Apresentação
da Revista número 11 do Centro de Estudos Teatrais da Universidade do Porto “O estranho
e o estrangeiro no Teatro”
7 de julho de
2016, Faculdade de Letras da Universidade do Porto
Shakespeare, Albert
Camus, Sándor Márai, Orfeu e a Ilha de Lesbos
No dia 20 de junho a Professora Cristina
Marinho esteve no Departamento de Física e Astronomia da Faculdade de Ciências
da Universidade do Porto e deixou-me: um volume intitulado “O estranho e o estrangeiro
no Teatro”; uma belíssima rosa encarnada com subtis traços cor de rosa; e o pedido
para apresentar o volume 11º da revista de Teatro do Mundo, publicado pelo
Centro de Estudos Teatrais da Universidade do Porto (CETUP).
Ao folhear o volume, tornou-se mais que
evidente que não havia qualquer hipótese de satisfazer minimamente o que me era
pedido. Eu simplesmente não tenho os conhecimentos, a cultura e a perspicácia
para fazer uma apresentação que seja minimamente credível e competente de uma
revista tão rica e tão complexa. Inevitavelmente, recordei-me de um texto de
Borges, no qual o participante de um concurso de poesia que tinha como tema a
rosa, decidiu, por conta das convicções estilísticas, enviar ao júri o mais
genuíno poema naturalista: um botão de rosa. Mas, para a apresentação da
revista, já não era possível. A rosa já tinha aparecido no início da história.
Todos sabem que Shakespeare é a quinta
essência do teatro e, assumindo que esta apresentação termina bem, ou noutra
língua, a de Shakespeare, “All’s well that ends well”, o que me cabe é conduzir
esta apresentação de modo a ser consentânea com o epílogo desta bem conhecida
peça:
King: The King’s a beggar now the play
is done. All is well ended, if this suit be won: That you express content:
which we will pay: With strife to please you, day exceeding day: Ours be your patience
then, and yours our parts; Your gentle hands lend us, and take our hearts.
E também com as linhas iniciais e finais
do soneto número XXIII do bardo inglês:
As an unperfect actor on the stage.
Who
with his fear is put besides his
part.
...
O!
learn to read what silent love hath writ:
To
hear with eyes belongs to love's fine wit.
Albert Camus é possivelmente o mais
eminente escritor e pensador que encarnou a figura de um Sísifo da existência;
Albert Camus é também o criador do personagem aparentemente simplório que era estrangeiro da própria
vida. Estrangeiro, estranho, alienígena, errante, refugiado. Albert Camus deu à
existência a densidade do chão que todos nós pisamos e partiu prematuramente,
deixando-nos encurralados no segundo acto de uma peça de Beckett que não tem
seguimento, ainda que todos saibamos que a solução deveria nos ser revelada no
terceiro acto.
Sándor Márai: Na sua obra prima “A
mulher certa” o escritor húngaro apresenta-nos a história de uma relação
marital desfeita do ponto de vista dos três personagens envolvidos (algo como a
“Caixa Negra” de Amos Oz). Três pontos de vista pós-modernamente correctos, mas
que constroem uma encenação teatral disjunta e contraditória, na qual os
personagens se dirigem a si próprios, estranhos uns para os outros,
estrangeiros na sua terra natal e noutras, estando ao mesmo tempo profundamente
entranhados na trama da vida desfeita e refeita pela continua transformação do
mundo e das vontades.
Orfeu: Orfeu é aqui o personagem à procura
de um autor; é o estrangeiro, objectivo e subjectivo, desta apresentação. Nome
mítico que imperfeitamente habita a condição de ser actor de si mesmo. Percebe
alguma coisa de física e de manipulações matemáticas, mas tem grande
dificuldade em formalizar e exprimir o essencial no que se refere ao lançamento
do 11º número da revista de Teatro do CETUP.
A Ilha de Lesbos: quem viu a “Vida de
Adéle”, ou como sugere o texto da Professora Cristina Marinho nesta revista e onde
é sugerido o título alternativo “Le Bleu est une Couleur Chaude”, entende que
mesmo as coisas mais genuínas como o amor entre duas mulheres pode dar origem a
tempestades de areia nas mentes mais porosas. Orfeu, o estrangeiro, não sabe se
há um amor lésbico, um amor gay, um amor hétero, pois só acredita na existência
do amor ou do desamor, embora perceba que, em oposição, o ódio pode ter
infinitas nuances.
Mas esta apresentação já vai longa e não
dá um sinal inequívoco de que vai terminar bem.
Sim, Orfeu, o estrangeiro, pede
desculpas pela generalidade dos comentários. Ele percebe a estratégia das
apresentações, mas costuma perder-se nas tácticas das subtilezas retóricas.
Enfim, não são só as palavras que exprimem o estranho e o estrangeiro no teatro,
há muito mais no teatro naturalista da vida. E, neste, somos todos estrangeiros
uns para os outros; desempenhamos com convicção o nosso papel, mas falhamos
miseravelmente na representação do que os outros actores-encenadores esperam de
nós. Transformamos a comédia em tragédia, a tragédia em comédia e,
contrariamente ao que preconizava Shakespeare, almejamos ser reis, embora não
passemos, quase que invariavelmente, de mendigos.
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