quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

A AMANTE HOLANDESA



Há já alguns anos, um amigo holandês perguntou-me o que é que eu achava daquele grande escritor que era o Rentes de Carvalho. Devo dizer que, na altura, esse grande escritor português era-me completamente desconhecido. E até cheguei a desconfiar do entusiasmo do meu amigo holendês e que seria improvável não ter pelo menos ouvido falar de um tão elogiado escritor português.

Tenho de fazer um imenso mea culpa.

VIm a saber mais tarde que, depois de um exílio político que começou no Brasil, Rentes de Carvalho vivia na Holanda desde 1956, onde publicou vários romances com um tremendo sucesso junto do público holandês mas que o seu nome era quase desconhecido em Portugal.

Conheci-o há cerca de um ano, durante a “Literatura em Viagem”, na Biblioteca de Matosinhos. Conversámos, almoçámos e jantámos à mesma mesa. Fiquei encantado pela sua afabilidade e pelo seu brilho de palavra.

Finalmente cheguei à escrita dele. Li-o impressionadíssimo. Pela belíssima escrita, pela qualidade e pelo domínio do tempo narrativo, pelo retrato duro, intenso e arrebatador que faz de um Portugal profundo situado numa aldeia perdida no meio de Trás-os-Montes.

Dois amigos de infância reencontram-se, o professor de História e o pastor que foi emigrante na Holanda. O pastor conta-lhe a sua vida na emigração, o fascínio pela Holanda, o amor deslumbrante por uma belíssima holandesa de quem teve uma filha que lá ficou.

O professor começa a roubar ou a fazer sua a narrativa do outro e apaixonar-se pela amante holandesa do amigo. E tudo isto em longos passeios pelas encostas e penedias onde caminham e conversam.

Por razõres diversas ambos são diferentes do comum da sua aldeia. Por isso os seus conterrâneos vigiam-nos e tornam-nos em vítimas de olhares, de boatos e coscuvilhices

No entanto, debaixo da superfície daquilo que se diz no dia-a-dia de uma vida onde nada parece mudar, fica a pequenez, o azedume, o vício, a mentira, a inveja que germinam silenciosamente e que acabam por explodir numa violência desmesurada de que é máximo exemplo a cena da taberna, das mais intensas e agudas que tenho lido nos últimos tempos.

lavada a sangue a raiva, logo de seguida tudo parece ficar esquecido para se voltar à mesma rotina sempre minada e à beira de uma qualquer outra explosão.

A narrativa de Rentes de Carvalho é conduzida com um ritmo constante e controlado, dominando com eficácia o tempo com que faz surgir as surpresas que vêm rasgar uma e outra e outra vez a superfície da história e trazem um tremor crescente ao coração do leitor.


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