segunda-feira, 19 de agosto de 2013

COMO QUEM DESCASCA UMA CEBOLA


Há uma série de belos escritores espanhóis que frequento sempre que posso. Javier Marías, Juan José Milás, Rosa Montero, António Muñoz Molina, entre outros, como é o caso de Ignácio Martinez de Pisón.

Com vários livros publicados em português, Ignácio Martinez de Pisón trabalha normalmente um período histórico que vai dos anos 50 aos anos 80, ou seja, um período de que muitos dos seus leitores guardam pelo menos recordações de comportamentos, formas de vestir, objectos. O autor situa-nos, assim, num tempo que nem é longe na História nem próximo dos nossos dias. Um pouco à maneira do programa de telesão "Conta-me como foi". E ao lê-lo damos connosco a pensar: "Olha que giro", "Os meus pais eram assim mesmo", "Eu lembro-me dos cafés como estes!", "A malta nesta altura funcionava mesmo à maluca!"

Esta escrita tem uma espécie de doçura sem contemplações. E essa doçura vem do facto de que Pisón, mesmo aos personagens mais negros e feios, conseguE inseri-los num percurso humano que os explica sem os justificar.


Pisón não vai a direito. Conduz a sua narrativa em círculos. Revela as suas personagens de uma forma poliédrica. E quando julgamos que já conhecemos uma personagem, eis que o autor acrescenta mais qualquer coisa que nos faz olhá-la de forma ligeiramente diferente. E todo o romance segue esse percurso de aproximação como quem descasca uma cebola.

"o DIA DE AMANHÃ" conta-nos a história de um bufo ao serviço da Brigada Social (a polícia política do tempo do franquismo) desde os seus sonhos e quimeras de juventude até à morte por assassinato, 3 ou 4 anos a seguir à morte de Franco, frente por um comando italiano de extrema-direita.

A narrativa segue em círculos através dos testemunhos dos muitos que o conheceram como homem de negócios, aldrabão, sonhador, amigo, sedutor, amante, bufo, agitador de extrema direita

Justo Gil Telles, o Ratazana, como é conhecido na polícia, é um homem capaz do melhor e do pior, primeiro para curar a mãe entrevada, e no fim para preservar o intocado grande amor da sua vida, por um lado e por outro capaz de denunciar e matar como forma, lá no fundo, das desgraças que a vida o fez passar.

Neste múltiplos testemunhos, além da história de Justo, Pisón vai-nos dando numa espécie de painel de azulejos a história dos 15/20 anos anteriores ao fim do franquismo, com pormenores inesperados, uma capacidade invulgar de reconstruir a memória de um tempo que está à porta da História mas talvez ainda não o seja totalmente


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