OS BARES FECHAM ÀS TRÊS DA MANHÃ NAS NOITES DE SÁBADO e por isso cheguei a casa por volta das 3.45 depois de tomar o pequeno-almoço no Riker’s na esquina da Christopher com a Sétima Avenida. Atirei o News e o Mirror para cima do sofá, despi o meu casaco de crepom às riscas e larguei-o em cima deles. Ia direito para a cama.
Nesse momento, a campainha tocou. É uma campainha estridente que fura os ouvidos e por isso corri rapidamente para carregar no botão que abre a porta da rua. Depois tirei o casaco do sofá, pendurei-o numa cadeira para que ninguém pudesse sentar-se em cima dele e meti os jornais numa gaveta. Queria ter a certeza de os ter ali quando acordasse de manhã. A seguir atravessei a sala e abri a porta. Calculei o tempo precisamente para que não tivessem oportunidade e bater.
Entraram quatro pessoas. Agora vou dizer-vos por alto quem eram essas pessoas e que aspecto tinham, uma vez que esta história é quase toda acerca de duas delas.
William S. Burroughs & Jack Kerouac
Uma descrição dos acontecimentos que conduziram ao crime passional e que em certa medida foi a centelha original dos escritores Beats, William S. Burroughs (1914-1997), Jack Kerouac (1922-1969) e Allen Ginsberg (1926-1997). Escrito a meias por Burroughs e Kerouac em 1945, em capítulos quase alternados assinados por Will Dennison (Burroughs) e Mike Ryko (Kerouac), o manuscrito esteve perdido no espólio de Kerouac durante 60 anos e só foi publicado em 2008. Um livro que não sendo uma obra prima tem interesse do ponto vista histórico e sociológico. Um relato sobre os acontecimentos romanceados que antecederam um crime passional que teve lugar em Nova Iorque no final da II Grande Guerra e que envolveu dois homens, ambos amigos dos autores e de Ginsberg. Num estilo existencialista, podemos ler a descrição de vidas vazias, pontuadas pela indolência, pelo alcoolismo, pelo consumo de drogas e por relações hetero, homo e bissexuais complicadas, e claramente infelizes e frustradas. O crime passional é resultado da tensão e da ambiguidade destas relações.
É interessante referir que este crime foi retratado no seu tempo com sensacionalismo e fez parte, durante alguns anos, da cultura urbana de Nova Iorque. Merece ser também mencionado que foi a reacção extremamente negativa dos professores e mentores de Ginsberg que o demoveram da intenção de escrever ele também o seu relato dos acontecimentos.
Recordemos que este manuscrito antecede em muitos anos "Howl and Other Poems" (1956) de Ginsberg, "On the Road" (1957) de Kerouac e "Naked Lunch" (1959) de Burroughs, livros que são inquestionavelmente os mais marcantes e emblemáticos da Beat generation. Percebe-se com este "E os Hipopótamos Cozeram nos seus Tanques", que o romantismo em que estão envoltos os escritores desta geração é largamente exagerado.
A obra, que em Portugal é editada pela Quetzal, conta também com um esclarecedor posfácio do editor nova-iorquino James Grauerholz.
Orfeu B.
1 comentário:
Seu garimpo sempre rende ótimas dicas de leitura :)
Dani.
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