domingo, 12 de setembro de 2010

A VIOLÊNCIA QUE VEM DO NORTE



Mankell é obviamente uma importante fonte de inspiração para outros autores de policiais suecos e nórdicos como Jo Nesbo, Camila Lackberg ou Stieg Larsson no retrato que dão da sociedade sueca, dos seus preconceitos, dos seus crimes, da corrupção, do racismo, da solidão, da violência escondida que impregna essa sociedade.

A diferença é que Mankell é um homem que não só retrata essa sociedade através dos seus enredos policiais como a questiona. A partir de um ponto de vista ideológico e crítico Mankell abre janelas que os outros autores deixam fechadas.

Wallander, o detective de Mankell tem muito em comum com Maigret. É intuitivo, reflexivo, precisa de sentir a ”alma” dos sítios, a motivação das pessoas, o seu perfil psicológico, a que dá mais importância do que às provas materiais.

Wallander é um homem como qualquer um de nós. Tem angústias, insónias, sofre ainda pelo divórcio imposto pela ex-mulher, mantém uma relação ambígua com o pai que ficou furioso quando soube que ele queria ser polícia, preocupa-se com a filha pouco mais que adolescente que ainda não escolheu um curso ou uma profissão, mantém um namoro à distância com Baiba, uma professora universitária que vive em Riga, na Letónia.

O ritmo da narrativa é razoavelmente lento, por vezes algo repetitivo, mas muito envolvente. Nestes dois romances vamos acompanhando os preparativos dos criminosos para os seus terríveis homicídios. Mas não sabemos tudo. Só sabemos parte dos rituais dos assassinos. Só a pouco e pouco vamos conhecendo as suas motivações e obsessões.

Digamos que o percurso do leitor é paralelo ao percurso dos investigadores e penso que é aí que Mankell conquista os leitores, não tirando revelações fantásticas do chapéu de mágico, mas desenvolvendo uma arte muito própria de fazer com que a matéria dos crimes vá sendo revelada ou até partilhada degrau a degrau.



Em “A FALSA PISTA” há um momento notável em que o criminoso, um serial killer de 14 anos, cai de joelhos a chorar frente ao corpo da irmã que ele adorava e que morreu. Esgotado e carregado de humanidade, Wallander cai de joelhos a chorar ao lado dele.



Em “A QUINTA MULHER” há uma denúncia fortíssima da violência de que as mulheres são alvo na Suécia e sobre a violência latente de uma sociedade que começa a ter dificuldade em respeitar as suas instituições, nomeadamente a polícia.

A violência resulta sempre de uma sociedade incapaz de dar resposta às suas mais profundas angústias e que se confronta com uma auto-imagem de violência em que não quer reconhecer-se.

Mankell faz uma crítica severa da sociedade ultra-liberal, ainda longe da crise actual, mas já eivada de um sentido economicista em que o bem público, passo a passo, vai sendo ignorado e delapidado com as inevitáveis consequências humanas e sociais.

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