terça-feira, 13 de julho de 2010

QUE COISA É LER?




Muitas vrezes pergunto-me que coisa é ler. Porque quando falamos de ler, falamos de coisas muito diferentes

Há leituras leves, distraídas, leituras que se podem dreixar a meio, esquecer e repegar quase sem reatar o fio umbilical que liga o leitor ao livro. Leituras que nos devolvem a brisa ligeira do quotidiano, leituras que não nos questionam, nem inquietam, não nos apaixonam nem nos fazem tremer.

Outras há que nos exigem uma entrega intensa, uma atenção cuidadosa, uma adesão visceral, que nos acendem o fogo da dúvida, o negrume do pavor, o deslumbre da maravilha.

São escritas muito diferentes que solicitam leituras e, porventura, leitores muito diferentes, e entre os seus extremos haverá toda uma série de variantes que vão do mais denso e absorvente ao mais ligeiro e evanescentes.

"SANTA MARIA DO CIRCO" exige uma leitura intensa. David Toscana exige-o. O meu amigo Marcelo, editor responsável por esta notável colecção da OFICINA DO LIVRO dedicada à divulgação de grandes escritores latino-americanos contemporâneos, já tinha proporcionado a leitura entusiástica de "ÚLTIMO LEITOR" do mesmo autor, que era também um livro desenhado numa escrita poderosa, densa, intensa e apaixonante.

O novo livro de David Toscana conta-nos uma história metafórica sobre a condição humana, constituída por um tapete de pequenas histórias e sonhos pessoais, diálogos, monólogos, que nos surpreendem permanentemente e se sucedem numa multiplicidade de olhares como se de uma obra musical de contraponto se tratasse.

A uma aldeia abandonada no deserto que só tem uma igreja vazia, meia dúzia de casas desoladas, uma sanita de porcelana e a estátua de um heroi no meio da praça.

Chegam alguns miseráveis artistas que decidiram abandonar o circo e começar uma vida estável. Para se instalarem na aldeia entendem que cada um deve exercer uma profissão. Para tanto resolvem tirar as profissões à sorte. E há uma jornalista, um militar, o anão a quem cabe ser padre, a Barbarela, a mulher barbuda, calha ser médica, a Hércules, a prostituta, a Flexor, calha ser o preto, porque todas as aldeias têm um preto.

Cada um veste com mais ou menos convicção o seu papel de uma forma onírica, delirante, perversa, terna. Vão constatando a sua incapacidade de sobreviver, o que se torna mais evidente com a chegada do dono do circo que volta a contratar alguns deles e segue rumo à próxima povoação onde o circo vai apresentar o seu espectáculo.

Ficamos com o gosto amargo deste mundo-circo onde muitas utopias se esboroam amargamente na areia do deserto.

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