sexta-feira, 23 de outubro de 2009

LETRAS PÚBLICAS VERSUS LITERATURA?



A Casa da América Latina, sita na Av. 24 de Julho, muito perto das docas do porto de Lisboa, realizou, sob o impulso do poeta e livreiro brasileiro Ozias Filho, um conjunto de recitais de poesia de poetas da América Latina. Recitais que tiveram êxito assinalável, se se tomar por medida o número dos que a eles assistiam e o fervor com que o faziam. A selecção dos poemas é do Ozias e dele também é a organização da sessão (escolha dos "diseurs" - entre os quais ele avulta -, convite a músicos que executam peças musicais dos países a que pertencem os poetas que nessa noite são lidos). O cuidado, o entusiasmo que o Ozias em tudo põe, está na origem deste sucesso. Bem haja, pois, o Ozias, por tudo o que tem feito pela Poesia!
Mas... mas estas leituras públicas contribuirão, realmente, para o incremento da literatura? Não sei, não sei mesmo. As minhas dúvidas decorrem de coisas várias. Principalmente, da postura dos que vão a essas sessões. Assim, estou em crer que os que as frequentam assumem uma atitude de espectador-consumidor, que se contenta (e se "delicia") com o que lhe é proposto. Nada questionando, nada mais querendo saber, nem sobre o autor, nem sobre a sua poesia – muito menos sobre a época, a situação histórico-literária em que foi escrita. Enfim, é alguém em estado de pura receptividade, sem qualquer postura crítica. As palmas que explodem a seguir à dicção de todo e qualquer poema, revelam bem esse estado da "plateia". O poema funciona, em última instância, como um catalisador da emoção de quem o ouve, emoção que será, na maioria das vezes, o reflexo da emoção que o "diseur" põe na sua interpretação. A passagem, sem interrupção, de um poema a outro, de um poeta ao que se lhe segue, gera um efeito de torrente de um rio caudaloso, em que a música e o calor das palmas, geram uma energia que transforma a sala num condensador de alta voltagem, o que me leva a formular, no fim de cada sessão, a mesma interrogação: quantos adoradores daquele culto poético terão, em casa, um livro de poesia? Ou, dito de outro modo: a poesia será, para eles, apenas sinónimo da interpretação que lhes é fornecida por quem a diz? Algo de epifenoménico que se esvai quando a sessão chega ao seu termo? Talvez sim, talvez, não – espero bem que não...

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