sexta-feira, 28 de agosto de 2015
O EXÉRCITO ILUMINADO
Há editores que marcam a vida dos leitores. Através da tradução e da edição trazem-nos ao conhecimento autores que nos escapariam porque não podemos saber tudo nem conhecer todos os autores e todos os livros do mundo e muitos nos escapam e sempre nos hão-de escapar.
No entanto, a sensibilidade e teimosia destes homens ou mulheres vão traçando caminhos de leitura e, talvez até, caminhos de vida.
Recordo o João Rodrigues que me deu a conhecer na colecção de Bolso da Âmbar o notável escritor italiano Erri de Luca, que muito aprecio e que sigo em português e por vezes em traduções francesas. Mais tarde, na Sextante, o João continuou a dar a conhecer autores fundamentais como Don de Lillo, Romain Gary e mais e mais.
O Carlos da Veiga Ferreira criou um catálogo fabuloso na editora Teorema e continua na Teodolito. Agradeço-lhe ter conhecido escritores como Ignácio Martínez de Pisón, ou o tão diverso W. G. Sebald.
Recordo ainda Rolin, Modiano, aparecidos em português na colecção da ASA pelas mãos do Manuel Alberto Valente.
Ou o trabalho fantástico da Maria do Rosário Pedreira na Temas & Debates ao dar a conhecer estritores como João Tordo, Paulo Moreiras e José Luís Peixoto.
E ainda antes deles todos, o Carlos Araújo, na D. Quixote dos anos 60, com os seus fantásticos Cadernos D. Qixote, Cadernos de Poesia, Cadernos de cinema e outros.
Um destes editores a quem me sinto particularmente agradecido é o Marcelo Teixeira da Editora Parsifal. Há uns anos, estava ele na Campo das Letras (Grupo Leya) e publicou uma excelente colecção, Ovelha Negra de seu nome, que me deu a conhecer autores latino-americanos como José Emílio Pacheco, Jesus Zarate, Augusto Monterroso e vários outros, entre os quais o mexicano David Toscana.
O primeiro livro de Toscana que li chama-se "O primeiro leitor", já aqui o abordei e guardo dele uma recordação entusiasta.
"O Exército iluminado" é uma pérola, uma delícia, um delírio, um caminho de grandes e pequenas surpresas que nos arrastam
Talvez possam querer arrumá-lo nas prateleiras do "realismo fantástico" onde, com rancor, alguns críticos gostam de guardar os seus ódios.
Eu cá, gosto de excessos. Gosto do uso desbragado da imaginação que leva as situação até às últimas e impensáveis consequênciasao do riso à mais profunda e comovente emoção. É neste território que Toscana trabalha.
Ignacio Matus é um professor que transmite repetidamente aos alunos a vergonha nacional que constituiu a perda do estado mexicano do Texas para os Estados Unidos da América, o que leva à sua expulsão do estabelecimento de ensino.
Ferido no seu patriotismo, decide formar um exército no qual se alistam crianças deficientes, que sai da cidade de Monterrey numa carrossa puxada por um burro com a missão de atravessar o rio Bravo, reconquistar o forte El Álamo e, assim, recuperar o Texas e a dignidade da pátria mexicana.
O seu antiamericanismo deve-se também à firme convicção de que um atleta norte-americano lhe arrebatou a glória da medalha de bronze nas Olimpíadas de Paris em que, de resto, ele não participou mas, correndo ao mesmo tempo, em Monterrey, teve melhor melhor resultado.
Romance inquietante, irónico e comovente, onde os fracassos das personagens os transformam em verdadeiros heróis e onde aas narrativas do onírico, da mitomania patriótica, do consumismo mediático, se atravessam e sobrepõem numa malha que está sempre a arrastar-nos para permanentes surpresas que tornam a leitura numa experiência que nos agarra pelos olhos e não nos larga até ao fim.
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