quarta-feira, 13 de abril de 2011

"Sei qual é a velocidade da luz mas não aprendemos qual é a da escuridão!"



Malboro Sarajevo

de

Miljenko Jergovic

Editora Cavalo de Ferro

Nos tempos que correm apesar de muita gente pensar dever recuperar o velho hábito de ter lápis e bloco de notas de despesas o preço dos livros jamais pode ser desculpa para não se ler, até porque existem bibliotecas.

Ultimamente tenho-me cruzado com livros de editoras desaparecidas ou esquecidas. Livros que não foram iluminados pela vertigem da moda. E se os livros alimentam uma indústria a leitura alimenta-nos a alma e essa não pode morrer de inanição por muito que seja o corpo a preocupação que colocamos em primeiro lugar.

Da Cavalo de Ferro tenho encontrado edições cuidadas e bonitas quase a preço de café em estação de serviço. O que significa que os livros têm sido muito baratos e o café demasiado caro. Não recordo o café mas dou por bem empregue 1 euro que custou o livro.

Autores desconhecidos. Lugares onde nunca fomos. Pessoas que nunca cruzámos iguais a outras que se cruzam connosco todos os dias povoam este livro de Miljenko Jergovic, um escritor de uma geração de autores publicados durante o tempo do cerco de Sarajevo. Não conhecia o autor mas recomendo o livro: Malboro Sarajevo.

Malboro Sarajevo, o cigarro que a Philip Morris adaptou ao gosto dos fumadores bósnios, surge numa espantosa conversa entre um bósnio e um americano no conto “”O Túmulo”.

“(…)Para alguns all over the world é de Bascarsija a Marijindvor, para outros é à volta do globo terrestre. E feliz, tal como infeliz, pode ser quer um quer outro. (…) Pergunta-me se tenho pena de, depois de ter dado volta ao mundo três vezes, acabar em Sarajevo sitiada, e eu digo-lhe que não acabei aqui, antes nasci aqui e graças a Deus não deixei a cabeça em nenhum outro lugar(…) A vida vale só se sabes que a tens senão a morte apanha-te desprevenido(…)"

Gosto de livros de contos. Por vezes ficamos ligados a eles por um ou outro conto e os restantes perdem-se nos recantos da memória, neste todos eles se complementam compondo um puzzle de lugares e pessoas ao mesmo tempo cruel e terno.

Na velha questão de valer a história ou o talento de a contar eu faço questão das duas, sabendo que o grande talento de contar torna grandes as pequenas histórias.

“Os saxofonistas não escrevem a História, tocam. As palavras não proferidas formam o silêncio na doçura do qual, depois da tagarelice e das guerras, para o bem e para o mal, os sobreviventes dormem placidamente.”

”(…)Não faz sentido impedir que o fogo devore aquilo que a indiferença dos Homens já devorou.(…)”

“ (…)No mundo, tal como está, existe uma regra fundamental, a mesma que Zuko Dzumhur formulou pensando na Bósnia, e que se reduz a duas malas sempre feitas. Nelas devem caber todos os teus bens e todas as tuas memórias. Tudo o que esteja fora disso já está perdido.(…)”

Penso na perda material das memórias. Como sobrevivem tantas pessoas à perda de tudo no meio de uma guerra? Podem voltar a ter coisas… Mas as memórias… Como imagino ser duro viver no meio de recordações sem qualquer enquadramento material, será como ter dores num braço amputado.

Há lugares que aparecem na nossa sala, acenam à nossa frente nas páginas dos jornais em dias de grande desgraça e depois desaparecem silenciosamente. As feridas ficam lá longe, cicatrizam, ficam cicatrizes que doem. A vida das pessoas continua com mágoas invisíveis que se arrastam em cidades sem o “glamour” de Paris ou o cosmopolitismo de Nova York mas onde os sonhos não são menos brilhantes.

“É estranho, está sol, mas mesmo assim nada seca. Estava agradavelmente a refrescar a cara e a pensar: Heraclito troçava apenas de si próprio, enquanto Zenão zombava com o mundo inteiro. Platão era o travesti que pretendia revestir a humanidade, a Sócrates tiveram de o matar para que não fizesse uma peça de teatro da sua própria morte.(…)”

“O mundo desaparece com as palavras não proferidas”

“Não é fácil livrar-nos de coisas supérfluas”

Mais do que os livros que ficam sob os holofotes prefiro os que são iluminados por velhos candeeiros em ruas esconsas. Os que nos falam da vida, de corpos que sagram, de árvores que dão maçãs com vida. Quando lemos viajamos, a viagem não se faz por sítios despovoados, aprendemos a conhecer as pessoas. Partimos, levamos quem mora dentro de nós e tudo o que lemos. Mesmo se perdermos aquelas duas malas que nos aconselha…

“Acaricia com ternura os teus livros, forasteiro, e lembra-te que são pó”

Livros assim merecem ser acariciados com ternura, lidos e pensados. Há vida para lá das manchetes que (já não) vendem jornais. Vidas que um dia serão pó, como todos seremos.

Seremos melhores pessoas… Amanhã.

1 comentário:

Alda Couto disse...

Muito obrigada Bruxinha, por este pequeno texto :) Fez-me tão bem :):):)