sexta-feira, 7 de junho de 2013

A Vítima




Há noites em que Nova Iorque é tão quente como Banguecoque. É como se o continente inteiro saísse do seu lugar e deslizasse para mais perto do equador, o implacável e cinzento Atlântico se tornasse verde e tropical e as pessoas que enchem as ruas se transformassem em bárbaros felás no meio dos majestosos monumentos da sua fé, cujas luzes, numa profusão estonteante, se fundiam incessantemente com o calor do céu. 

Numa dessas noites Asa Leventhal apeou-se apressadamente de um comboio na Terceira Avenida. Absorto em pensamentos, quase ia deixando passar a sua paragem. Quando a reconheceu deu um salto e gritou ao condutor:

- Eh, aguente aí, espere um minuto! 

Saul Bellow



Asa Leventhal é o protagonista deste romance de 1947, escrito numa linguagem directa e desprovida de ornamentos, muito ao estilo dos grandes romancistas norte-americanos, Hemingway, Faulkner e Steinbeck. Sendo um dos seus primeiros romances, parece-me inevitável que o autor de obras primas como Herzog, Jerusalém ida e volta, O planeta do senhor Samler, tenha sido influenciado pelos grandes romancistas do seu tempo. Porém, há neste romance, o embrião dum estilo muito próprio e da abordagem temática que permeia toda a obra de Bellow, nomeadamente a instabilidade psicológica dos personagens que não escapam à fricção da cultura europeia dos judeus radicados nos Estados Unidos e a cultura fluída, mutante e em contínuo estado de auto-destruição e reconstrução que caracteriza as correntes sociais duma América multi-cultural. 

Asa Leventhal é um desses personagens. Por trás da forma concreta e directa como aborda a vida e os seus problemas, há um homem emocionalmente frágil, extremamente dependente duma rotina invariante e com uma obsessão muito judaica de agir correctamente e de não causar o mal. Quando durante a ausência da esposa num longo e escaldante Verão recebe a visita dum conhecido que há muitos anos o havia proposta para um emprego e que agora o culpa por ter perdido o emprego, Asa é incapaz de defender-se da acusação e deixa-se enredar numa vil e despropositada chantagem.

Um livro dotado duma subtileza psicológica muito refinada, e embora não sendo uma das obras mais importantes do autor, permite-nos ter uma excelente perspectiva da evolução estilística e das preocupações deste grande autor norte-americano, Prémio Nobel de Literatura de 1976.          

Naturalmente, a obra de Bellow é muito bem conhecida e objecto de estudo em vários contextos, porém parece-me particularmente interessante a sinopse comentada da obra de Bellow por outro grande escritor norte-americano, Philip Roth:


Orfeu B.
     



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