domingo, 4 de dezembro de 2011

JOHN CHEEVER, CONTISTA EM CONSTRUÇÃO - UM APONTAMRNTO



A Sextante Editora acaba de publicar (Outubro de 2011) um livro muito interessante de John Cheever, intitulado “Fall River e Outros Contos Dispersos”. Sobre os contos de John Cheever já me referi, a propósito do seu livro “Contos Completos I”, também editado pela Sextante. Em princípio, nunca me refiro duas vezes a um mesmo autor, mas este “Fall River e outros Contos Dispersos” tem uma característica muito especial, pois agrupa contos de 1993 (“Fall River” e “Fim de Estação”) a 1949 ( “ A Oportunidade”), o que permite assistimos à evolução da sua escrita desde a juventude. Também será de destacar a “Introdução” de George H. Hunt, esclarecedora da evolução de Cheever ao longo daquele período: influências recebidas, elaboração progressiva de um estilo próprio. Embora muitas das histórias do período de formação assentem na sua vida pessoal, numa entrevista de 1976, citada na referida “Introdução”, ele esclarecia: “O que eu costumo dizer é que a ficção não é cripto- autobiografia. O seu esplendor está em não ser autobiográfica. É um riquíssimo complexo de autobiografia, de biografia, de informação – informação factual, informação espiritual, apropriação”.
Cheever possuia a capacidade de alterar qualquer incidente que lhe ocorresse “numa história magicamente alterada”. A sua criatividade e o seu potencial narrativo foi algo que o acompanhou desde os seus 19 anos até à sua morte, aos setenta anos. Segundo Hunt, a escrita de Hemingway, “ a sua simplicidade emotiva”, a sua contenção, teria sido a grande fonte de inspiração de Cheever, nos primeiros tempos, como se pode verificar em “Fall River”:
“Havia dois anos que as pessoas o sabiam, mas no inverno tornou-se óbvio. As fábricas tinham parado e as rodas enormes mantinham-se imóveis junto aos tetos. Os teares amontoavam-se no chão como a maquinaria sem préstimo num velho teatro de ópera. Pelos pavimentos, nas traves e nos flancos brilhantes de aço, o véu da teia estava coberto como neve antiga”.
Assim se inicia o conto, com uma descrição naturalista da situação em que a acção se irá desenhar. Descrição neutral, que nada nos sugere acerca das personagens que irão dinamizar aquela estrutura.
No entanto, a construção característica de Hemingway não lhe permitia expandir as suas faculdades de escritor: “Acho que com as imagens temos uma escolha a fazer: ou ampliá-las ou reduzi-las. Neste momento (1976) acho a redução deplorável. Quando eu era mais novo, achava isso brilhante”. E será através dos últimos textos da obra que estamos a analisar que encontramos uma outra escrita de Cheever, agora liberta das influências reducionistas que lhe conferiam um estatuto de autor de referência da escola “minimalista” norte-americana dos anos 20, 30. Estamos, pois, perante uma nova escrita, em que as personagens têm uma clara expressão de sentimentos e pensamentos, fornecendo ao leitor, desde o início dos contos, um conjunto de pistas para a compreensão da evolução da acção:
“ Quando naquela manhã Roger Gaige apareceu na pista e disse a toda a gente, treinadores,moços das cavaliças e aficionados das corridas, que ia mudar de vida, muitos deles riram-se abertamente e McGrath, o seu melhor amigo, não conseguiu disfarçar um sorriso. Havia quinze anos que viam a sua cara prazenteira e invulgarmente crédula em todos os cercados das pistas de corridas do país e a impossibilidade de separem Rorger dos cercados era apenas a fraqueza natural da imaginação humana”
O modo como inicia este conto, intitulado “Saratoga,” constitui um exemplo do que acabo de dizer. A suspeição da firmeza da decisão da personagem insinua-se imediatamente no leitor e funciona como o fermento da acção que se irá desenvolver nos parágrafos que se seguem, algo que contamina o leitor e lhe tira a possibilidade de um olhar distanciado sobre os acontecimentos.
Mas ainda não é o Cheever da maturidade, pelo que teremos de esperar pelos anos 50, 60, para que encontremos uma escrita verdadeiramente pessoal, liberta de influências de escolas e autores, como se podetá verificar nos seus “Contos Completos”, I e II.

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