sábado, 21 de junho de 2014
O POETA NO EXÍLIO
O brasileiro Ferreira Gullar (nome literário de José Ribamar Ferreira) é um grande poeta de língua portuguesa da nossa contemporaneidade (veja-se, por exemplo, o seu célebre “Poema Sujo”).
Mas não é da sua poesia que quero falar, hoje, é, sim, do seu livro de memórias do exílio. Obra editada em Portugal com o título “Rabo de Foguete. Os Anos de Exílio”, pela Verbo, em 2010. Uma autêntica epopeia de Ferreira Gullar por múltiplos países: o próprio Brasil, a União Soviética, Chile, Peru, Argentina. Sempre sob a alçada do Partido Comunista, de que fazia parte.
A história começa quando é informado que o seu nome está na lista negra dos generais que haviam instaurado uma ditadura militar no Brasil. Assim, inicia uma fuga, primeiro no Brasil, em casas de familiares, a seguir por vários países, sempre pela mão do Partido Comunista Brasileiro, que lhe prepara a documentação necessária à fuga para Moscovo, onde irá frequentar uma “escola de quadros” para dirigentes e membros de partidos comunistas estrangeiros.
O relato da sua estadia na União Soviética é algo de empolgante: o quotidiano na “escola”; os colegas brasileiros; a sua vida amorosa; o que vê e ouve no contacto com a sociedade russa, tudo é descrito num admirável estilo jornalístico, em que não se critica, nem se elogia, deixando a cada leitor a possibilidade de tirar as suas conclusões. Sempre numa prosa perfeita, inteligente, honesta.
Terminado o curso, é “exportado” para a América do Sul, para o Chile, onde assiste à criação de um clima que leva ao golpe militar do General Pinochet, à morte do Presidente Allende. E ei-lo outra vez em fuga, com uma passagem pelo Peru, seguida da sua fixação na Argentina, onde assiste à revolta dos generais de extrema-direita e à implantação de uma ditadura militar, o que vai originar nova fuga e o regresso ao Brasil, onde, entretanto, a ditadura estava a desmoronar-se.
É desta fuga permanente às baionetas dos militares que a obra colhe título: “Rabo de Foguete”. Fuga que tem consequências graves na sua vida e na da sua família, principalmente para os seus filhos.
E a obra termina de um modo desconcertante:
“Pedi mais tarde ao meu advogado que me obtivesse uma certidão de sentença absolutória do Superior Tribunal Militar para me garantir contra qualquer eventualidade. Ao ler o documento, verifiquei que, embora o processo fosse meu, a pessoa absolvida não era eu: chamava-se José Ribamar Ferreira mas os pais eram outros. Tratava-se de um líder camponês, também maranhense, que havia aderido à luta armada. Assim se explicava a surpresa do oficial do Exército, que invadira a minha casa em 1970, ao saber que eu não era líder camponês mas jornalista. E pensar que havia ficado todos aqueles anos no exílio à espera de uma absolvição que, afinal de contas, revelou-se desnecessária.
Mas não importa. A vida não é o que deveria ter sido e sim o que foi. Cada um de nós é a sua própria história real e imaginária.”
Sem dúvida, a realidade ultrapassa sempre a imaginação, mas quando mete polícia secreta, governos de militares e políticos incompetentes, então, acontece o que de mais imprevisível se possa imaginar...
Quem não ler este livro perde um documento humano essencial ao conhecimento da História do século XX do mundo ocidental.
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