domingo, 19 de julho de 2015

O Passageiro Walter Benjamin

 E, se olhasse bem, um lenço que se agitava na distância, não era quase o começo de um fio que, ao desenvolver-se, avança necessariamente para o outro extremo, o da melancolia do regresso? Sim, existia um fio invisível que se desenvolve em cada partida, cada passagem de um lugar para outro, daí o costume de lançar fitas de papel nos molhes, fitas de diferentes cores que acrescentam um aspecto quase festivo à tristeza das despedidas, muitas vezes saboreada por ele com uma complacência que a qualquer outro deveria parecer sempre suspeita. Quase sempre uma mulher se despedira dele num porto, numa estação, daí o seu costume de urdir sempre novas travessias destinadas a aumentar indefinidamente a cadeia … “Será isto a morte?”            
                                    
Ricardo Cano Gaviria

Uma narrativa intensa e íntima das últimas horas de Walter Benjamin, uma figura incontornável da cultura alemã da primeira metade do século XX. Em Setembro de 1940, com 48 anos, uma pasta preta com um manuscrito inacabado e um bilhete de navio para os Estados Unidos, Walter Benjamin, filósofo, crítico cultural, tradutor, especialista no romantismo, no idealismo alemão, na teoria estética e no misticismo judaico, autor de Kafka e do texto essencial “A Obra de Arte na Era de Sua Reprodutibilidade Técnica”, tentava chegar a Lisboa através de Espanha, após cruzar os Pirenéus de França, país onde se refugiara desde 1932. Recordemos que a fúria nazista que varreu da Alemanha toda a actividade intelectual civilizada, obrigou os mais ilustres intelectuais e cientistas a abandonar o país, de Einstein a Thomas Mann, de Max Born a Otto Klemperer, de Bertold Brecht a Kurt Weil, de Alma Mahler a Heinrich Mann. Walter Benjamin, associado ao pensamento crítico da influente, prolífica e muito “judaica” Escola de Frankfurt, estava entre os milhares de intelectuais que abandonaram a Alemanha nazi pouco antes ou logo após Hitler instalar-se no poder em Janeiro de 1933.      

Em “O passageiro Walter Benjamin”, o escritor colombiano radicado em Espanha desde 1970, Ricardo Cano Gaviria, descreve com grande maturidade literária e um grande sentido intuitivo a vida afectiva e intelectual do grande pensador durante as suas horas derradeiras. Adicionando aos factos conhecidos consideráveis doses de imaginação literária, o autor relaciona o trivial de uma fuga desesperada ao transcedental, enquanto explora os meandros de uma mente complexa, exausta e perplexa com a desfavorável cadeia de circunstâncias que lhe impedem de concretizar um precário plano de fuga. Há que mencionar o facto historicamente relevante de estar então o Ministro das Relações Exteriores de Espanha em Berlim, e para demonstrar a Hitler a colaboração do seu país, Franco ordena que a permeável fronteira entre Espanha e França, em Portbou na Catalúnia, seja encerrada para os desprovidos de nacionalidade (a Alemanha nazi retirara a nacionalidade de todos os judeus e dos seus inimigos políticos). Assim, impedido de entrar em Espanha, Walter Benjamin, vê-se na contingência de ser capturado pela polícia francesa da república de Vichy e ser enviado para um campo de extermínio. Na madrugada do dia 26 de Setembro de 1940, o homem que traduziu “Les Fleur du Mal” e parcialmente “À la recherche du temps perdu” de Proust para o alemão, se suicidou com uma forte dose de morfina. 

Orfeu B.




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