sábado, 7 de agosto de 2010

CADERNOS DE UM CAÇADOR



Tento enumerar algumas características que fazem um grande romance ou uma grande colecção de contos. Haverá mais, por certo, mas proponho-me pensar nestas:

a capacidade de efabulação, de montar com eficácia a máquina narrativa;

a capacidade de criar personagens que transportem o leitor para uma dimensão inesperada e intensa da diversidade humana;

a requintada e rara arte da escrita que surpreende, amarra e conduz o leitor independentemente da própria linha central da narração.

a capacidade de nos transportar para uma dimensão superior da experiência estética.

Os grandes escritores russos do século XIX, como é o caso de Turgueniev, tinham estes atributos em larga escala.

Muitos bons e sublinhados escritores da actualidade têm várias destas qualidades em maior ou menor grau. Com frequência conseguem ser eficazes porque seguem as regras e o o fluir dos consabidos tempos da novela, tão repetidos em cursos da chamada escrita "criativa", e fazem correr a sua história com o devido asseio e despacho.

Mas falta-lhes muitas vezes a arte da grande escrita. É por isso que, na leitura de muitos romances actuais chegamos a cerca de metade, dois terços, e temos o sentimento de que o escritor não anda nem desanda, a história fica a marinar, as personagens não saem da mesma, as situações repetem-se, as palavras parecem sair de uma máquina a funcionar em seco.



Turgueniev era um mestre na grande arte da escrita. As suas descrições de paisagens, animais, poderosas personagens, delicados ou tremendos estados de alma, são primorosas. Levam-nos a emoções que não tínhamos experimentado.

Talvez a escrita de um escritor como Turgueniev exija um leitor diferente da maior parte dos romances actuais. Exige, talvez,um outro tempo de leitura. O tempo de saborear as palavras,de nos deixarmos embalar pela sua paixão pela natureza e, mais, pelas palavras com que nos oferece essa paixão e connosco compartilha essa emoção pelo drama dos homens e das mulheres e esplendor da paisagem sem fim da sua Rússia.

Turgueniev leva-nos através da história de uma personagem. mas logo a interrompe a propósito das árvores de um bosque, da pesca num rio, de uma lebre que foge, de um homem que canta... Leva-nos aonde nos quer levar e traz-nos de volta à história interrompida páginas e páginas depois e fá-lo porque a sua arte é deslumbrante e irrecusável.

Há poucos dias li que o escritor norueguês Kjeill Asklidsen perguntava em que é que a alegria é interessante para uma história. Pois em Turgueniev é permanente a alegria pelas maravilhas da natureza e essa alegria não o impede de desenhar com dureza a drama dos servos e de denunciar a organização de uma sociedade a viver ainda nas faldas do feudalismo

Na contracapa deste livro cita-se Harold Bloom, o conhecido crítico americano, que o coloca entre as grandes obras da literatura de sempre.

Li-o em início de férias, quando no peito ainda borbulhava o caldeirão das angústias do dia-a-dia. Com este extraordinário livro de contos saí desse caldeirão para o tempo maravilhoso da grande literatura.

2 comentários:

MJ FALCÃO disse...

Mais uma boa escolha... Tenho andado a "passear" pelo blog...

jed disse...
Este comentário foi removido pelo autor.