Peter Greenaway (1942) é um dos mais criativos e sofisticados cineastas do nosso tempo. A beleza pictórica das suas criações reflectem a sua formação de artista plástico, embora seus filmes vão muito para além da imagem e são invariavelmente diálogos intelectuais e sensoriais entre a imagem, o texto e a linguagem cinematográfica. Desde The Falls (1980), o seu primeiro longa metragem, onde uma complexa rede de acontecimentos envolvendo 94 vítimas de VUEs (Violent Unknown Events) é-nos contada com um humor muito britânico, e somos confrontados com o inesperado, o burlesco, e uma estética extremamente rica e original. Seguiram-se The Draughtman's Contract (1982), A Zed & Two Noughts (1985), The Belly of an Architect (1987), Drowning by Numbers (1988), que abordam temas como a veracidade da representação pictórica, as patologias, as relações humanas enquanto construções arquitectónicas, a estrutura e a simetria das sucessões numéricas e dos acontecimentos.
Filmes como The Cook, the Thief, His Wife & Her Lover (1989), Prospero's Book (1991), o controverso The Baby of Mâcon (1993), e The Pillow Book (1996) consolidaram o estilo e o carácter experimental da borbulhante imaginação de Greenaway.
Em 2006, Greenaway deu início ao ambicioso projecto Nine Classical Paintings Revisited, onde analisa, primeiramente, a Ronda Noturna de Rembrandt, possivelmente uma das mais grandiosas e desconcertantes pinturas de sempre. Seguiram-lhe a apresentação-performance da Última Ceia de Leonardo no refeitório da Igreja Santa Maria delle Grazie em Milão em 2008, e as Bodas em Caná de Paolo Veronese na Bienal de Veneza em 2009.
Nightwatching (2007), é um fascinante festim visual e intelectual, no contexto do qual 34 indagações associadas à representação duma milícia popular de Amesterdão do século XVII são formuladas. Greenaway propõe-nos como solução para os 34 mistérios, uma conspiração para assassinar um dos membros do prestigiado regimento. A demonstração fica concluída com o o filme associado, Rembrandt's J'Accuse (2008), no qual a desgraça pessoal e a ruína financeira de Rembrandt são apresentadas como consequências do libelo lançado, por meio da sua monumental pintura, pelo grande pintor holandês.
Mas, na minha opinião, a questão mais inquietante da brilhante demonstração de Greenaway refere-se à reflexão sobre uma lacuna fundamental do nosso processo de aprendizagem. Greenaway argumenta que somos desde muito cedo ensinados a compreender textos literários de crescente dificuldade, mas muito pouco é-nos transmitido no que diz respeito à leitura das composições artísticas. Naturalmente, esta lacuna nos empobrece consideravelmente, e Greenaway defende que o trabalho artístico deve ser também desenhado para colmatar esta deficiência. A minha concordância com Greenaway relativamente este ponto leva-me a agradecer-lhe pelo contínuo esforço de educar a minha iliteracia visual.
Mas claro, relativamente a qualquer obra de Peter Greenaway nada é certo, e seria igualmente plausível dizer que Nightwatching não passa duma bem conseguida fabricação visual, construída, acima de tudo, para deleite do seu autor. Neste caso, eu teria que bradar peremptoriamente: J'Acuse Mr. Greenaway de deliberada manipulação e falsificação histórica para fins de entretenimento próprio e da audiência!
Termino afirmando que não ouso manifestar a minha preferência relativamente a qual das hipóteses é a mais verosímil, pois acredito que estas ambiguidades são inerentes às verdadeiras obras de arte.
Orfeu B.
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