domingo, 30 de janeiro de 2011

“Que é do mar se os rios se recusam?” Stig Dagerman




“A Dança das Feridas”

de Henrique Manuel Bento Fialho.

Colecção Insónia

(edição de autor)

A poesia é uma casa imensa que, como leitores, podemos habitar a nosso belo prazer, perder-nos ou instalar-nos nos recantos mais confortáveis, escutar no silêncio as palavras e o indizível ou senti-la no calor da voz que a acrescenta de algo na magia do momento em que acontece.

Ainda há pouco tempo passei umas horas a percorrer as estantes da Centésima Página, uma livraria de Braga, na Avenida Central, enorme, polivalente, linda! As estantes com livros de poesia sobem até bem alto e é preciso escadas para lá chegar. Percorri os nomes, os títulos e muitos poemas. Encontrei aquelas edições que raramente pontuam na maioria das livrarias que põem os livros a correr como se fossem colecções de moda. Vários livros ficaram lá a guardar uma (re)visita, em breve. É sempre bom ter lugares onde podemos e queremos voltar, para rever um livro é um pretexto bom como qualquer outro.

Os livros são como roupa vintage, como vinho de boa colheita, como nascentes de água fresca… Os livros precisam de espaço, de tempo para ir ao encontro dos diversos gostos de cada leitor.

A poesia é algo que nos ancora que nos implode a dor do ruído e do ritmo alucinante dos dias. A Poesia não tem explicação, não tem definição, pode ser tudo e não ser nada. É arte de fazer música com letras. É para ouvir e sentir.

A poesia é sempre um reduto para os corações, os felizes e os infelizes, os que caminham no sentido da proximidade ou dos caminham para o afastamento. E para os perdidos, aqueles que não sabem ainda se percorrem o caminho de ida se de vinda, se estão parados… A poesia pode ser esmagadora e libertadora para nós comuns mortais que só temos uma vida para nos acertarmos. Os poetas andam há séculos a tentar o acerto das ledas madrugadas, em noites de insónia e (des)encontros fatais.

“A dança das Feridas” começa com um:

Convite

"O ser convida-se a si

próprio à terrível dança..."

Georges Bataille


“Se eu soubesse dançar

Convidava-te para um tango,

Guiava-te nos labirintos do coração.

Voaríamos sobre os campos

Como num desenho animado,

Seríamos uma ameaça

À estabilidade nacional


Se eu soubesse dançar

Inventava-te um deus novo,

Um deus que não temesse

O conhecimento do amor,

Um deus que oferecesse à carne

O esplendoroso sangue

De um vulcão vivo.//(…)”


E continua por 68 poemas de amor e morte tendo como mote históricas relações amorosas. De Adão a Eva… Arpad Szenes a Vieira da Silva… Carta do Marquês de Chamily a Mariana Alcoforado… Bella Akhmadulina a Yevgeny Yevtushenko, muito antes de ter conhecido Boris Messerer…

...De Federico Fellini a Giulietta Masina

“Entrei numa loja para te comprar
um ramo de poemas.
Disseram-me que só tinham flores,
mas eu não entendi a resposta.
Repeti que queria um ramo de poemas.
Voltaram a explicar-me que ali só vendiam flores.
Sugeriram-me vários tipos,
disseram-me os nomes.

Como sabes, sou péssimo
com os nomes das flores.
Apenas tenho memória para poemas.
Esforcei-me para fazer compreender
esta minha particularidade,
mas ninguém me entendeu.
À força de não me quererem
vender poemas
impingiram-me flores.

Que cheiravam melhor
Que eram mais vivas,
que as mulheres gostam mais.
Flores que eu não quero,
que eu definitivamente não quero,
pois tenho-te a ti.
Ninguém dá flores às flores.
O que eu quero é um ramo de poemas
para poder oferecer à minha flor.”

Henrique Manuel Bento Fialho

in A Dança das Feridas

… De Gertrude Stein a Alice B. Toklas… Jorge a Mécia de Sena, Julio Cortázar às suas três mulheres… Serge Gainsbourg a Jane Birkin…. Diego Rivera a Frida Kahlo… Stig Dagerman a Anita Björk… São apenas alguns, talvez estes os que mais gostei de ler.

Henrique Manuel Bento Fialho começou a escrever poesia, foi professor de Filosofia, escreve sobre livros, é livreiro também, por agora. Se passarem pela Bertrand das Caldas da Rainha encontrarão este cavalheiro que vos dirá dos livros mais do que o preço, o labor. Que perderá convosco não o tempo da pesquisa dentro do arquivo do computador mas o tempo de falar sobre o que está dentro do livro que procurais ou do que ele vos sugira. Não está no lugar certo da sua vida mas está no lugar certo para quem o encontra.

Tem vários livros editados, não só de poesia, e resolveu agora fazer uma edição de autor limitadíssima e irrepetível, anunciou no seu blogue:

http://universosdesfeitos-insonia.blogspot.com/

Um dos primeiros blogues a que dei atenção, já depois de meio mundo e mais um quarto ter descoberto a blogosfera e que vale a pena ler.

Os poetas precisam de viver senão poderíamos pedir-lhes que atirassem os poemas ao vento. Talvez pudéssemos parar mais vezes para os ouvir. Talvez devêssemos comprar mais livros de poesia como sobremesa… Para sermos todos mais saudáveis e felizes.

Sílvia Alves

2 comentários:

Filoxera disse...

Muito bom, este post.
Adorei o conteúdo e deliciei-me com as citações, que desconhecia.

Constanza Muirin disse...

Ah, um poema com Fellini...