sábado, 19 de novembro de 2011

HISTÓRIA E FICÇÃO



Os premiados romances de Dulce Maria Cardoso têm passado discretamente entre nós. E, no entanto, merecem muito ser lidos.

"O RETORNO" conta-nos o drama de uma família de retornados pobres que de Angola regressam à metrópole por alturas da Independência de Angola.

O primeiro equívoco desse longo rosário de equívocos que foi a questão dos retornados começa com o facto de o próprio narrador, um rapaz de 16/17 anos não retornar mas fugir da sua terra já que em Angola nasceu e cresceu e da metrópole ter apenas um conjunto de ideias vagas e pouco adequadas a esse mundo que vem encontrar tão diferente do seu.

A autora leva-nos a conhecer a diferença das raparigas e das mulheres de cá e de lá nos olhos do narrador, a demora dos crepúsculos, o frio do Outono e do Inverno nunca antes experimentado, a vida de gente acumulada como em latas de sardinhas em hotéis de luxo, as esperas sem fim pelos subsídios, pela resolução dos problemas pessoais, a construção de um projecto de vida.

A História faz-se tanto pelas investigações e pelos ensaios como por esse outro meio de investigação que é a literatura. E se os historiadores investigam a História por fora, pelo plano geral, a literatura fá-lo por dentro, pelos afectos, pelos espantos,
pelos arrepios, pelos medos.

A Guerra colonial começou a ser abordada pelos romancistas antes de o ter sido pelos historiadores. O momento chave desse fenómeno terá sido "Os Cus de Judas", fantástico grito de raiva e revolta de António Lobo Antunes, momento de arranque de uma nova literatura em Portugal.

Da guerra vai-se falando, vai-se desvendando as facetas mais terríveis, vai-se construindo a dimensão operática e também a tragicómica.

Até agora muito pouco se falou dos retornados, ferida aberta, tema incómodo no processo revolucionário português.

Será talvez esta a primeira narrativa do regresso dos colonialistas portugueses, fugidos à pressa, carregados de grandezas e memórias verdadeiras ou fabricadas, cheios de raiva aos pretos, aos revolucionários, aos comunistas, e delapidados de riquezas reais ou inventadas.

A recepção aos retornados é aqui narrada sem panos quentes, mostrando a mesquinhez de uns e outros, os que se vão adaptando a um novo Portugal que procura entender-se com o que possa ser a revolução, e os outros, os que perderam um outro Portugal, o do Império que começa a desfazer-se.

A nossa História passa por aqui. Por olhar de frente o claro e o escuro dos grandes momentos. Por ouvir a voz dos escritores como a Dulce Maria Cardoso que nos levam pela mão ao tempo das angústias e das esperanças com que as esquinas da História nos enredam e desenredam.

Sem comentários: