“Quando batem à porta pela noite”
Xabier P. DoCampo
Ambar
Xabier P. DoCampo é um escritor galego. Um dos seus livros “Quando batem à porta pela noite” é um pequeno livro de contos aterradores. Em 1995, em Espanha, ganhou o
Prémio Nacional de Literatura para crianças.
Perguntarão, talvez, porque é um livro para crianças? No entanto, não farão tal
pergunta a propósito de tantas coisas que passam na televisão tão indigentes que deviam aterrorizar os pais de modo a não deixarem as
suas crianças por perto.
Sim pode ser um livro para crianças. A leitura não se faz
passivamente e por isso os bons livros são para todas as idades, inofensivos mesmo que nos façam medo como os contos deste. Úteis até, pois o medo faz parte da nossa capacidade de defesa
Não vou desvedar o seu mistério. Um deles conheci-o a primeira vez na voz do António Fontinha, um exímio contador de
histórias de figura magra e tímida que se transfigura
quando começa a contar. Tem o gesto certeiro e a pausa precisa na
voz para deixar que o medo nos percorra e se instale quando conta “O
espelho do Viajante”. (E Fontinha tem também o dom de nos
vencer pela ternura e pela emoção quando a história vai por esse
caminho.)
Voltando ao livro. Gosto particularmente do conto “O
aniversário da morte” que nos deixa a reflectir sobre quantas
vezes desistimos por causa de um fim anunciado que melhor faríamos em ignorar e viver como se fora amanhã, vivendo hoje.
Em Portugal foi publicado pela Âmbar, editora que, tal como era, teve um
fim. Não conheço reedição. Por isso o livro só se encontra em bibliotecas que o souberam escolher a
tempo ou em algumas livrarias que vão guardando os livros que o passar do Tempo comprova merecerem continuar a ser lidos. Não são muitas mas ainda existem. E continuarão. Se
soubermos vencer o medo.
Deixo-vos o último capitulo, onde o autor falando de
si fala por todos nós, creio.
“Eu tenho medo...
Quando batem à porta pela noite.
De estar só quando não quero estar só.
De estar no meio da gente.
De ficar só no mundo.
De não morrer nunca.
De morrer cedo.
De morrer estupidamente numa estrada.
De ficar iutilizado.
De enlouquecer.
Que aconteça alguma coisa aos meus.
Que aqueles que eu amo não me amem.
De perder o gosto pelas coisas de que gosto.
De ter de viver sempre numa cidade.
Que não haja flores.
Que não haja animais em liberdade.
De não poder ver as estrelas à noite.
De não poder ver a paisagem no Outono.
Do mar. (visto do mar)
De olhar um dia para o céu e não ver um pássaro.
Que não haja trutas nos rios.
De ter de ir á guerra.
Da guerra mesmo que não tenha de ir.
Das almas miseráveis.
Dos que dizem sempre a verdade.
Dos que mentem sempre.
Das histórias de terror.
De filmes de terror.
De ir ao dentista.
De andar de avião.
De não ter medo de nada.
De ter muito medo.
Quando passa muito tempo sem que ninguém bata à minha
porta.
De...”
Xabier P. DoCampo
1 comentário:
Obrigado a Silvia Alves pelas suas tão lindas palavras e por me fazer conhecer os versos de Licínia Quitério, tão formosos. Obrigado também ao Fontinha, amigo admirável, por contar O espelho do Viajante e asim dar-lhe vida. Lamento o desaparecimento de Ámbar e com ela a edição portuguesa de meu livro.Aguardo a oportunidade de reeditá-lo com outra editora. Tudo pode chegar.
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