quarta-feira, 1 de maio de 2013

No Jardim das Paixões Extintas



Um quarto de século passado sobre os dias plenos da liberdade e do caos - a semana mais romântica do meu namoro com a história, entre o 25 de Abril e o 1º de Maio de 1974 -, a memória trai-me, envolta na neblina melancólica das utopias mortas, tristes flores murchando no jardim das paixões extintas, folhas caídas sobre o caminho por onde vou, no surpreendente encantamento do último amor e da sua dorida subversão. Então, eu imaginava a semelhança com a outra cidade feliz, a do meu pai - Madrid na Primavera de 1936 -, outra pura ilusão que ele não me tinha contado, porque ainda não chegara ao fim do seu regresso à beira do Tejo, do começo da despedida e da imperfeita reconstrução da memória estilhaçada. 


Os tempos são outros … A realidade empurra-nos subitamente para o vazio a abarrotar de coisas, para o excesso, para o totalitarismo do dinheiro, do sexo, para o mimetismo, a indiferença, os riscos da salvação possível no instante em que se tornou a vida, essa certeza plena de presente, única e absoluta face do tempo.

Álvaro Guerra 


Um impressionante relato sobre a vida de personagens que protagonizaram o combate mortal entre o fascismo e o comunismo no século XX pela pena do jornalista, diploma e escritor Álvaro Guerra (1936-2002). Uma densa trama histórica e emocional descrita por um jornalista, alter ego do relato, que deslinda, através das memórias filtradas do pai, militante comunista e combatente pela causa republicana em Espanha, a forte ligação entre a paixão amorosa por uma combatente espanhola e a devoção pelo internacionalismo comunista. 

Uma intensa radiografia emocional da guerra civil espanhola, da crueldade franquista e do maquiavelismo estalinista; uma rica descrição da paixão carnal e da sua colagem à precariedade de vidas suspensas por uma guerra sangrenta num mundo encalhado no beco mais escuro da História. Uma descrição quase analítica da transformação das paixões até atingirem o hodierno hedonismo desprovido de dimensão histórica. Um retrato pungente das forças criativas libertas pelo 25 de Abril e da sua dissipação no individualismo e no consumismo. 

No Jardim das Paixões Extintas é indubitavelmente uma obra maior da literatura portuguesa contemporânea, um livro imprescindível para se compreender a dimensão trágica do mais conturbado século da História da  Humanidade.    

Orfeu B.


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