domingo, 18 de julho de 2010

ENTRE O PASSADO E O FUTURO



O meu amigo Mário de Carvalho, o excelente escritor, dizia numa entrevista à revista LER que hoje em dia diminuiu muito o interesse pela escrita e pela leitura dos romances de ficção científica porque nós já estamos a viver no futuro.

Eu diria de outra forma. Já temos à mão de semear computadores, telemóveis, nets, DVDs, câmaras de vídeo, multi-mensagens, enfim, toda uma parafernália que era o material de que se serviam os escritores da ficção científica.

Não estou convencido que estamos no futuro mas num presente sem aparente caminho à nossa frente.

Deixámos de ser capazes de criar utopias, deixámos de ser capazes inventar o futuro. Não temos futuro e relacionamo-nos pouco com o passado. Passeamos por centros comerciais, todos iguais. Comemos fast food. Vestimos roupas iguais a toda a gente, convencidos de que somos muito diferentes e muito senhores das nossas escolhas. Estamos de facto presos no presente.

Este romance delicioso de Ignácio Martinez de Pisón é primo (digo eu) daquela série "Conta-me como foi". Traz-nos cheiros, ambientes, sons de um tempo que se não foi o nosso, foi-nos tangente e lemos como se o pudéssemos por uma vez habitar.

E traz-nos o grande prazer de ler. Escrita rápida, curta, incisiva, clara e límpida. E a voz de uma pequena narradora a caminhar para a adolescência, olhando o mundo a partir dos seus desejos e sonhos, da sua ingenuidade, da sua imensa seriedade de criança.

A história é a da menina que se confronta com a pobreza na Espanha franquista dos anos 60/70, com os sonhos de brilhos e luxos com que convive brevemente através de uma tia que lhe traz tanto de deslumbre como de inquietação.

A história é também a da relação àspera da mãe com todos, marido, irmã, filho e filha. Empregada de limpeza, mulher naufragada, entregue à sua condição de quase miséria sem aceitar a revolta política do marido que é preso e finge que não perdeu o emprego para que ela não o critique ainda mais.

História do ódio de uma menina pela mãe e da sua redenção.

Tudo isto numa Vila Operária dda Catalunha, nas ruas de Madrid, nos Hoteis do Estoril.

Um passado, que sem o ser, também é nosso. E é bom visitá-lo. para sabermos melhor de onde vimos e para onde vamos.

2 comentários:

cris disse...

Olá
vou ter mesmo de ler este livro, fiquei curiosa...
passa pelo meu blog e dá uma espreitadela:
http://otempoentreosmeuslivros.blogspot.com
Boas leituras!

Escrevinhador disse...

Olá,

Tenho uma enorme divída de gratidão para com Mário de Carvalho: foi ele que me ensinou a diferença entre povo e populacho. E como isso me tem sido útil na vida.

Abraço