domingo, 1 de agosto de 2010

A Estranha





"El mar no es capaz de sufrir ... Entonces, ¿con qué finalidad fue creado?" Aquel mundo vacío, privado se sentido y finalidad desde tiempos ancestrales, se extendía indiferente a su alredor. " Solo la razón es capaz de doler", se dijo.

La Extraña



Autor duma obra singular, Sándor Márai nasceu em 1900, em Kassa, cidade do Império Austro-Húngaro, hoje Kosice na Eslováquia. Na década de 1930 adquiriu a reputação de ser um dos mais originais escritores húngaros. Sobreviveu à guerra apesar da sua profunda aversão e aberta oposição ao fascismo. Em 1948 foi levado a deixar a Hungria depois da ascensão do comunismo, cuja força destrutiva também repudiava. Viveu de seguida na Suíça e na Itália, até obter a nacionalidade norte-americana e fixar-se em San Diego, Califórnia, na década de 1970. Depois de perder a esposa em 1986 e o filho adoptivo em 1987, Márai suicida-se em 1989. Conta-se que só após a organização dos seus pertences, que a esposa de seu filho e os seus netos se deram conta de quão profícuo e proeminente Márai era enquanto autor.

O homem que nos seus 46 livros, 27 dos quais de ficção, descreveu e dissecou a desintegração material e moral causada pela guerra, pelo fascismo e pelo comunismo, também não exímia o consumismo e o "lixo da economia de mercado" como causas do declínio do humanismo e da sociedade burguesa.

Não sendo ainda muito conhecido entre nós, as recentes e excelentes traduções para o português das suas obras mais representativas, são um agradável exemplo de clarividência e discernimento editorial. No entanto, como recentemente pude constatar, em Espanha há muitos mais títulos traduzidos e a reacção entusiástica da crítica faz antever que muitos outros aparecerão num futuro próximo.

A novela A Estranha foi escrita em 1934. Julgo que se o autor não tivesse sido ostracizado pelo regime comunista húngaro que baniu completamente a sua obra, este livro seria mais conhecido e figuraria, junto com alguns títulos de Dostoyevski e outros de Kafka, como um dos mais representativos antecedentes literários do existencialismo que década e meia mais tarde ganharia corpo enquanto movimento filosófico.

Profunda e evocativa, a escrita de Márai cartografa detalhadamente as paisagens da alma. Há semelhanças notáveis, a nível indagativo e de enredo, dado que ambos envolvem um assassinato cuja responsabilidade nunca é categoricamente assumida ou negada, com o Estrangeiro de Camus, livro escrito em 1942. Na obra de Márai, o protagonista, um brilhante linguista e orientalista parisiense, Viktor Askenasi, a pretexto de imprescindíveis férias, encontra-se num buliçoso hotel em Dubrovnik a examinar as suas duvidosas decisões existenciais, sem contudo ajuizá-las segundo os códigos sociais vigentes. E entre as conversas mundanas das famílias veraneantes e o intenso calor, o seu estado de perplexidade moral é exacerbado pela percepção da pronúncia duma estranha que com um forte acento berlinense solicita, na recepção do hotel, a chave do quarto "Zwoundvierzig".

O acontecimento liberta um fluxo inexorável de sentimentos, levando-o finalmente ao quarto da estranha e ao território ignoto da loucura. Através dum relato tenso, lúcido e analítico, Márai conduz-nos ao âmago das questões fundamentais, ao coração da insatisfação existencial e das questões centrais da identidade, das ambiguidades do amor, por entre os labirintos da solidão, sempre num equilíbrio instável entre a auto-preservação e a dissolução individual.

Enfim, um texto que nos lança para territórios essenciais e que despretensiosamente demonstra a necessidade absoluta da literatura enquanto instrumento imprescindível de reflexão sobre a problemática da existência e sobre os destinos da humanidade.

Orfeu B.


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