sábado, 24 de dezembro de 2011
MAPAS E AUSÊNCIAS
Um romance portentoso que roda à volta do conceito do tempo e da ausência.
A Argentina é um país de ausências, um país onde as marcas do tempo se confundem. Ou talvez não tanto as marcas do tempo como as marcas das identidades de um país que nem sempre coincide consigo mesmo.
País onde uma ditadura apagava acontecimentos pessoas, ruas, cidades e afirmava que o que não se vê não existe.
Um romance que, de forma sinuosa, nos leva a percorrer o tempo para a frente e para trás, em torno do exílio de um escritor e da personagem real/irreal que ele persegue e que por sua vez persegue cegamente o marido assassinado. Deste exílio diz o autor que:
“Do exílio ninguém regressa. O que abandonamos, abandona-nos”
Esta é sobretudo a história de Emília, uma mulher que perdeu tudo. A confiança no pai que sabe cúmplice da ditadura ou mais ainda do que isso. A memória da mãe que enlouquece. O marido assassinado pela polícia.
Emília não aceita que o marido tenha morrido e fica 30 anos à sua procura do Brasil à Venezuela até aos EUA. Uma cartógrafa que procura o mapa em que ela e Simón se possam reencontrar.
“O que fizeste com a tua vida, Emília?”, pergunta o autor. “Nada,” responde Emília, “…e isso é que é pior. Não fiz nada. A minha vida é que fez comigo.”
O rio redondo de buscas e equívocos, que é este romance, desenha um purgatório, uma espera sem ponto de chegada nem desespero, uma metáfora poderosa para a vida de todos nós.
No entanto, e sem tocar as patetices da literatura cor-de-rosa, o autor não deixa de visitar uma profunda fé no que de melhor a Humanidade tem, ou seja, na capacidade de amar.
Ao longo desta leitura cruzada com outras leituras e uma exposição de pintura, fui reflectindo sobre o mal e a sua expressão na palavra de alguns escritores e na representação de alguns pintores, sobre a perversidade como estética, sobre o convívio com os terríveis fantasmas da guerra ou, pior, da maldade absoluta.
E fico-me nesta afirmação de Tomás Eloy Martínez que me parece apontar para um percurso poético da escrita tão distante desse prazer mórbido que tem invadido muita arte e literatura contemporâneas, nomeadamente entre nós.
“Os romances escrevem-se para emendar no mundo a ausência perpétua daquilo que nunca existiu.”
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