segunda-feira, 26 de março de 2012

A caixa negra


Diz nas tuas orações que a solidão, o desejo e a nostalgia são mais do que conseguimos suportar. E sem eles, perecemos. Diz que tentamos receber e dar amor, mas que nos perdemos no caminho. Diz que eles não se devem esquecer de nós e que ainda continuamos a cintilar nas trevas. Tenta descobrir como podemos libertar-nos. Onde fica a terra prometida.

Amos Oz


A caixa negra duma relação amorosa desfeita, com todos os detalhes e a densidade da tragédia contada retrospectivamente e por meio da troca epistolar entre os personagens. Mais um romance brilhante, e permeado de grande humanidade do escritor israelita Amos Oz. Um autor que surpreende pela franqueza da sua abordagem e pela extraordinária capacidade de criar formas originais de contar-nos como a natureza humana é igualmente capaz de engendrar a crueldade e a bondade, o egoísmo calculado e o altruísmo espontâneo e absoluto.

Nesse romance invulgar do autor de livros fundamentais como "Nas terras de Israel", "Uma pantera na cave", "Conhecer uma mulher", "O meu Michel", e do único "O mesmo mar", novela que consiste numa sucessão de poemas de comovente beleza e intimismo, a relação conturbada dum casamento que redundou num escandaloso divórcio é dissecada impiedosamente. Mas, dos escombros dessa relação falhada, surge uma pungente trama humana, quando a mulher, agora casada com um religioso, ainda sequiosa de visitar a caverna escura da antiga relação, escreve, sete anos depois para o ex-marido sob o pretexto de encontrar apoio na orientação do filho rebelde, um Sansão, um nazarita acéfalo, um anjo dotado de extraordinária força física, mas sem qualquer propósito e objectivo. Por sua vez, o pai, um militar brilhante, um escritor mundialmente conhecido, vive numa solidão absoluta, consequência lógica da sua história pessoal, indelevelmente marcada pelo divórcio e pelo rigor da sua capacidade de analisar as guerras, as pulsões humanas e o estranho fenómeno da religiosidade.

Um livro de grande beleza e densidade humana, onde o drama dos personagens resolve-se no terreno da acção mais pura e básica do judaísmo e, em certa medida, da condição mais fundamental de toda a concórdia humana: o perdão.

Orfeu B.

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