domingo, 29 de março de 2009

UM AUTOR NA ENCRUZILHADA DO CONTO E DO ROMANCE





As relações entre contos e romances, entre contistas e romancistas já têm sido por mim abordadas em várias ocasiões: contistas que nunca foram romancistas, embora o desejassem, romances que tiveram um conto na sua origem. Mas não é vulgar o que aconteceu com Paolo Giordano, jovem escritor italiano. Giordano escreveu um romance, “A Solidão dos Números Primos” (Bertrand Editora), a partir de dois contos. Dois contos com que se inicia a obra, dois contos autónomos, que o autor, posteriormente (pelo menos, assim o diz), desenvolveu, entrelaçando factos e personagens, a fim de dar conteúdo a uma trama romanesca. Não creio que o resultado tenha sido brilhante. Se aqueles dois contos são magníficos, o romance a que deram origem já o não é. Dois contos construídos a partir da solidão e da violência psicológica sofridas por duas crianças. Dois contos que não podemos desligar da grande literatura italiana do século XX (Italo Calvino e Dino Buzzati nela incluídos). Dois contos em que a criança, confinada à sua solidão, tem de tomar decisões cujas consequências põem em risco a sua vida ou a de outros. Consequências que são a razão de ser do romance de Giordano.
Eis, pois, um exemplo das relações difíceis entre o conto e o romance. E, claro, da sedução que o romance exerce sobre muitos contistas. Nem todos tiveram a lucidez ou a força de Jorge Luís Borges, que sempre se assumiu como contista e nada mais do que contista.
Pela reflexão que pode originar, pela excelência daqueles dois contos (“O Anjo da Neve” e “O Princípio de Arquimedes”), pela raridade de traduções de obras da moderna literatura italiana, estou em crer que a leitura de “Solidão dos Números Primos” é algo que se impõe a quem quer conhecer novos autores, outras literaturas.

3 comentários:

Tiago Carvalho disse...

Que bom, ofereceram-me este livro pelos anos, eu estava suspeitando da sua qualidade, mas depois deste texto de Albano Estrela, eu vou devora-lo.

SicMaggot disse...

Só gostava de dizer que já estiveste na minha escola,Adães Bermudes na Guarda, e eu adorei.

Paulo Ventura disse...

Caro Albano, tal como o Tiago estava a suspeitar da qualidade deste livro, apesar de o ter comprado. Repousava na prateleira. Obrigado por ter sido guiado para ele. Os dois contos iniciais são magníficos!!!! Muito obrigado de novo Albano. Continuei a ler, mas parei (algo que agora já consigo fazer - abandonar um livro; mas demorei muitos anos e não sei se é bom ou mau)porque a beleza das páginas iniciais não estava lá, embora admita que seja um excelente livro.