domingo, 14 de dezembro de 2008

Para além do espírito dos lugares

“For last year’s words belong to last year’s language
And next year’s words wait another voice.”

“Little Gidding”
T.S. Eliot

Todo o “ismo” tem fronteiras afirmativas imprecisamente definidas. Separam-se os “ismos” entre si, muito mais pela negação do que repudiam e do que pretendem superar. Para além da fronteira há sempre uma “terra de ninguém”, minada pela dubiedade e pela identidade não completamente assumida de fórmulas já gastas ou por inventar. Aquém, há um baldio de ideias em estado embrionário, projectos algures especificados no respectivo manifesto de intenções/revoluções que ainda não têm cores próprias ou capacidade de mobilização.
No seu “ismo” de eleição (ainda que seja só o de Narciso), todo o autor vasculha por entre os baldios acima sugeridos, o protótipo do projecto seguinte. Inquieto, sôfrego procura vestígios para aquilo que, depois dum árduo esforço, será a redempção seguinte (e que parece ser sempre definitiva).
Não me envergonho da escolha algo banal que me serviu de bússola no meu projecto literário mais recentemente terminado, “O Espírito do Lugar”. A pretenção de capturar a essência dos lugares, das situações e os correspondentes estados de alma é o mais básico dos impulsos descritivos. Há contudo, uma sensação de oportunidade perdida por não o ter povoado com outros personagens identificáveis. Por não ter inventado outros actores para emprestar mais orgânica e respiração à trama do texto. O exercício assemelhasse-me agora ao da pintura duma natureza morta. Necessário, embora irremisivelmente incompleto, quando se tem a sensação que havia meios para temas mais abrangentes. Mas, ..., havia, há, haverá ? Suponho que não há como sabê-lo à partida. Imagino que este salto para o vazio é a parte mais inquietante do processo criativo, e também o que tem de mais excitante e aliciante. Penso que as obras de arte só são dignas do epíteto quando estão impregnadas com a ambição da transcendência, da superação.
E servem os “ismos” também para este fim. Balizam os esforços. Potenciam as ambições. São o contexto que apoia a linguagem para o ciclo que se encerra. Para o seguinte há que se criar um novo universo. Uma voz completamente renovada.


Orfeu B.

1 comentário:

Anónimo disse...

para além do espírito do lugar quem sabe haja a incógnita do lugar do espírito errante...
belo blog, esse lugar tão espirituoso!