sábado, 1 de maio de 2010

RICHARD BAUSCH, CONTISTA MAGISTRAL



Não, não me canso de ler – e de admirar – os contistas norte-americanos do nosso tempo. É o caso de Richard Bausch, romancista, novelista, contista, nascido em 1945, na Virgínia e aí residente desde sempre. Retratista de uma América profunda, Bausch é um grande contista, com uma escrita envolvente, que se situa na tradição dos contadores de histórias que fazem da sua palavra um instrumento de encantamento, de sedução.
Li e reli a tradução francesa (“L´homme qui a connu Belle Starr et autres nouvelles”, Gallimard) da sua obra “The stories of Richard Bausch”, publicada em 2003. E, uma vez mais, espantei-me como, neste mundo de globalização, esta obra ainda não seja conhecida em Portugal. Obra que consiste numa colectânea de 19 histórias, todas de estrutura perfeita, com um finíssimo sentido de humor, por vezes a resvalar para a ironia.
A história inicial, “L´homme que a connu Belle Starr”, que dá nome à tradução francesa, é um texto cheio de ritmo, que se inspira nos mitos americanos da violência e liberdade do século XX, e que têm expressão maior na saga de “Bonnie and Clyde”. Uma Bonnie e um Clyde plenos de equívoco e de loucura.
Histórias centradas na caracterização de situações em que as personagens se envolvem, a partir das quais os textos adquirem a inteligibilidade necessária ao desenvolvimento da acção, acção imbuída de um “non-sense” que tem tanto de difuso como de penetrante.
19 histórias que abordam uma multiplicidade de temas que, no seu conjunto, nos dão uma panorâmica de uma América sem valores, perdida num quotidiano sem sentido, em que as ideias feitas e os hábitos estereotipados se sucedem em ritmo impressionante. Exemplo flagrante é a história que, em francês, tem por título “Téléphone rose”, em que a perversão e o absurdo do sexo por telefone surgem com uma evidência que nos desconcerta.
Richard Bausch é um daqueles autores que organizam os seus livros segundo um esquema tradicional: a obra abre com um belo conto e fecha com outro (ou outros), igualmente de grande qualidade. “Le Guatemala” e “Le dernier jour de l´été”, os contos finais, são a expressão do que acabo de dizer. Se no primeiro avulta a crueldade subjacente a um almoço de família que se queria de paz e concórdia, já no segundo é nos dada a dificuldade de relação entre um pai e um filho, espectadores do mesmo jogo de futebol, mas separados por um fosso que não permite o entendimento entre pessoas de gerações diferentes.
Em suma, um livro magistral (construído a partir de situações vividas pela classe média americana), a atestar o virtuosismo de um dos maiores contistas dos Estados Unidos da América de finais do século XX, inícios de XXI.

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