdobrar a narrativa em rodriguinhos e muitas historietas. No entanto, o autor exerce um exercício de contenção notável. Escreve o suficiente e o necessário. Através da escrita, abre-nos uma janela para um passado pouco conhecido e para aquela personagem fabulosa que é Branca Dias Mas o entretenimento não é o seu primeiro objectivo e, por isso, Miguel Real honra o seu ofício com uma discilina narrativa pouco comum na nossa mais recente literatura.

3 comentários:

Anónimo disse...

Sim, caro José Fanha, a Branca Dias é uma grande mulher, e o nosso Miguel tratou-a como mais ninguém seria capaz de o fazer.

Leiam! Ninguém dará o tempo por vazio.

Um grande abraço.
Filomena Marona Beja

Júlia M.V disse...

Bom dia, amigo vc sabe dizer onde eu posso encontrar esse livro? estou louca para compra-lo

JOSÉ FANHA disse...

Cara Júlia,

A 2ª edição foi publicada pela editora Quid Novi.

Penso que poderá adquiri-lo através de um dos sites de venda de livros em Portugal através da net.

tenho a certeza de que vai vibrar muito com a sua leitura.

Beijinho