sábado, 17 de janeiro de 2015

UM CONTO EXEMPLAR DE RUBEN FONSECA

O conto é um dos géneros literários que mais evoluíram ao longo dos tempos. Hoje, é impossível definir o que é um conto. Em última instância, será o que o autor considerar como tal… O termo “exemplar”, que utilizo para designar um conto de Rubem Fonseca, intitulado “A Festa”, publicado no seu livro “Amálgama” (Sextante Editora), não tem o significado das “Novelas Exemplares” de Cervantes, nem o sentido de histórias exemplares de “virtude” e “proveito” da Idade Média. Significa, apenas e tão somente, que estamos perante um exemplo perfeito da estrutura de um conto do nosso tempo, nitidamente com influência de autores norte-americanos da segunda metade do século XX. O conto é narrado pela personagem central da história como algo que lhe tenha acontecido, o que confere ao texto um cunho de oralidade que favorece a sua veracidade. Inicia-se com a postura do autor em relação a festas de salão – que ele odeia, pura e simplesmente. De seguida, passa a caracterizar o ambiente em que decorre a festa em que ele se encontra, festa dada por uma viúva rica, que vive sozinha, pois a sua única filha está zangada com a mãe. Mãe que, apesar de todas as plásticas, continua “um bucho”. A descrição da festa onde ele se encontra vai-se processando através de referências a algumas mulheres que também lá se encontram. Ele esclarece que é um homem que as mulheres consideram “bonito”. Este facto, aliado à elegância do seu vestir, abre-lhe as portas das festas e facilita-lhe o convívio com as mulheres. No entanto, o seu objectivo é outro: aproximar-se da dona da casa e seduzi-la – o que, de facto, acaba por conseguir. Fala-lhe de Amesterdão (onde sabe que ela tem um apartamento), esclarecendo-a da existência de três Distritos da Luz Vermelha e não de um, como ela pensava (as informações que a “internet” nos fornece…). A senhora, que diz chamar-se Mimi, quer saber o nome dele e o que faz. Ele é perentório: não tem profissão porque é milionário. E diz-lhe que ela é uma senhora encantadora e, depois de muito hesitar, confessa que gostaria de beijá-la, a que ela depressa acede e, camufladamente, fornece-lhe uma chave da casa e, à puridade, recomenda-lhe que volte daí a três horas. O que ele faz. Mal chega, é recebido pela dama que o conduz imediatamente ao quarto e se despe. Na cama, ele, muito profissionalmente, assassina-a com uma torsão de pescoço. Revista os armários e junta, num saco que trazia no bolso, as joias que encontra. Abre uma janela que dá para o jardim e sai tranquilamente pela porta da rua. E o conto termina com um diálogo espantoso, que faz luz sobre a narrativa que se vinha desenvolvendo ao longo de seis páginas: “Retirei-me calmamente e, três ruas adiante, peguei o meu carro e fui para a casa de Lucy. Ela me esperava, ansiosa. «Foi tudo bem? Matou a megera?» «Sim.» Peguei o saco com as joias e coloquei à sua frente. «Aqui estão as joias dela. Tive que fingir que o assassino é um ladrão.» «Depois vamos sumir com essa merda, jogar no lixo. Ai, que bom que você matou a megera. Vamos para a cama. José, meu amor, estou morrendo de tesão.» Fomos para a cama. Eu não disse que as pessoas são estranhas? Eu mato a mãe de Lucy e ela fica cheia de tesão.”

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