segunda-feira, 12 de janeiro de 2015

O Epigrama de Staline


 Vivemos, surdos à terra abaixo de nós,
A dez passos de distância ninguém ouve os nossos discursos.

Tudo quanto ouvimos é o alpinista do Kremlim,
O assassino e exterminador de camponeses.

Os seus dedos são gordos como larvas
E palavras, finais como pesos de chumbo, caem-lhe dos lábios.

Os seus bigodes de barata são maldosos,
E o cimo das suas botas brilha.

À sua volta, uma turba de líderes de pescoço fino
Meios-homens bajuladores com os quais ele brinca.

Eles relincham, ronronam ou gemem 
Quando ele palra e aponta o dedo.

Um a um a forjarem as suas leis, para serem lançadas 
Como ferraduras à cabeça, aos olhos ou às virilhas.

E cada morte é um deleite
Para o osseta de peito largo.

Osip Mandelstam


Nos anos de 1930 a vida valia muito pouco no sistema soviético. Enquanto os camponeses morriam à fome e as suas colheitas eram confiscadas para que se organizassem nos improdutivos kolkozes, os opositores eram impiedosamente humilhados, sentenciados e considerados culpados de acusações absurdas. Eram invariavelmente fuzilados ou desterrados para as mais elevadas latitudes na Sibéria.

Em Novembro de 1933, num acesso de ingenuidade demencial, o poeta Osip Mandelstam, considerado por muitos como o mais dotado poeta russo do século XX, escreve a sua sentença de morte sob a forma de 16 estrofes. Um epigrama dedicado a Staline, que no seu infantil julgamento, criaria uma reação colectiva e finalmente a queda do ditador. 

Na noite de 16 de Maio de 1934, Mandelstam é preso e conduzido à prisão do KGB em Lubyanka. Foi torturado e interrogado ao ponto de perder temporariamente a razão, mas não foi fuzilado por ser protegido de Bukharine, ou talvez porque Staline pretendesse que o poeta lhe escrevesse uma homenagem. Foi deportado por quatro anos, com o direito de escolher a povoação do seu desterro. Sobrevive neste período, com a sua esposa Nadezhda, à pobreza extrema. Ao regressar a Moscovo, o próprio Bukharine e os seus torturadores já haviam sido fuzilados e substituídos. Voltou a ser preso e condenado a um novo exílio, agora num Gulag na Sibéria, onde acabou por morrer, presumivelmente no inverno de 1938-1939, com 47 anos.

Em 1956 Osip Mandelstam foi reabilitado e declarado inocente das acusações contra si proferidas em 1938. Em Outubro de 1987, durante a Perestroika de Mikhail Gorbachev, Mandelstam foi ilibado das acusações de 1934 e portanto, completamente reabilitado.

O Epigrama de Staline descreve-nos com realismo a vida trágica de um artista notável condenado pelo crime de poesia. O Epigrama de Staline é um livro sobre um período negro da História, sobre a vida num regime que eliminou impiedosamente qualquer forma oposição, esmagou os seus protagonistas culturais mais notáveis (Mayakovski, por exemplo, suicidou-se em 1930, o físico Lev Landau esteve preso por um ano em 1938-1939), levou muitos outros ao exílio (Rachmaninoff e Prokofiev), e subjugou os sobreviventes aos asfixiantes cânones da arte oficial do realismo socialista. O Epigrama de Staline é também notável pela mestria psicológica com que descreve a complexa relação de Mandelstam com escritores como Anna Akhmatova e Boris Pasternak (ver também Salvo-Conduto) e com outros do mundo literário do seu tempo. 

A morte de Mandelstam coincide com encerrar duma era e com o apagar de qualquer esperança  de humanidade de uma revolução que, cínica e violentamente, deu origem a um regime brutal e completamente irracional. Staline, o subtil observador da dialéctica da História, não percebe a inevitabilidade da guerra e mesmo às portas do mais sangrento conflito armado de sempre, faz um pacto sinistro com o Nazismo, o tratado Molotov-Ribbentrop de 1939, no qual acorda com Hitler a divisão da Polónia e obtém a anuência para invadir a Finlândia e os Países do Mar Báltico. Os acontecimentos subsequentes são bem conhecidos. No verão de 1941, a Alemanha ataca a União Soviética, sua aliada. A União Soviética está seriamente despreparada. Dos 55 milhões de seres humanos que morreram na Segunda Grande Guerra, 20 milhões eram cidadãos soviéticos.  


Orfeu B.

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