Pain is inevitable. Suffering is optional
What I talk about when I talk about running
Haruki Murakami
Esqueçam o escritor reflexivo e contemplativo à espera de que as musas lhe incendeiem a imaginação. Não de todo! O escritor dos momentos mágicos, dos personagens que comunicam com os animais e os minerais, o criador de situações insólitas e inesperadas é um corredor de fundo que transformou o hábito de correr num complemento indissociável da sua vida de romancista, tradutor, comentador, e mais recentemente de activista de causas humanitárias.
Um beatnik dos músculos então? Também não de todo, pois Murakami não pretende criar nenhuma filosofia, fundar um ashram ou uma seita de seguidores. Do que estou a falar quando falo sobre correr é um livro confuciano: versa sobre treinos, preparação para maratonas (pelo menos uma por ano), respiração, dor física, tempos, reminiscências de provas de longa distância e de triatlo, e sobre a história do envolvimento com a corrida e a sua ligação umbilical com a vida de escritor. A filosofia, se é que se pode disso falar, é extraída ao longo do percurso, no processo de se atingir objectivos bem definidos.
Mas naturalmente, a conexão é nos dois sentidos. O capítulo entitulado Praticamente tudo que sei sobre escrever ficção eu aprendi correndo todos os dias é ilustrativo duma relação que não é acidental e que o autor pretende que perdure até o fim, exactamente como a sua capacidade de escrever e criar. Afirma Murakami, que ao terminar o seu primeiro livro, aos 33 anos, descobriu que a vida dum escritor era fisicamente extenuante, pouco saudável e associal. Sentiu então a necessidade urgente de se exercitar. A inaptidão para os desportos em grupo e a simplicidade da corrida de fundo facilitaram-lhe a escolha do desporto a praticar. A legendária disciplina nipónica fez o resto.
Reitera Murakami, eu seria um outro escritor se não fosse o facto de ser um corredor de fundo, de modo que a fórmula correr e escrever, escrever e correr transformou-se numa segunda pele, num modo de estar e de ver as coisas. Mas é fundamental sublinhar que o autor não pretende vender a receita a ninguém. Destaca que a entrega sem reservas e o desejo de atingir o máximo dentro dos seus próprios limites tornaram-se ao longo dos anos os seus objectivos no que se refere à escrita e às provas de fundo. Conta-nos também que o sucesso inesperado do seus primeiros livros revelaram-lhe um caminho profissional que não antecipava de todo ser o seu. Os ingredientes? Talento, objectivo e resistência. Para escrever ou para correr? Para ambas, responde-nos Murakami, pois são para si actividades intimamente interligadas.
Assim, através da leitura deste despretensioso livro somos levados a uma identificação simples, mas também elegante: a de que escrever um romance é algo como correr uma maratona. Exige treino, dedicação, resistência, e uma vez iniciado o processo não há espaço para andar, pois foi-se treinado para correr. A felicidade do autor com a naturalidade desta identificação é mais que evidente, e ao ponto dele não se coibir de apontá-la como uma essência existencial, como vê-se quando imagina o seu epitáfio:
Haruki Murakami
1949 - 20**
Escritor (e corredor)
Pelo Menos Ele Nunca Andou
Orfeu B.
1 comentário:
Parece-me veloz, muito veloz. Gosto de Murakami pela musicalidade dos livros. Parece que por vezes estou no cinema. E esse acto de correr é muito solitário, tal como os seus livros, onde as personagens são sozinhas, com os seus gatos e por vezes encontram outros que também estão encerrados no seu mundo. Murakami é um escritor que descreve também a vida contemporânea, a vida nas cidades.
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