segunda-feira, 7 de novembro de 2011

"O essencial é invisível aos olhos" Saint-Exupéry




Cyrano
Tai-Marc Le Thanh
Rébecca Dautremer
Editora Educação Nacional

Há livros quase obrigatórios  e capazes de remeter a velha questão do livro para crianças ser ou não ser para todos para uma discussão sem importância. São, de facto, livros para todos. 
Aqui nos 7leitores somos todos fazedores de tarefas várias. Uma das mais excruciantes depois de uma história estar escrita, pronta para editar, digo-o por experiência nestes dias, é encontrar um ilustrador, uma escolha que auspicie um casamento perfeito de ilustração e texto. Por isso repousei da busca deliciando-me com este “Cyrano” que fica na categoria dos livros perfeitos. 

Vivemos num tempo em que muitas crianças, ainda ou já, não adormecem com histórias mas despertam para a vida a ver programas de lixo. Que aprendem? Que é preciso humilhação pública para perder 50 quilos, para recuperar dignidade? Estamos a educar uma geração para comida rápida, sexo rápido e amores a correr ditados a gráficos de audiências, para vidas de consumo rápido. É preciso reinventar outra vida, outro tempo, outro peso e outros segredos que nada têm a ver com os códigos que entram por uma televisão vista sem conta, sem medida e sem mediadores.

A educação para a Arte passa pelo livro e a descoberta dos clássicos também se pode servir de livros de passagem que abram caminho sem dispensar a sua leitura. Toda a cópia é um original, todo o reconto é um novo conto mas não pode ser um subproduto do original. A arte de recontar exige respeito e uma reinvenção que algo acrescente.

Neste livro é deliciosamente recontada, por Tai-Marc Le Thanh e Rébecca Dautremer, uma das mais bonitas histórias de amor: Cyrano humilhado pelo seu enorme nariz que não ousa confessar o seu amor e Roxana apaixonada pela beleza de Cristiano por desconhecer a sua colossal estupidez que só à beira da morte de Cyrano se descobrem reciprocamente amados. 

Cyrano de Bergerac, uma peça escrita em 1897 por Edmond Rostand, sobejamente conhecida pelas adaptações cinematográficas, renasce aqui num cuidado trabalho gráfico que harmoniza o texto de Tai-Marc Le Thanh com o traço da Rébecca Dautremer ( marido e mulher na vida real, um detalhe ou não…)


No trabalho da Rébecca são evidentes as influências da fotografia, do cinema e da pintura de Vermeer ou velásquez… Cada imagem parece a captação fotográfica de um momento, a narrativa da acção da câmara e ao mesmo tempo a calma estática do traço lento na tela. Com uma cuidadosa atenção ao detalhe o seu traço é de extrema leveza e bom gosto e as cores envolventes e confortáveis mesmo quando, como é o caso aqui, nos transmitem melancolia. Quase podíamos disfrutá-las sem o texto mas o texto é neste livro, como aliás em todos os que a Rébecca tem ilustrado, muito bom. A construção da narrativa pela imagem abre novos pontos de vista e a tentação de nos perdemos na imagem é equilibrada e enriquecedora da leitura do texto, inteligente e bem humorado, a que voltamos com prazer.

As bibliotecas devem dar a conhecer livros assim: de histórias eternas e lentas que não podemos nem devemos dispensar. Livros que se abrem como uma sinfonia a ecoar pela casa, afastando a tristeza, dando-nos o consolo das palavras e da beleza sensível ao coração.
Sílvia Alves

1 comentário:

Orfeu B. disse...

Livro perfeito, crónica perfeita!