quinta-feira, 25 de dezembro de 2008

A SÍNDROME DE ULISSES



Neste ano tenho andado à volta dos autores sul-americanos da geração que sucede á dos 5 ou 6 "monstros" da literatura que são Neruda, Borges, García Marquez, Carlos Funtes, Octávio Paz e mais um ou dois.

Cabem aqui vários nomes, Sérgio Pitol, Sepúlveda, Bolaño, Laura Restrepo, David Toscana, Guillermo Fadanelli e vários outros, entre os quais o colombiano Santiago Gamboa.

"A síndrome de Ulisses", de Santiago gamboa, é um livro poderoso e envolvente sobre um tema que me é caro: o desenraizamento e as permanências culturais e comportamentais das emigrações.

A primeira das três partes que compõem a narrativa oferece-nos um magnífico cruzamento de histórias de várias personagens da emigração económica e a emigração ou exílio político em Paris, com as suas motivações, desesperos, obsessões, desejos, misérias e grandezas. Temos os sul-americanos, os árabes, um coreano, os africanos, os de leste.

A segunda parte tem alguns aspectos especialmente interessantes: a história de Nestor, o ex-guerrilheiro colombiano, jogador brilhante de xadrez, desaparecido numa história de recorte policiária; em simultâneo surge-nos o inesperado amante de Nestor, professor francês de filosofia, comunista e homossexual; a história de Jung, o coreano que que lava louça num restaurante e faz tudopara conseguir arrancar a mulher a um hospital psiquiátrico de Pyongyang e mandá-la vir para Paris mas que se suicida porque não consegue voltar a enfrentá-la; a do marroquino Salim que quer libertar-se da obsessão por um romance argentino mais ou menos obscuro descoberto na sua cicdade de Marrocos e que faz o doutoramentp para, através de uma rigorosa análise literária, conseguir exulsar de si a obsessão por aquele livro.

Segue-se uma espécie de descida ao delírio do sexo. Parece haver algum excesso de voyeurismo que, no entanto, quanto a mim, pode ser explicado porque o espaço do exílio é também o espaço da falta de raízes e da quebra de todas as regras em especial no sexo onde emigrante porventura encontra o úinico espaço de liberdade e de busca desmesurada de afecto e consolo.

Uma das caracteísticas deste romance é a das referências literárias constantes que parecem ser uma preocupação desta geração de escritores sul-americanos (a julgar por Bolaño). Cheiram por vezes a um certo novoriquismo cultural ou procura de uma clientela da elite “culturalesca", ou ainda a uma forma de fuga ao real (quer seja um real ficcional ou não) e a um trabalho fundo sobre a própria linguagem.

Como Bolaño, escritor chileno que é uma espécie de referência obrigatória para os jovens escritores latino-americanos, Santiago gamboa vai também pegar em personagens reais personagens reais (Goytisolo, Neruda, etc) para as misturar na ficção.

Com Gamboa percebemos bem a questão da perda doéspaço de pertença, do folclore associado aos dencontros e desencontros da emigração onde os homens e as mulheres ficam a viver num limbo mais ou menos agressivo onde é preciso desenrascarem-se e esperar que o tempo lhes traga o dia de sorte que às vezes não vem.

A terceira parte parece um pouco apressada. O autor precisa de acabar e desata a acabar deixando tudo em aberto como, se calhar, convém.

O fundamental é que tem um magnífico fôlego narrativo, desenha muito bem algumas das personagens e faz-nos sentir os locais, o ambiente, a temperatura, a terrível angústia do emigrante, esse animal que perdeu o seu território materno por vezes para sempre.

1 comentário:

Paulo Ventura disse...

há outros livros do gamboa, de um género mais negro e policial que adorei também.