sábado, 20 de fevereiro de 2010

Invisível


A música das pedras era uma uma partitura sumptuosa e impossível, executada por cinquenta ou sessenta martelos que retiniam constantemente, cada um movendo-se na sua própria cadência e, todos juntos, compunham uma harmonia insubmissa e majestosa, um som que se entranhava no meu corpo, um som que permaneceu no meu corpo durante muito tempo depois de eu ter partido ... Aquele som estará para sempre comigo.

Invisível

Paul Auster

É-me impossível concordar com os críticos que qualificam "Invisível" como o melhor de Auster até o presente. Também não compartilho a opinião doutros que julgavam ser essencial que Auster se aventurasse em escrever um romance com uma estrutura mais tradicional, despido do experimentalismo que caracteriza muitos dos seus textos. Sendo um apreciador da criatividade deste autor, mas que não é de todo um inovador a nível da linguagem, mergulhei na leitura deste romance com a quase certeza duma prazeirosa leitura. Infelizmente, a minha antecipação ficou algo frustrada. Deparei com um capítulo inicial promissor, um segundo capítulo inesperado e inteligente, que salvaria o livro não fossem os dois seguintes serem muito menos intensos e algo insípidos.

Naturalmente, estão presentes nesse romance todos elementos que caracterizam uma sólida construção literária, e também uma grande competência narrativa. Contudo, faltou ao autor da "A Trilogia de Nova Iorque", do "No país das últimas coisas" e do extraordinário "A Invenção da Solidão" - na verdade, "Invisível" é o seu décimo quinto livro - a genialidade que eu há muito espero.

Uma sinopse? Um advogado consumido pela leucemia, procura nos seus derradeiros dias escrever uma biografia que resumiria os bizarros acontecimentos dum ano marcante da sua vida, 1967. Era então um promissor jovem poeta, que no Verão deste ano, encontrara numa festa cujos contornos se lhe haviam perdido na memória, um casal francês. Ele, Rudolf Born, um misterioso professor convidado de ciências políticas na Universidade de Columbia; ela, Margot Jouffroy, uma atraente e silenciosa acompanhante. Pouco depois estabelecesse um triângulo amoroso, ao fim do qual Margot parte para Paris sem dizer palavra. Num passeio, Adam Walker, o poeta, e Rudolf são abordados por um assaltante e este é esfaqueado mortalmente por Rudolf. O Verão termina com uma relação incestuosa de Walker com a sua irmã (que é posteriormente desmentida por esta). O Outono é passado em Paris, onde Walker procura aperfeiçoar o seu francês. Procura também fazer Rudolf pagar pelo crime que cometera em Nova Iorque, através da intromissão na sua vida pessoal. Consegue apenas ser deportado sob a acusação fabricada de tráfego e consumo de drogas. Rudolf tinha profundas ligações com o governo francês e o seu serviço secreto.

Quarenta anos depois, o advogado, ex-poeta, procura a ajuda de um colega dos tempos da universidade, e agora eminente escritor, para vencer o bloqueio que lhe impede de terminar a sua narrativa 1967 antes de morrer.

Ao fim das contas, um romance de interesse, mas que talvez não seja do agrado dos que não conhecem e não compartilhem as ligações intelectuais e os temas recorrentes que interessam ao autor.

Quanto a mim, continuo à espera da obra prima que suponho Paul Auster ser ainda capaz de escrever.

Orfeu B.

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