sábado, 19 de julho de 2008

O ÚLTIMO LEITOR





A América Latina continua a ser um berço imparável de muita da melhor literatura que se faz hoje em dia.

Entre os últimos livros que li, este "Último Leitor", do mexicano David Toscana, ocupa um papel de relevo.

É um grande trabalho de escrita e um magnífico exercício de funambolismo sobre o fio esticado da fronteira que separa ficção e realidade.

Conta-nos a história de um homem que aceita ser bibliotecário numa aldeia do deserto e que censura os livros que acha mal escritos, um homem que interpreta a vida a partir da memória das ficções lidas, que mistura o fantástico ficcional na realidade para que esta se revele na sua promessa de maravilha.

Esta é também a história de um crime e de como o bibliotecário o tenta descobrir e encobrir a partir dos romances que leu.

É finalmente a história de um amor improvável e impossível em torno do amor aos livros e às histórias que eles contam. O amor por uma mulher a quem mataram a filha e a quem o bibliotecário vai dando pistas verdadeiras e falsas a partir da paixão comum pela leitura e pelos livros.

"O último Leitor" é um pouco nós que, através das leituras, andamos à procura de um fio para nos entendermos connosco próprios e com o mundo.

8 comentários:

Jane disse...

Ao contrário do bibliotecário de Musil - "O homem sem qualidades" - este bibliotecário, "mete o nariz" nos livros.Como o bibliotecário de Eco n' "O Nome da Rosa", a censura ao que se lê é posta em evidência, porque um leitor pode orientar-se, situar-se no mundo e isso pode ser perigoso !!

JOSÉ FANHA disse...

Cara Jane,

Seria bem interessante fazer uma pequena história dos bibliotecários na literatura e talvez fosse uma história fantástica e iluminadora a desses guardiões das palavras.

Conhece os contos de “BIBLIOTECA” de Zoran Zivcovic (Ed. Cavalo de Ferro)?

Obrigado pela sua participação. Apareça masi vezes. Foi bom o seu comentário.

JFanha

Jane disse...

Caro José Fanha,

Conheço! Gostei muito, e no conto da Biblioteca Particular, reconheço tão bem a realidade exposta num parágrafo "Toda a gente sabe que livros devoram o espaço sem qualquer piedade. E não existe defesa possível." Amontoam-se livros por ler, até um dia....

JOSÉ FANHA disse...

Pois é verdade que devoram.
Podíamos dá-los, vendê-los ou entregar a uma biblioteca pública quando acabamos de os ler.
No entanto o autor do magnífico "A casa de papel" (a Jane é cá dos nossos, já o deve ter lido), José María Dominguez, afirmava numa entrevista que guardamos os livros que nunca mais teremos hipótese de ler porque eles contêm partes da nossa vida que não queremos descartar (!).

Obrigado pela sua participação. Continue que é bom ler os seus comentários.

Com ternura,

JFanha

Paulo Ventura disse...

Olá,
Acabei de ler o Último Leitor e fiquei verdadeiramente fascinado. A personagem do Lucio que utiliza a ficção para interpretar a vida, para a adivinhar, para a compreender é fascinante.
Apesar de árida, a aldeia de Iacmole vai também perdurar na minha memória com as suas casas de adobe, a Capela do Arcanjo São Gabriel e os habitantes que fugazmente aparecem.
Há promenores imensos que são deliciosos aom longo do livro. Apenas um exemplo: a apreciação que Lucio faz da Bíblia: "Não é a primeira vez que Lucio tem uma Bíblia nas mãos, já a tinha lido antes e parece-lhe que seria um excelente livro se tivesse havido um melhor trabalho de edição, se não exibisse excessos próprios de romancista que ganha à palavra".
Na capa do livro pode ler-se que "A obra de "David Toscana ocupa um lugar à parte entre os autores latino-americanos..." e sei que vai ocupar um lugar muito querido na memória das coisas lidas. O livro termina com Lucio a dizer "Lucio sabe que, ao fim e ao cabo, ele também há-de sucumbir em qualquer momento, envergonhado, com uma faca que gira no esterno; sabe que um escritor de cidade, um imbecil com ideias tão curtas como o seu pénis, tão medíocre como Alberto Santín, reduzilo-á ao nada num romance digno de inferno e baratas[literalmete para onde Lucio envia os livros que considera indignos], sepulta-lo-á nas areias do mar, ou do deserto e sempre que alguém abrir a última página de o Último Leitor". Morreste-me Lucio, mas sei que a recordação deste personagem vai perdurar por muito tempo.
Muito obrigado por me terem dado a conhecer tão fascinante livro.
Abraços,
Paulo.

PS: Dentro da mesma colecção fiquei com curiosidade de ler A Prisão de Jsesús Zárate. Alguém conhece?

JOSÉ FANHA disse...

Toda a colecção é um mimo. Trata-se de uma forma de resistência do meu amigo Marcelo que, pela sua paixão pela literatura, conseguiu esse espaço de grande qualidade dentro da "Oficina do livro".

No entanto, segundo sei, as vendas não são de todo entusiasmantes. Cabe-nos também a nós, leitores, fazer um bocadinho de propaganda.

Há um momento notável em "A prisão". Todos os dias um dos presos acorda e vê um dos seus sapatos andar sozinho. E diz:

“Como existia um mistério eu voltaria a ser homem, e não um homem qualquer, mas um ser atraído para o inexplicável pelo fio maravilhoso da poesia.”

Depois, infelizmente e como quase todos os mistérios a sua desvendação acaba por ser triste e comezinha.

Abraço,

JFanha

Paulo Ventura disse...

Olá,
Dei no espaço de poucos dias o meu modesto contributo para tão louvável editora. Para além do Ùltimo Leitor, encomendei já A Prisão. Também da mesma editora, folheei e achei muito interessante um livro de contos de José Mário Silva, Efieto Borboleta e Outras Histórias. Já está na mesinha de cabeceira.
Abraços,
Paulo

Tiago Carvalho disse...

O mundo é como Icamole (esse deserto), os livros já nem se lêem e todos os governantes, nesta época em que vivemos, tem o desejo secreto de fechar as bibliotecas, principalmente se houver ainda um último leitor que absorve desta maneira os livros.
Existe na minha vida um antes de ler Toscana e um depois de ler este "O Último Leitor". Saber enviar livros para o quarto das baratas.