sábado, 21 de agosto de 2010

Roteiro para uma cave em chamas


Naquele breu onde nada se via, subterrâneo onde era suposto habitarem todos os animais da terra, apenas se ouvia um riso fino. Vindo do nada, um riso. Quem és tu que não te vejo? Quem sou eu que não me conheço?

Vi-a tecer uma teia entre as raízes das árvores e estendê-las às árvores vizinhas. Estendê-las, mais e mais, ligando árvores, até serem todas em rede. Segredou-me que tinha que ser assim, uma teia invisível à superfície.

...

Quase me perco na tranquilidade daquele deixar-me ir e o ficar. Enquanto o corpo sara lentamente. Prolongo a imobilidade até ser completamente reestabelecida. Acordo em paz, com Miriam sobre o meu ombro, quase se despedindo. A folha desfaz-se ser ter sido preciso queimá-la. Um fogo invisível está agora presente dentro de mim. E também o ser que o guarda.

Ana Viana

Instalação que incorpora uma obra literária, fotografia, vídeo, desenho, pintura e objectos, "Roteiro para uma cave em chamas", é a síntese do trabalho colectivo de Ana Viana, António Paulo, Francisco Condessa, Gila, Manuel Álvaro e Miguel Brazete. Uma manisfestação múltipla que se materializa na exposição patente no Centro Cultural de Cascais até 10 de Outubro de 2010.

Trata-se mais concretamente dum trabalho colectivo que tem como ponto de partida um texto de Ana Viana. Ponto de partida ou de chegada, pois as múltiplas manifestações artísticas presentes nesta composição podem ser vistas como que dispostas segundo uma espiral que pode ser percorrida do interior para o exterior, ou vice-versa. Pouco importa, importa acima de tudo é a leitura, intelectual e sensorial. Importa, na minha óptica, deixar-se enredar na urdidura da aranha Miriam, que laboriosamente procura limpar-incendiar a cave repleta de textos por organizar. Textos reais? Textos potenciais? Suponho que a resposta é muito menos relevante do que a postulação da pergunta. Mais correctamente, das perguntas.

Uma singela hipótese, para estimular o aparecimento doutras mais elaboradas:

Miriam, nome etimologicamente derivado do egípcio Myrhiam, que significa "princesa", e que também é equivalente a Maria. Miriam, irmã de Moisés e Arão, que salva o primeiro das águas do Nilo. Personagens que na Torá hebraica protagonizaram o salto da escravidão para a liberdade, e que desencadearam os inevitáveis e essenciais descaminhos decorrentes.

Orfeu B.


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