domingo, 21 de novembro de 2010

«Como quem bebe água, o homem precisa de beber sonhos.»Álvaro Cunqueiro


"O Laboratório do Dr. Nogueira"
de Augustín Fernández Paz
Agustín Fernández Paz é quase desconhecido entre nós como, infelizmente, muitos dos escritores da Galiza apesar da proximidade, da semelhança linguística e de ter alguns livros publicados em Portugal. Com "O único que queda é o Amor" ganhou, em 2008, o Prémio Nacional de Literatura Juvenil de Espanha, publicado entre nós pelas Edições Nelson de Matos” sob o título “Só resta o Amor”, infelizmente, sem as belíssimas ilustrações que acompanham a edição original.
Os professores mais atentos saberão que o “O Laboratório do Doutor Nogueira” faz parte do PNL para o Secundário. Mas publicado, numa edição de 2004, pela defunta Ambar não sei que existência terá por livrarias e bibliotecas. Fica a merecer uma reedição e um trabalho gráfico de capa que faça justiça ao conteúdo. Para lá destes fait divers o livro é uma leitura interessante para passar entre mãos de pais e filhos e um pretexto para uma bem-humorada conversa sobre leituras, em dia de avaria televisiva pois, em breve, só assim se garante conversa nas famílias.
O Dr. Nogueira é um sábio milionário e excêntrico em incansável demanda de soluções para os problemas da humanidade através da ciência, de problemas prosaicos como a falta de cabelo ou problemas mais sérios como o racismo. As suas soluções conseguem apenas um relativo sucesso pois não há males no mundo que possamos resolver sem criar outros, de igual ou maior dimensão.
Um dos problemas que sensibiliza o Dr. Nogueira é o empobrecimento da linguagem, a redução lexical que parece afectar, transversalmente, toda a sociedade. Comenta ele com Rosa, sua leal e dedicada assistente, “cúmplice” na tarefa de encontrar a felicidade e o bem-estar do género humano” e narradora do livro, o espanto de serem usados os mesmo adjectivos nas situações mais diversas: “um gelado fantástico, a beleza de um pôr-do-sol fantástico, uma melodia fantástica, a declaração amor de uma pessoa de quem se gosta também fantástica… Tudo fantástico! Onde já se viu um gelado posto ao nível de uma declaração de amor?”
O Dr. Nogueira descobre então uma brilhante fórmula para melhorar, instantaneamente, o desempenho linguístico de uma sociedade que corre o risco de passar a usar menos de cinquenta palavras ou mesmo ficar reduzida à mais pura afasia comunicativa. Descontando o exagero, às vezes caminhamos nessa direcção.
Rosa conta-nos como o empregado da padaria, que habitualmente batia à porta atirando um seco: “Bom dia. O pão e o leite”, depois da solução milagrosa do Dr. Nogueira faz a entrega dizendo: “ seis pecinhas arredondadas feitas com a farinha branca obtida dos grãos desse cereal monocotiledóneo a que chamamos trigo, convenientemente misturada com água, sal e um pouco de levedura e cozidas no forno por não mais que vinte minutos…” e continua acrescentando uma reflexão crítica sobre a quota leiteira e os efeitos da pertença à Comunidade Europeia… Três páginas de um rosário de reflexões económicas e sociológicas cheias de humor e actualidade.
Claro que o caos se instala na cidade com toda a gente a exercer tão profícua comunicação exigindo, mais uma vez, um antídoto para regresso à normalidade.
“Só se aprende com os erros querida Rosa. A tentativa e o erro assinalam o caminho que o cientista tem de percorrer…” diz o incansável Dr. Nogueira à sua entusiasta e apaixonada Rosa. Ambos não reconhecem fracassos apenas percalços no caminho de uma missão maior continuada agora na mais absoluta clandestinidade. Aguardamos os resultados. Os da leitura só podem ser excelentes.
Sílvia Alves


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