domingo, 16 de fevereiro de 2014

O TÁXI DA CULTURA POPULAR

Circula pela ruas de Lisboa um táxi que tem escrito nas portas um conjunto de informações de quem o conduz. Começa pelo título, em letras grandes, “CULTURA POPULAR”, logo seguido de dados sobre o condutor, autor de livros, ali em venda. E assim aconteceu, depois de me ter informado que era de Folgosinho, aldeia beirã, falou-me da cultura popular e da sua importância na cultura de um país. A que se seguiu um relato da sua vida e o modo como a relata em verso, no seu livro “Memórias do Trovador”, de que me mostrou um exemplar, que me vendia por dez euros. Mas que também tinha um outro, “Trovas dos Montes Hermínios”, que também tinha ali à mão. Os dois juntos valiam quinze euros – “mal dá para a impressão”. Enfim, uma técnica perfeita de vendedor experimentado. Como lhe pareceu que eu hesitava, acrescentou: “Os professores catedráticos da universidade são os primeiros a comprar; ainda aqui há dias transportei o professor Mariano Gago, aquele que foi ministro, que me disse que a cultura popular deve ser protegida”. Espantosamente, enquanto falava e me mostrava os seus livros, conduzia com uma segurança a toda a prova. Quando lhe comprei os dois livros, à porta da minha casa, tirou da bolsa lateral do “Mercedes” um saco em plástico com as suas obras. Perguntou-me como me chamava e fez uma dedicatória: “Para o casal Estrela com toda a dedicação do Mundo. O autor António Sequeira Tente”. Do seu livro “Trovas dos Montes Hermínios” transcrevo alguns dos seus versos. O poema “Fontes da minha inspiração” inicia-se com a seguinte epígrafe: “Um poeta fingidor dá valor ao que interpreta, e eu por não ter valor sou fingidor de poeta...” Seguem-se as quadras: “Ó fonte que me sorris, Mesmo que te chamem louca; Até te sentes feliz Por andares de boca em boca. Na fonte do teu jardim, Bebi água fiquei louco, Contigo junto de mim Deliro por muito pouco.” Noutro livro, “Memórias do Trovador”, o poeta inicia o poema “Conclusão”, com duas sextilhas: “São prosaicos e banais. Pelos intelectuais Estes versos não são lidos, Mas p’ra nós os grandes vultos Não passam de doidos cultos Doutra galáxia caídos. Os poemas eruditos Alguns são muito bonitos Os seus autores eu os louvo, Mas embora apetecida Esse tipo de comida Não vai à mesa do povo.” Mas António Tente não é só poeta, também anda a preparar um livro de histórias, que vai escrevendo na sua cabeça, enquanto conduz os seus passageiros aos respectivos destinos. Logo que pode, pára o táxi e anota o seu “texto mental” num caderninho (que tira do bolso, para me mostrar que era verdade). “Histórias terríveis”, tantas as desgraças que os passageiros lhe contam. Até breve António Sequeira Tente, até ao próximo livro de histórias terríveis – a literatura popular não é só poesia...