quinta-feira, 3 de junho de 2010

TRADUZIR



O primeiro livro de poesia comprado com o meu dinheiro foi, em 1969, a "ANTOLOGIA BREVE" de Pablo Neruda, nº 2 dos notáveis Cadernos de Poesia, editados pela D. Qixote, propriedade à data de Snu Abecassis e que tinha como director literário Carlos Araújo que é hoje uma história viva da edição portuguesa e de quem sou um devotado amigo.

Tradutor: Fernando Assis Pacheco, grande poeta, neto de galegos e que dominava magnificamente o castelhano.

Neruda foi e é um dos poetas da minha vida. Li-o em castelhano e acompanho as traduções que dele se vão fazendo e, entre elas, as de Jorge de Sena, Eugénio de Andrade, José Bento, Albano Martins e agora, Nuno Júdice.

Não por acaso todos eles são poetas. E creio que para ser tradutor de poesia tem de se ser poeta, com ou sem obra própria publicada. Porque traduzir poesia é encontrar uma convergência da matéria das palavras na música de outra língua. E isso só pode ser ofício de poeta.

As traduções de Assis Pacheco tinham um sabor a mar. Sentia-se o rugir sereno da Ilha Negra. Adivinhava-se o Chile de Neruda.

Há alguns anos ouvi uma gravação de Neruda a declamar. E a sua voz trazia um som muito próximo das traduções de Assis Pacheco.

Também gosto muito da tradução que Eugénio fez de uma poema excepcional de Neruda, "Ode a Frederico garcía Lorca". A voz poética de Eugénio era muito forte. Talvez por isso ele se tenha apropriado em parte do corpo sonoro do poema. Mas manteve o delírio verbal, a cavalgada violentíssima de metáforas que Neruda derramava sobre o papel à época do livro fantástico que foi "Residência na terra".

A José Bento temos de agradecer as muitas traduções que tem feito da língua castelhana e o rigor que tem posto nesse labor. E traduzir de uma língua próxima de nós exige uma atenção especial porque essa semelhança transporta frequentes armadilhas que, com frequência, apanham o tradutor desprevenido.

Albano Martins fez alguns trabalhos de tradução de Neruda que ficarão na História, nomeadamente "Canto geral". E, entre outros, acrescento um livro de que gosto muito particularmente, "Os versos do capitão", cuja tradução brilhante não rouba um sopro à comoção com que sempre me entreguei à leitura destes poemas.

Nuno Júdice mostra uma oficina notável, um grande rigor e um cuidado muito grande para não fugir à dinâmica prosódica de Neruda.

Resumindo, pela sua beleza e pelo cuidadoso trabalho de Nuno Júdice, este é um livro excelente para quem conhece a obra de Neruda e também, muito especialmente, para quem não a conhece. Não se pode sair daqui sem querer ler mais, muito mais, deste poeta que não pára, verso a verso, de me levar a grandes alturas.

NOTAS

1. Pequena crítica. Faz falta nesta edição a identificação dos livros de onde foram seleccionados os poemas traduzidos.

2. Grande crítica O Livro intitula-se "Poemas de Amor de Pablo Neruda". A capa é muito bonita mas talvez de leitura difícil. A editora acrescentou-lhe um auto-colante que acrescenta tratar-se de "Grandes poemas de Pablo Neruda". Poderíamos ironizar à volta desta duplicação pouco elegante. Cheira a anúncio de super-mercado e não respeita a inteligência e bom gosto do leitor.

NOTA POSTERIOR

Esqueci-me do poeta Luís Pignatelli que traduziu excelentemente as maravilhosas "Odes elentares", primeira edição da D. Qixote lá pelos anos 70, ceio eu.

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