segunda-feira, 1 de março de 2010

PORTO-CIDADE, PERSONAGEM CENTRAL DE CONTOS QUE TÊM A CIDADE COMO TEMA OU CENÁRIO





Ao longo dos anos, fui descobrindo que há um conjunto de escritores que reinventaram a cidade do Porto, as suas ruas, as suas praças, ao fazerem-nos percorrer um espaço urbano em que algo não pode deixar de acontecer. Escritores que se expressaram tanto pela poesia como pela prosa. Entre os prosadores que têm a cidade como tema ou como cenário das suas narrativas, referir-me-ei apenas aos contistas. Contistas da segunda metade do século XX, primeira década de XXI. Portanto, autores nossos contemporâneos ou quase.
José Régio é um desses autores. Os seus “Contos” (Publicações Europa-América) passam-se, em grande parte, no Porto. De entre eles, destacarei “Menina Olímpia e a sua Criada Belarmina”, exemplo acabado da presença da urbe portuense no desenvolvimento da história e no comportamento das suas personagens. Algo de idêntico ou talvez de um modo mais acentuado encontra-se em textos de Jorge de Sena, insertos nos seus “Grão-Capitães” (Edições Asa), principalmente no conto “Choro de Criança”, um texto que tem tanto de terrível como de belo. De Agostinho da Silva destacarei o conto “Teresinha”, publicado na sua obra “Herta, Teresinha, Joan”, conto atravessado por um lirismo romântico, que, em muito, emana do espaço físico da cidade. Miguel Miranda, um autor que tem a cidade incrustada nos seus genes, tem publicado vários livros de contos sobre a cidade, o primeiro dos quais foi “Contos à Moda do Porto” (Edições Afrontamento). “A Raiz Quadrada de uma Abstracção Incerta” parece-me ser um dos contos mais conseguidos desse livro, pelo que nos diz do ser e do estar de alguma gente e da sua inserção na geografia da cidade. “Dia de Calma”, uma história da obra de Beatriz Pacheco Pereira, “As Fabulosas Histórias Dela, Contos do Porto Imaginário” (Edições Âmbar), é um texto em que se respira o desconforto da materialidade granítica da cidade. Diferente, mas extremamente conseguido, é o texto (texto de estreia, creio) de Óscar de Sá, “Deleituras”, publicado no número 9 de “Ficções. Revista de Contos”. Um estudante com livros a mais e sexo a menos, uma prostituta de sexo fácil e carências afectivas cruzam-se nas ruas das livrarias e dos encontros de amores clandestinos. Da sua relação surge uma história de amor, pontuada pelos espaços urbanos que ela percorre, primeiro à procura dos seus clientes, depois dos livros que entrevê nas montras das livrarias. Um Porto diferente do que é dado, habitualmente, na literatura, mas não menos autêntico.
Uma referência, ainda, a uma característica comum aos textos que cito: eles são textos urbanos, em que se descrevem os mesmos espaços (ou espaços contíguos), que dão sentido às situações que neles se vivem e às personagens que nelas evoluem.
É evidente que outros textos (dos mesmos ou de outros autores) poderiam ter sido escolhidos. Mas também não tenho dúvidas de que os textos que referi exprimem com precisão o que quero demonstrar, ou seja, a existência de um traço comum a determinados “autores do Porto”: que a cidade-urbe vive no seu imaginário de um modo extremamente “físico”, que não se confunde com o imaginário de outros autores que têm outras cidades como tema. Quando penso em contistas do século XX, que têm Lisboa como pano de fundo, mas nítida se me torna a especificidade destes “contos portuenses”. É evidente que Lisboa-cidade foi tema para grandes contistas do século XX – José Rodrigues Migueis e Judite de Carvalho a sobressaírem entre todos eles – mas também é evidente que a apropriação do espaço urbano não tem a “centralidade” que se encontra nos “textos portuenses” que destaquei.

A reflexão contida neste texto, se não tiver outros, talvez tenha, pelo menos, um mérito: fazer-nos lembrar o quanto desconhecemos da literatura portuguesa da actualidade!

2 comentários:

Unknown disse...

Para o bem e para o mal, conforme o lugar de onde se olhe, ser do Porto e escrever sobre o Porto não é indiferente. O Porto é o oposto do "não-lugar". E quem de lá sai fica arrependido, não é?

continuando assim... disse...

convite para seguir a história de Alice, lá no
--- continuando assim... ---

bj
bom fim de semana
teresa