terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

A máquina de fazer espanhóis


Existe um tom em cada livro. Todos os autores têm uma musicalidade própria. Quando conseguimos ouvir esse som, entrar, um pouco, no ritmo do livro, ficamos viciados na narrativa. Quando acaba queremos mais, então procuramos todos os livros desse mesmo autor. Exigimos mais livros dele. Foi assim que aconteceu comigo na leitura de “a máquina de fazer espanhóis” de Valter Hugo Mãe.

É uma história passada com o barbeiro Silva de 84 anos que depois de lhe morrer a mulher, que tanto amava, é despejado num lar de idosos. O Silva que é um poeta, conhece personagens fantásticas que o levam a entrar dentro dele, afinal a sua estadia naquele depósito torna-se um momento de vida, um momento como nunca teve, pois sempre esteve fechado dentro da família. Um dos amigos que faz é Esteves sem metafísica do poema de Fernando Pessoa, que afinal está com imensa metafísica, um engano de Pessoa. A Mariasinha, uma estátua de Maria com pombinhas e nuvens que vai sendo lapidada para o gozo deste Silva e do Pereira. Anísio “doutor em arte antiga” que se apaixona por Dona Glória do linho, alias é uma das cenas mais belas do livro a cena do enamoramento entre estes dois por meio de estátuas. Este livro está cheio de ingredientes fantásticos. Valter Hugo Mãe apropriou-se duma linguagem própria desta geração e leva-nos por este lar adentro, mas também por este Portugal adentro, pela nossa história, pelo o ambiente vivido nos anos 50 e 60 com Salazar no poder, com o medo instituído, com a religiosidade ortodoxa existente, uma espécie de anestesia da realidade. Muito mais tem este livro, lê-lo é uma experiência necessária para qualquer leitor.

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