Grady nunca passara o Verão em Nova Iorque, e por isso nunca conhecera uma noite como aquela. O tempo quente abre o crânio a uma cidade, mostrando o cérebro branco, e o coração cheio de nervos, que crepitam como fios no interior de uma lâmpada. E emana um cheiro acre sobre-humano que faz com que as próprias pedras pareçam de carne viva, ligadas e a pulsar. Não era que Grady não estivesse familiarizada com o desespero acelerado que uma cidade pode produzir, pois já vira todos os seus componentes na Broadway. Só que aí fora algo a que assistira como espectadora, e na qual não tomara parte. Mas agora, não havia saída possível: ela mesma era um dos participantes.
Truman Capote
Travessia de Verão (Summer Crossing) é uma das primeiras experiências novelísticas de Truman Capote (1924-1984), celebrado escritor norte-americano, autor de “Breakfast at Tiffany’s” (1958) e “In Cold Blood” (1966). Publicado postumamente em 2004 (em 2006 entre nós), o manuscrito foi encontrado nos pertences do autor após a sua morte numa das suas antigas moradas em Nova Iorque, não se sabe se por esquecimento ou deliberadamente. Depois de uma análise cuidadosa, os representantes legais do Fundo Literário Truman Capote, estabelecido ainda em vida por desejo do autor, decidiram pela publicação do manuscrito por considerá-lo completo e após umas poucas ligeiras correcções.
O traço estilístico do autor é indelével e trata-se de uma obra muito carregada com as preocupações dos autores norte-americanos dos anos 1950. As descrições claras e penetrantes são intercaladas pelas reflexões dos protagonistas que se sucedem com grande energia. Capote é exímio em contrastar as classes sociais dos personagens e descreve com cores vívidas o absurdo das etiquetas, a veleidade e a prodigalidade da classe dominante de Nova Iorque dos anos 1950.
Em a Travessia de Verão, Capote cria o relacionamento de Grady, de 17 anos e filha de um magnata da indústria, com Clyde de 23 anos, um modesto judeu do Brooklin, cujos horizontes estão fechados pela falta de qualificações e pela falta de talento no basebol. Contra a vontade da família, Grady decide não acompanhar os pais num cruzeiro para a Europa, para desfrutar em liberdade o recém estabelecido relacionamento com Clyde que trabalha em um parque de estacionamento na Broadway junto ao Teatro Roxy. A voragem consome os jovens protagonistas que acabam por casar clandestinamente. Quando a irmã de Grady descobre que Grady está grávida toda a tensão descritiva é resolvida com um final indefinido, no qual ficam abertas todas as possibilidades e cujas decisões fundamentais são deixadas para leitor.
Orfeu B.
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