quinta-feira, 9 de setembro de 2010

O MUNDO ALUCINANTE DE REINALDO ARENAS




Foi publicada este ano a 2ª edição, revista, (D. Quixote) da obra “O Mundo Alucinante”, de Reinaldo Arenas (1943- 1990). Já conhecia outras obras deste autor cubano, mas esta tem características específicas. É um fresco baseado na vida de Frei Servando Teresa De Mier, frade domonicano que viveu nos séculos XVIII e XIX, fresco “alucinante” que se pode representar sob a forma de um grande painel cénico de vários planos sobrepostos. Planos correspondentes às cenas da vida de um frade pícaro que percorreu vários países da Europa, da América do Norte e da América Central, onde, em fuga ao braço comprido da Inquisição, lhe aconteceram múltiplas desventuras, sempre marcadas por equívocos e tragédias que não o destruiram, pois o segredo é “nunca nos darmos por derrotados.” Uma biografia romanceada que o autor considera, no que é essencial, idêntica à sua própria. Estamos, pois, perante um processo de identificação levado aos seus limites. Texto “alucinante” sob vários aspectos, nomeadamente pelo ritmo da história e pela exponenciação do sentido latente da narrativa, a sair abruptamente da descrição de uma realidade, para entrar no campo do fantástic e do onírico. Apenas um exemplo, o de uma situação em que o frade Servando perorava em latim (op. cit, p 48):
“Os noviços bombardeavam-no com velas acesas, que eram certeiras a bater no alvo. E estava no meio de uma destas capelares batalhas, quando entrou pela porta central ( de lado e a custo) o arcebispo em pessoa. Deslumbrante, de púrpura vestido, de modo que parecia uma baleia ao pôr do Sol”. (...) “E como Servando, ao mesmo tempo que seguia o fio do discurso, continuava a remeter os projécteis que lhe enviavam, um deles veio direitinho de encontro à sereníssima testa do prelado. O arcebispo olhou para o púlpito encostado ao tecto. Abriu a boca e deixou escapar um grupo de cobras. Caiu de costas como um grande sapo, flagelado pelos lançamentos do pregador” (...).
Trata-se, pois, de uma obra eivada de humor, decorrente do absurdo de situações sociais que têm tanto de terrível como de negação do que é essencial ao Homem. Tal como o herói do livro, também Reinaldo Arenas nunca se dá por derrotado nas inúmeras vicissitudes da sua vida (oposição política ao regime que havia apoiado, fuga do país...), nunca abdica do que considera ser o caminho certo que, em última instância, é o seu compromisso com a escrita. Compromisso bem expresso em obras anteriores, como é o caso de “Antes que Anoiteça” (Asa), a autobiografia da tragédia que foi a sua vida. E só quando o agravamento da doença (sida) e o sofrimento dela decorrente o impedem de escrever é que desiste da vida
Em suma, “O Mundo Alucinante” é uma obra aliciante que se pode incluir no âmbito da literatura fantástica, construída com recurso a alegorias de grande beleza literária.

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