O blog 7leitores dá mais um passo. Ou melhor, dá o seu primeiro livro. É do Albano Estrela que foi o primeiro companheiro deste blog e talvez o mais entusiasta. Reuniu parte dos seus comentários aqui publicados e juntou-os num livro onde encontramos com mais facilidade a linha que os une e que é a do olhar sábio de um professor com que todos temos muito a aprender.
Pediu-me (por gentileza mais do que por mérito que eu possa ter) para lhe fazer o Prefácio. Aqui está ele:
"A ARTE DE SER LEITOR
Na elaboração dos seus direitos do leitor, Daniel Pennac incluiu o direito de não falar do que se leu. Esses direitos, que tanto sucesso conheceram, constituirão sobretudo uma crítica à forma conservadora e instrumentalizante de abordar a leitura em âmbito escolar.
Em última instância, creio que o pensamento de Pennac insere-se na corrente dos que entendem que colocar a tónica na interpretação pode matar o prazer da leitura entre os jovens.
Quem gosta de ler constrói a sua própria oficina de interpretação. Pelo contrário, são muitos os casos em que a promoção da leitura vira as costas ao afectivo e ao lúdico e reduz-se a um exercício quase abstracto de interpretação. Esse excesso e esse carácter abstracto da interpretação coloca-nos no compartimento da mais estreita mecânica escolar e pode conduzir à ausência de prazer na leitura.
Voltemos, assim , a Pennac que nos “concedeu” o direito a não falar do que lemos. Temos esse direito, sabemos que o temos e, no entanto, os verdadeiros leitores, os leitores obsessivos, gostam de falar dos livros que acabaram de ler. Mais do que isso: precisam de contaminar as pessoas à sua volta com o vírus dessa paixão feita vício que é a leitura.
Confesso que sou um desses viciados. Preciso de falar dos livros que leio durante a leitura, depois da leitura e, por vezes, muito depois dela.
Conheço outros assim. Amigas e amigos com quem a conversa, quando nos cruzamos, começa invariavelmente por: O que é que andas a ler? Já leste este ou aquele autor? E aquela personagem, não é fantástica? E aquela descrição de uma cidade? E aquela viagem? E, e, e…
O primeiro de todos é o meu muito querido amigo e mestre Albano Estrela. Um dia desafiei-o a ele e a outros para fazermos um blog que veio a intitular-se 7leitores. Trata-se de um espaço onde damos conta dos livros que lemos e partilhamos reflexões, ideias, apontamentos que nos foram acontecendo ao logo da respectiva leitura.
O blog já leva quase 2 anos e os 7 leitores já são mais. Gostava de encontrar uma designação que nos coubesse bem. Estamos longe de ser grandes leitores como Alberto Manguel, Georges Steiner, Umberto Ecco ou Jean-Claude Carriére.
Seremos talvez uns pequeninos grandes leitores. Isto é, pessoas que fazem da leitura uma actividade fundamental do seu quotidiano e da construção da sua sempre imperfeita humanidade.
O leitor que somos não é um crítico, nem um catalogador, nem um patologista clínico da leitura. Não tem contas a ajustar com os autores. Não pertence ao negócio mais ou menos bilioso da construção e destruição de prestígios literários.
Regra geral, o leitor que somos não tem tempo para falar dos livros que lhe desagradam. Está demasiado absorvido por aqueles outros que lhe abrem caminhos, que o fazem voar, que lhes mostram novas formas de olhar o mundo por fora e por dentro de si, que lhe acendem uma luz no coração.
Um leitor precisa sempre de quem o leve pela mão. Já leste o David Toscana? E o Bartleby de
Melville? É preciso revisitar o Chesterton. Vale a pena dar uma vista de olhos pelos policiais
suecos? E a última tradução do Tolstoi! E os portugueses, tantos, do Eça ao Raul Brandão, do
Saramago ao Miguel Real, da efervescência do Lobo Antunes à prosa fantástica do Mário de
Carvalho!
Este levar pela mão é sempre mútuo e resulta de um processo em que as referências se atropelam quase ofegantemente e saltam umas por cima das outras porque vício é vício e nem o dobro dos anos de vida nos permitiria ler tudo o que já acumulámos nas prateleiras abarrotadas das leituras urgentes.
Ao longo dos anos que dura a amizade que lhe agradeço, Albano Estrela tem-me levado pela mão nos caminhos da leitura e dos livros. Fez-me ter atenção a Buzatti e a Papini, à micro-literatura ibérico-americana, os contos de John Cheever e a tantos outros autores e livros. Agradeço-lhe do fundo do coração.
Acima de tudo há que dizer que Albano Estrela é um mestre na ARTE DE SER LEITOR que, como todos os verdadeiros mestres, nunca se põe em bicos de pés. Exerce a sua mestria com uma generosidade e uma discrição invulgares.
Neste livro, Albano Estrela reúne e partilha as suas reflexões de leitor, por vezes inesperadas, sempre sagazes, luminosas e apaixonadas.
Quanto a nós, os que temos a sorte de conviver e aprender o Albano Estrela temos de lhe agradecer comovidamente estes textos e, já agora, de perguntar-lhe: Ó Albano, o que é que está a ler agora?”