quinta-feira, 26 de junho de 2014

Retrato de Rapaz


“Dirão um dia que não conseguimos, mas cada voo a si mesmo se inventa, e nenhum se repete, partamos pois, meu Filho, para outra viagem, não há bússola que nos comande, nem universo que nos detenha.”

Mário Cláudio


Retrato de Rapaz é uma novela de grande amplitude humana e de uma superior perspicácia psicológica. Uma novela que descreve a relação de Leonardo da Vinci (1452-1519) com um dos seus mais próximos discípulos, Gian Giacomo Caprotti (1480-1524), um espírito diabólico em estado juvenil, conforme percebeu Leonardo quando o alcunhou de Salai. Mas entre o génio e este discípulo improvável, estabeleceu-se uma ligação emocional de grande cumplicidade e intimidade, que atravessou uma parte importante da vida adulta de Leonardo e que se estendeu até a sua morte. 

Retrato de Rapaz permite-nos vislumbrar a teia de afectos de Leonardo e resolver um enigma que não deixou de fascinar o próprio Freud, que chegou a afirmar, no seu bem conhecido texto sobre o génio renascentista, que este não tivera qualquer vida sentimental. Em oposição, Mário Cláudio, mostra-nos com uma invulgar riqueza de matizes narrativas e a sua exímia escrita, que muito pelo contrário, a vida emocional e íntima de Leonardo não era desprovida de um centro, e que neste estava solidamente instalado Salai.

O autor destas breves linhas nunca teve dúvidas quanto à capacidade única da arte em nos guiar por entre a riqueza e as subtilezas das emoções in vitro, mas é sempre um prazer renovado ver este “teorema” concretizado na forma de um texto que nos permite contemplar os pigmentos que singularizam cada alma e as paixões que as movem. Retrato de Rapaz propicia-nos o entendimento revelador da faceta  pessoal de uma das mais extraordinárias figuras do Renascimento. Só um grande artista tem o dom de descrever com tanta clarividência o lado humano no caudal turbilhonar de uma mente tão criativa como a de Leonardo.  

Orfeu B.




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