domingo, 4 de outubro de 2009

Um poema para Lublin



O, Wanderer, a shadow accompanies you as always and the night is bathed in a silvery afterglow. Leave this town light-hearted, the way it greeted you.

A poem about Lublin.

Józef Czechowicz.


Todo poeta sabe que deve honrar a sua cidade. O chamamento pode ser precoce ou tardio, mas é inevitável. Não importa o locus, o fundamental é como o poeta conduz o caudal de sensações-emoções-recordações associando-as aos elementos da paisagem urbana. Não há guias ou modelos, a profundidade do exercício é a única forma de transformar memórias em esquinas, lembranças em catedrais, sonhos em castelos.

O poeta polaco Józef Czechowicz, depois de combater como voluntário na guerra contra a União Soviética em 1920, estudar em França e viver entre Lublin e Varsóvia, retorna, qual uma enguia que volta ao mar para encerrar o ciclo duma vida, para a sua Lublin quando da invasão da Polónia pela Alemanha em 1 de Setembro de 1939 e acaba por morrer soterrado em 9 de Setembro quando dum bombardeamento da Luftwaffe.

A sua homenagem a Lublin é de 1934, mas é na verdade intemporal. Józef Czechowicz canta, numa preciosidade de livrinho que contem um único poema, uma Lublin que é tão mística como a Lublin real, com a sua simbiótica arquitetura medieval, renascentista e barroca. E num percurso pedonal dominado pelas sombras da noite, o poeta celebra a cidade que foi o centro da união da Polónia com a Lituánia no século XVI, da renascença da cultura polaca, e da Reforma. E com o toque mágico dumas escasssas palavras, o poeta recorda tudo isto e também que Lublin foi conhecida como a "Oxford Judia", dada a concentração de estudantes de toda a Europa que para ali iam estudar o Talmude e a Cabala nas suas yeshivas, as Academias Talmúdicas ou Academias Rabínicas.

A voz de Józef Czechowicz é única e universal, como a de todos os poetas. Exprime a beleza numa linguagem que só os poetas sinceros conhecem:

... oh Caminhante, o que te toca indelevelmente a alma é que a tua amada cidade já te acolheu e abraçou ...

Cinzeles, graves na memória a inscrição do portão do cemitério:
"Retido na poeira eu durmo - e da poeira
Eu resurgirei no dia final" ...

Dominado pela tristeza, perdido em pensamentos e indiferente ao mundo, oh Caminhante, tu percorres a cidade emudecida. Aqui e ali, na rua principal ouves os habitantes a conversar, aqui e ali ouves o ruído dum portão que se fecha.

...

Foi nessa modesta esquina que te compraram uma corneta de brinquedo. Naquela outra que te despediste da tua mãe e irmã antes de partires para o front. E aqui é a casa onde vivenciaste os mais ternos sentimentos.

Foi ali que experimentaste o primeiro momento de poesia ouvindo a cidade antiga à noite.

Transformes a memória em verso. A essência das noções, memória e poesia, tão próximas que estão uma da outra.

Este é um verso.

O céu transforma-se, ainda que a noite não tenha perdido a sua força,
o vento ainda sopra antes de se extinguir.
O céu sussurra em púrpura.
O vento - não é mais vento - sorri.

...

E agora?

...

Boa noite cidade antiga, boa noite. Estradas brancas conduzem ao norte, através de sendas estreitas, sendas através de miríades de sendas. O Caminhante é apenas um ponto negro numa delas.

Ele desapareceu atrás do monte.

Boa noite, cidade,

boa noite ...

Orfeu B.

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