sábado, 12 de setembro de 2015
ANTÓNIO FERRO MODERNISMO, PROPAGANDA, SALAZARISMO
Este é o livro de um jornalista sobre um outro jornalista que terá vendido a verdade da sua profissão para se tornar num propagandista sem escrúpulos da figura tão oblíqua e tão duradoura como foi a do ditador Oliveira Salazar.
O núcleo central do livro entrega-nos, com revolta e com pormenor resultante de muita investigação, a figura multifacetada de um homem que desempenhou um papel fundamental nos anos 30 em Portugal e que acabou afastado do país, numa espécie de exílio dourado, a seguir ao final da 2ª Guerra Mundial.
O livro de Orlando Raimundo, centrando-se na figura controversa e espaventosa de António Ferro, dá-nos também um retrato atento do Portugal cultural, político e social dos primeiros anos da ditadura.
Amigo de Fernando Pessoa e de Almada Negreiros, escritor de fraca qualidade, admirador incondicional de Mussulini, apoiante do nacionalismo franquista de Espanha, apoiante incondicional de Salazar, António Ferro terá estado disposto a torcer toda a verdade, a fabricar obras de claríssima propaganda como as entrevistas a Salazar, disfarçadas de peças de jornalismo ou literatura.
Ferro mexer-se-ia com facilidade em certos meios da cultura internacional, trazendo a Portugal figuras de prestígio inquestionável que cercava de honrarias e festas, procurando vender uma imagem nacional de progresso e desenvolvimento fazendo do povo português um povo pacífico e seguidor entusiasta da política salazarista.
Algumas cenas ridículas e menores vão sendo desenterrados por Orlando Raimundo que procura ao longo do livro contestar claramente o mito de que Ferro seria um homem do modernismo com obra literária apreciável.
A denúncia das manigâncias de Ferro deixam surpreendidos os menos informados. E mesmo quem, como eu, cresceu debaixo de alguns dos mitos do propagandista, fica ainda surpreendido perante as mentiras e invenções falsamente populares como são o galo de Barcelos, a aldeia mais portuguesa de Portugal, as sete saias das mulheres da Nazaré, as arrecadas de ouro das noivas do Minho, as marchas dos Santos Populares e etc, etc.
Outro aspecto importante.
Percebemos aqui como, além de Almada Negreiros, Ferro puxou para si a colaboração de inúmeros artistas plásticos, mesmo os mais vanguardistas. Pelo contrário foram muito menos os escritores a marcar presença ao lado do regime. E talvez a razão seja simples. Os artistas plásticos, sem outros mecenas ou compradores, passaram a depender em grande parte das encomendas do homem da propaganda do regime. Os escritores, por seu lado, tinham outras profissões e não viviam da escrita.
Muito mais haveria para dizer de um livro que assume claramente o risco de tratar a memória com emoção. Por isso mesmo e não só trata-se de um livro fundamental sobre um período e uma figura que muito tem sido maquilhada e que nos mostra a importância de trazer a terreiro as memóias, por vezes tontas, por vezes dolorosas, da nossa história recente.
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1 comentário:
Interessante e para considerar.
Boas leituras.
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