sábado, 16 de janeiro de 2010
A LITERATURA POR DENTRO
Namorei este livro durante a época natalícia. Esteve quase a fazer parte das prendas que me concedo a mim próprio com mais frequência que o bolso desejaria, quer seja Natal ou não.
Só que eu estava mais interessado em romance e pouco inclinado a esperar que estes grandes autores de romances passassem nestas entrevistas pouco mais que da banalidade das opiniões avulsas, apesar das promessas em contrário de Carlos Vaz Marques na contracapa.
A tentação venceu. Talvez a capa tenha contribuído para isso. O trabalho gráfico de Vera tavares é muitíssimo apetitoso e, como os olhos também comem, lá trouxe estas entrevistas para casa. E em boa hora porque estão para além de todas as minhas expectativas.
Primeiro ponto: as entrevistas vão direitas ao processo de trabalho dos escritores e os rios da literatura em que se enquadram, filiações, paixões.
Duas excepções por razões diferentes: a entrevista a Joge Luís Borges que navega em torno de obsessões tão distantes de nós como as particularidades do inglês e do norueguês antigos, e ainda as catadupas de autores ingleses que refere e que só serão conhecidos dos especialistas da literatura anglo-americana. mas ele próprio diz que quando começou a perder a vsão, o mundo começou a afastar-se de si.
A outra excepção é a entrevista de Jack Kerouac. Tanto ele como o entrevistador estarão razoavelmente pedrados durante a entrevista que tem momentos delirantes num mergulho que por vezes vai ao fundo e corta as ligações com o leitor, outras vezes vem ao de cima e lança uma luz inesperada sobre uma sequência razoavelmente arbitrária de assuntos com especial incidência na história e autores da chamada literatura beat.
Fiquei particularmente tocado por dois autores que (malgré moi) nunca li e que faço agora questão de ler com alguma urgência, Lawrence Durrell e E. M: Forster.
Hemingway e Capote, magníficos, fazem um belo espectáculo, cada um à sua maneira. Brilham. São dois actores a fazer o papel de si próprios e daquilo que querem que os outros pensem de si próprios. E ficam-nos deles algumas curiosidades como saber que um escrevia de pé horas a fio e o outro na cama.
Boris Pasternak parece ser uma estátua, um monumento a si próprio e a esse filão fabuloso que é a literatura russa.
Faulkner é um grande senhor da literatura. Duro. Intransigente.Certeiro. tenho de o reler.
Saul Bellow dá-nos uma abordagem complexa sobre as questões da escrita e da cultura e ainda sobre o enfoque judaico no entrelaçar destes temas.
Figura tutelar para quase todos é a de James Joyce. Os anglo-saxónicos têm-no como a fonte, a referência, a ruptura imprescindível. Fora da literatura na sua língua são muito poucas as suas refrências.
Para mim, o fundamental foi saber o que é que cada um pensava do seu próprio ofício, da arte, da articulação de ideias e emoções através da palavra, visitar o seu canto, bisbilhotar os seus gestos, os seus adornos, os seus ritmos. Deixo o pedido à editora "Tinta da China" e ao carlos Vaz marques que seleccionou e traduziu estas entrevistas: não podem publicar mais umas quantas das entrevistas da Paris Review?
Ficam-me algumas citações, marrações provisórias, bombas de profundidade que me servirão para reflectir sobre esta arte maravilhosa que é a de escrever e escrever e escrever.
" - Como é que um escritor se torna num romancista sério?
(Faulkner) Noventa e nove por cento de talento... Noventa e nove por cento de disciplina... Noventa e nove por cento de trabalho. Nunca nos podemos dar por satisfeitos com aquilo que fazemos. Nunca nada é tão bom como aquilo de que somos capazes."
"(Saul Bellow) Alguns escritores são demasiado sérios a respeito de si próprios. existe o perigo de tornar o A de artista demasiado maiúsculo. Stravinsky diz que o compositor deve praticar o seu ofício tale qual como um sapateiro. Mozart e Haydn aceitaram encomendas. No séc. XIX, o artista esperava altivamente pela inspiração. Quando alguém se eleva a si mesmo a um patamar de instituição, está metido em sarilhos."
"(Jorge Luís Borges) Não me parece que um escritor se deva intrometer demasiado no seu próprio trabalho. Deve deixar o trabalho escrever-se a si próprio, não é?"
"Lawrence Durrell) A poesia acabou por se revelar uma amante extraordinária. Porque a poesia é forma, e o namoro e a sedução da forma é a regra do jogo."
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